Acórdão nº 814/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 814/2021

Processo n.º 293/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão daquele Tribunal, de 24 de fevereiro de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 513/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«4. Em primeiro lugar, cabendo aos recorrentes delinear o objeto do recurso (norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada), a aferição do preenchimento dos requisitos de que depende a admissibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional e, bem assim, a delimitação do objeto do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade devem ter por base o invocado no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida (ou decisões recorridas), tal como identificada(s) pelo recorrente no seu requerimento de interposição de recurso e que fixa o respetivo objeto.

Do teor do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade resulta que a decisão de que se recorre é o Acórdão do TRP de 24/2/2021, que rejeitou o recurso interposto pelo ora recorrente de decisão condenatória proferida em 1ª instância, expressamente identificado pelo recorrente como a decisão de que pretende recorrer.

Nos termos do requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade, pretende o recorrente ver apreciada duas questões de constitucionalidade, ambas reportadas a interpretações do artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

São as questões que, de seguida, se enunciam.

A primeira questão é assim enunciada: «A norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é aquela resultante da interpretação da norma do art.º 417.º n.º 3 do C.P.P efetuada na Douta Decisão Sumária emitida pela Veneranda Desembargadora Relatora em 06 de Novembro de 2020, mantida pelo Acórdão da Conferência da 1.ª Secção Criminal dessa Veneranda Relação proferido em 24 de Fevereiro de 2021, equiparando a eventual extensão e até menor concisão a uma total ausência de Conclusões».

Segundo o recorrente, «a interpretação adotada da norma do art.º 417.º n.º 3 do C.P.P. segundo a qual a menor concisão das Conclusões equivale à falta de Conclusões do Recurso e levou à rejeição do mesmo deverá ser considerada inconstitucional, já que é lesiva do direito a uma tutela jurisdicional efetiva dos arguidos, como é o caso do aqui Recorrente, do seu direito de acesso aos tribunais e à Justiça, bem como das garantias de defesa, no caso, do seu direito ao recurso, na medida em que com aquela interpretação vê ser-lhe negado o seu direito de acesso à Justiça e aos Tribunais e desrespeitadas as suas garantias de defesa, violando por consequência os art.ºs 20.º n.º1 e 32.º n.º 1 da CRP».

A segunda questão é assim enunciada: «Outra norma cuja constitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a do art.º 417.º n.º 3 do atual C.P.P, a qual veio regular nos mesmos termos do que previa o art.º 690.º n.º 3 do C.P.C (na redação anterior à resultante dos Decretos-Lei n.ºs 329/A-95 e 180/96, e subsidiariamente aplicável a processo penal ainda regido pelo Código de 1929), por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 209.º da Constituição, quando interpretada no sentido de que não incorpora, ao nível da consequência processual prevista - o não conhecimento do Recurso - uma regra de redução desse efeito processual à parte das conclusões que se mostre efetivamente afetada».

Segundo o recorrente, «a falta de indicação no Douto Acórdão recorrido da parte não afetada pelo vício que o mesmo assaca às Conclusões viola o princípio constitucional da proporcionalidade, na medida em que, pelos menos duas situações que o Recorrente elencou no seu Recurso interposto da Decisão condenatória do Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Criminal do Porto - Juiz 13, deveriam ter sido apreciadas, já que as conclusões às mesmas respeitantes estavam absolutamente delimitadas, concisas e percetíveis», «[p]elo que não deveriam ter sido afetadas e fulminadas por uma absoluta omissão como aquele Douto Acórdão emitido em 24 de Fevereiro de 2021 determina, mantendo na íntegra a Decisão Sumária exarada pela Veneranda Desembargadora Relatora em 6 de Novembro de 2020, violando-se assim com aquela interpretação da norma do art.º 417.º n.º 3 do CPP o princípio da proporcionalidade previsto no art.º 18.º da CRP com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da C.R.P, uma vez que, aquelas conclusões estavam em absolutas condições de ser apreciadas e na medida em que o art.º 417.º n.º 3 do C.P.P, quando interpretado no sentido de que não incorpora, ao nível da consequência processual prevista - o não conhecimento do recurso - uma regra de redução desse efeito processual à parte das conclusões que se mostre efetivamente afetada, viola o princípio da proporcionalidade previsto no art.º 18.º da C.R.P».

5. Assim identificados o objeto e o fundamento do presente recurso de constitucionalidade, e, bem assim, a decisão recorrida para este Tribunal, cumpre de seguida apreciar se estão preenchidos todos os pressupostos, cumulativos, de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 70.º e 72.ºda LTC, já que, mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal “a quo”, com fundamento no artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, como decorre do seu n.º 3. Com efeito, se o Relator verificar que algum dos pressupostos de admissibilidade, ou alguns deles, não se encontram preenchidos, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04, ou mais recentemente, os Acórdãos n.ºs 344/2018, 640/2018, 652/2018, 658/2018 e 671/2018, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Faltando um destes requisitos, o Tribunal não pode conhecer do recurso.

6. Verifica-se que, no caso dos autos, não está verificado o requisito processual relativo à ratio decidendi.

Quanto às questões de inconstitucionalidade colocadas pelo recorrente em relação às interpretações alegadamente conferidas ao artigo 417.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, supra identificadas em II, 4., não se mostra verificado o pressuposto de admissibilidade dos recursos de fiscalização concreta, relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, das normas (ou dimensões normativas) cuja constitucionalidade é questionada.

Antes de mais, deve notar-se que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da constitucionalidade de normas que tenham sido efetivamente aplicadas, enquanto razão determinante das decisões recorridas (artigo 79º-C da LTC). Cabe, portanto, ao recorrente delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso. Atenta a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, apenas assim um eventual juízo de inconstitucionalidade poderá repercutir-se efetivamente na solução a dar ao caso concreto.

Sucede, porém, que, nos presentes autos, as alegadas normas (ou interpretações normativas) que o recorrente fixou como objeto do recurso não correspondem, precisamente, às adotadas pela decisão recorrida.

Vejamos.

7. Assim ponderou e decidiu o TRP no Acórdão prolatado em 24/2/2021 (ora recorrido), naquilo que releva para as questões de constitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional (cf. Acórdão de 24/2/2021, II. e III., págs. 34 a 39, correspondentes a fls. 1942-verso a 1945):

«II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso 3 [3 É o que resulta do disposto nos arts. 412.° e 417.° do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.° 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.° 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.].

No caso dos...

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