Acórdão nº 843/21 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 843/2021

Processo n.º 617/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal de Trabalho do Funchal, A., Unipessoal, Lda., ora reclamante, deduziu recurso da decisão da Direção Regional do Trabalho e da Ação Inspetiva da Madeira, que lhe aplicou uma coima única, no montante de € 500,00, pela prática de uma contraordenação, prevista e punida, pelas cláusulas 39.º, b), 61.º e 68.º do Contrato Coletivo de Trabalho para o Setor dos Metalúrgicos, as duas primeiras conjugadas com o artigo 285.º do Código do Trabalho, e de uma contraordenação, prevista e punida, pelo artigo 552.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

Por decisão proferida a 21 de janeiro de 2021, o Juízo do Trabalho do Funchal, julgou o recurso totalmente improcedente, mantendo a decisão recorrida.

Inconformada, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 70.º, n.º 2, 71.º, n.º 1, 72.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2, 73.º, 75.º, n.º 1, 75.º-A, nºs. 1 e 2, 78.º, n.º 3, 79.º-C, 83.º, n.º 1 e 84.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante Lei do Tribunal Constitucional ou, abreviadamente, LTC), nos seguintes termos (cf. fls. 152-154):

«[…]

A douta sentença recorrida julgou que:

"Começa a arguida por invocar a nulidade dos despachos de acusação pelo jacto de não constar deste qualquer facto que integre o elemento subjetivo.

(...)

Improcede, assim, a nulidade invocada relativamente às acusações e, consequentemente, relativamente à decisão administrativa."

Mais decidiu a douta sentença recorrida que:

"Face ao exposto, julgo totalmente improcedente o recurso de contraordenação apresentado por A., Unipessoal, Lda. e, em consequência, mantenho a decisão proferida pela Direção Regional do Trabalho e da Ação Inspetiva da Madeira.

Nos presentes autos, da junção de todo o processo administrativo resulta que os autos administrativos de acusação no processo de contraordenação n.º 28 - CO/2020 e no processo de contraordenação n.º 29 - CO/2020 são completamente omissos quanto ao elemento subjetivo das alegadas infrações em causa nos correspondentes autos administrativos porquanto referem somente que as alegadas infrações são punidas por dolo ou por negligência, omitindo completamente os factos que preencheriam o elemento subjetivo dos alegados ilícitos contraordenacionais.

Razão por que os sobreditos dois autos administrativos de acusação limitaram-se a descrever os factos objetivos que materializavam os alegados ilícitos contra-ordenacionais, omitindo completamente os factos que preencheriam o elemento subjetivo dos alegados ilícitos contraordenacionais.

Sendo que esta omissão gera a nulidade dos mencionados dois autos administrativos de acusação e a consequente nulidade da subsequente decisão administrativa apoiada nos referidos autos de acusação administrativos nulos e a consequente nulidade da subsequente decisão judicial a confirmar a decisão administrativa.

Até porque o princípio do acusatório significa que a arguida só pode ser julgada pela prática das alegadas contraordenações mediante a existência de prévios autos administrativos de acusação e nos limites desses mesmos autos administrativos de acusação.

Do processo administrativo junto integralmente aos presentes autos, a decisão administrativa, ao contrário do que sucedeu nos sobreditos dois autos administrativos de acusação, além de descrever os factos objetivos que materializam os alegados ilícitos contraordenacionais já veio fazer referência, ultrapassando os limites estabelecidos pelos aludidos autos administrativos de acusação, aos factos que preencheriam o elemento subjetivo dos alegados ilícitos contraordenacionais.

Pelo que temos de concluir que, pela violação da estrutura acusatória, a decisão administrativa é nula, nulidade que foi tempestivamente arguida nos presentes autos a fls..., o que gera a nulidade da subsequente decisão judicial.

E, consequentemente, é forçoso concluir que a apontada nulidade acarreta como consequência a absolvição da arguida, o que foi tempestivamente invocado nos presentes autos a fls...

10º

Deste modo, a decisão judicial que mantém a decisão da autoridade administrativa que aplicou uma coima sem conter os elementos que a lei impõe é, consequentemente, nula, por aplicação do disposto no art.º 374.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal para as decisões condenatórias.

11º

(...) Deste modo, a falta de base factual da decisão judicial assente na falta de base factual da decisão da entidade administrativa equivale a uma acusação que não contém factos, com a consequente impossibilidade de seguimento processual - art.º 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. b), do CPP, subsidiariamente aplicável — e com a consequente legal absolvição da arguida.

12º

Face ao exposto, e inconstitucional, por violação do artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, do artigo 11,º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e por violação do artigo 202º, do artigo 204.º, do artigo 32.º, nºs 1 e 2, do artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, e por violação do princípio constitucional da presunção da inocência e por violação do princípio in dubeo pro reo que é uma das vertentes do princípio constitucional da presunção da inocência e por violação do princípio de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, a interpretação normativa do artigo 374.º, n.º 1, al. c), do CPP e do artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. b), do CPP segundo a qual considera-se preenchido o elemento subjetivo de alegados ilícitos contraordenacionais quando os autos administrativos de acusação em que assenta tal decisão condenatória tenham omitido completamente os factos que preencheriam o elemento subjetivo dos alegados ilícitos contraordenacionais para poder fundamentar a condenação da arguida.

13º

Ora, a interpretação normativa da norma legal do artigo 374.º, n.º 1, al. c), do CPP e do artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. b), do CPP segundo a qual considera-se preenchido o elemento subjetivo de alegados ilícitos contraordenacionais quando os autos administrativos de acusação em que assenta tal decisão condenatória tenham omitido completamente os factos que preencheriam o elemento subjetivo dos alegados ilícitos contraordenacionais para poder fundamentar a condenação da arguida constitui uma compressão intolerável das garantias de defesa da arguida.

Normas e princípios constitucionais que se considera terem sido violados pela sentença recorrida.

14º

As sobreditas interpretações normativas do artigo 374.º, n.º 1, al. c), do CPP e do artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. b), do CPP, violam o artigo 9.º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, o artigo 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e violam o artigo 32.º, nºs 1 e 2, o artigo 202.º, o artigo 204.º e o artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, todos da Constituição da República Portuguesa, e violam o princípio constitucional da presunção da inocência e violam o princípio in dubeo pro reo que é uma das vertentes do princípio constitucional da presunção da inocência e violam o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.

Peça processual em que foi suscitada a questão de (inconstitucionalidade.

15º

A questão da inconstitucionalidade das sobreditas interpretações normativas do artigo 374.º, n.º 1, al. c), do CPP e do artigo 311.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, al. b), do CPP foi suscitada no requerimento de interposição de recurso de impugnação interposto da douta decisão administrativa para o tribunal recorrido.

16º

Pelo exposto, a arguida recorrente vem da douta sentença recorrida, interpor, nos termos do disposto nos artigos 70º, n.º 1, alínea b), 70º, n.º 2, 71º, n.º 1, 12º, n.º 1, alínea b), 72º, n.º 2, 73º, 75º, n.º 1, 75-Aº, n.ºs 1 e 2, 78º, n.º 3, 79-C, 83º, n.º 1, 84º, n.º 1, todos da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), recurso para o Tribunal Constitucional, para o que junta o presente requerimento de interposição de recurso.

17º

O presente requerimento de recurso encontra o seu fundamento legal no disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da LTC e no que toca ao efeito e ao regime de subida do recurso deverá, atento o disposto no artigo 78º, n.º 3, da LTC, o presente recurso ter efeito suspensivo, subir imediatamente e nos próprios autos.

Nestes termos e nos mais e melhores de direito que V.ª Exa. Meritíssimo Sr. Juiz de Direito suprirá, requer-se que se digne admitir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 76.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, o presente recurso interposto para o Tribunal Constitucional.

2. O recurso de constitucionalidade não foi admitido no tribunal recorrido, por despacho de 3 de março de 2021 (cf. fls. 158), com os fundamentos seguintes:

«A Ré veio dirigir requerimento a este Tribunal no qual, a final, peticiona que se admita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 76º, n.º 1, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso para o Tribunal Constitucional.

Para o efeito, alega em suma que a interpretação normativa efetuada da norma dos artigos 374º, n.º 1, alínea a), e 311º, n.º 2, alínea a) e n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal violam o princípio constitucional da presunção de inocência, questão que for suscitada no...

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