Acórdão nº 557/16.4T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO BAPTISTA
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.

I – RELATÓRIO AA e mulher BB e CC e marido DD instauraram acção de processo comum contra EE.

Alegaram que os autores AA e CC são filhos de FF e de GG, que foram casados um com o outro no regime da comunhão geral.

Sucede que o falecido pai dos autores viveu maritalmente com a ré, com ela tendo contraído casamento.

Embora tenha havido partilha dos bens dos pais dos autores, alguns imóveis pertencentes ao casal não integraram tal partilha, pois foram registados pela ré, com base em escrituras de justificação notarial.

Porém, o declarado em tais escrituras não corresponde à verdade por estarem em causa prédios adquiridos na constância do casamento dos pais dos autores, e apenas com dinheiro do pai dos autores.

Assim, concluíram os autores solicitando que: - seja declarado que são herdeiros legitimários de seu pai FF; -seja declarado que fazem parte dessa herança os seis imóveis que identificaram no respetivo articulado; - seja decretada a nulidade das escrituras de justificação notarial em causa e cancelados os registos com base nelas efetuados; - seja a ré condenada a restituir tais imóveis à herança do pai dos autores para aí serem partilhados.

A ré apresentou contestou, tendo deduzido o incidente do valor da ação, arguiu a incompetência do tribunal em função do valor, a ilegitimidade dos autores, bem como a irregularidade do mandato por eles conferido no âmbito dos presentes autos.

Arguiu, ainda, a contestante a excepção de caso julgado, alegando terem sido objecto de julgamento outras causas, com causas de pedir e pedidos idênticos à presente.

Mais alegou a ré que os prédios em questão lhe pertencem, por andar na sua posse há mais de 40 anos, tendo deduzido reconvenção na qual peticionou que fosse declarado que adquiriu os referidos prédios por usucapião.

Os autores replicaram, impugnando a matéria alegada em sede reconvencional.

Foi admitida a reconvenção, decidido o incidente de valor da causa e proferido despacho saneador, em que se afirmou a validade e a regularidade da instância, designadamente a legitimidade das partes.

Foi julgada improcedente a suscitada excepção de caso julgado, embora se tenha relegado para o momento da decisão a questão da autoridade de caso julgado inerente às decisões proferidas nas ações nºs 1/10...e 49/14....

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi sentenciada a causa nos seguintes termos: “DECISÃO Nos termos expostos, julgo parcialmente procedente a presente ação, instaurada pelos autores AA e BB, CC e DD, contra a ré EE e, em consequência: - declaro os supra identificados autores AA e CC, herdeiros de FF; - declaro que integra a herança aberta por óbito de FF o prédio identificado no facto provado nº 5.28 (descrito na CRP ... sob o nº ......25, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...47º), condenando a ré EE a entregá-lo à herança aberta por óbito de FF; - declaro ineficazes as escrituras de justificação mencionadas nos pontos 5.12 e 5.13 dos factos provados, com exceção do facto aí justificado relativamente ao artigo urbano ...10º da freguesia ..., concelho ..., e ordeno o cancelamento dos registos prediais efetuados com base em tais escrituras, conforme factos nºs 5.29 a 5.32, na parte em que é declarada a respetiva ineficácia; Absolvo a ré dos demais pedidos contra ela formulados; Julgo improcedente por não provada a reconvenção, absolvendo os autores/reconvindos do pedido reconvencional contra eles deduzido.”.

* Inconformada, apelou a Ré EE, tendo a Relação de Coimbra, em Acórdão, proferido a seguinte “Decisão.

Mantendo-se o demais decidido, altera-se a sentença recorrida, declarando o seguinte: Absolve-se ainda a Ré da condenação a entregar à herança aberta por óbito de FF o prédio que estava antes identificado no facto nº 5.28 (inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...47º - não foi objeto dos autos tal prédio descrito na CRP ... sob o nº ......25); São ineficazes as escrituras de justificação mencionadas nos pontos 5.12 e 5.13 dos factos provados, sem exceção alguma”.

* De novo inconformada, veio a Ré EE interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com seguintes CONCLUSÕES

  1. Os autores apenas foram reconhecidos como herdeiros legitimários de FF, seu pai.

  2. Na ação de petição da herança, prevista no Artigo 2075º do Código Civil, são pedidos típicos: o reconhecimento da qualidade de herdeiro, e a restituição de bens da herança.

  3. A causa de pedir na ação de petição da herança é complexa, sendo integrada pelos seguintes elementos: que o autor seja herdeiro do de cuiús; que o bem peticionado faça parte da herança do de cuiús e que o réu possua o bem peticionado.

  4. O reconhecimento daquela qualidade não é por si só demostrativo de que os autores têm legitimo interesse no registo do respetivo fato aquisitivo.

  5. Não provaram os autores que os imóveis identificados nas escrituras de justificação integrassem a herança de FF, pelo que o registo com base neste fato aquisitivo, não lhe é possível.

  6. Os autores não alegaram nem provaram qualquer fato demonstrativo do seu interesse, com vista a afastar a presunção da recorrente.

  7. A recorrente, tem o ónus de alegar e provar os fatos constitutivos do direito de propriedade dos imóveis justificados, por sua vez os autores estavam obrigados a invocar interesse incompatível ao registo obtido pela mesma com base na escritura de justificação.

  8. Não conseguiram demonstrar que o direito que se arrogavam (que os bens integravam a herança de FF) era idêntico ao da ré/recorrente, nunca poderiam apenas os autores, por si só, impugnarem as escrituras de justificação.

  9. Os autores formularam ao mesmo tempo a petição da herança e a impugnação da escritura de justificação notarial, pelo que tinham necessariamente de estar acompanhados de todos os herdeiros legitimários de FF, para que a decisão produza o seu efeito útil normal.

  10. Em ambas as ações (Processo nº 1/10...e Processo nº 557/16…) foi reconhecido que o Anexo ou Construção onde foi instaurado um estabelecimento comercial foi edificada num terreno anexo, nada se relacionando com o Prédio Urbano inscrito na matriz sob o artigo ...10, da Freguesia ..., Concelho ....

  11. Em nosso modesto entendimento a questão do direito de propriedade da casa de habitação (Artigo ...10), tinha já sido apreciado e reconhecido a aqui recorrente (EE), o que se impõem a autoridade de caso julgado.

  12. O Instituto do caso julgado exerce duas funções e efeitos: · Uma função e efeito negativos.

    · Uma função e efeito positivos.

  13. A FUNÇÃO E EFEITO NEGATIVO é exercido através da exceção dilatória do caso julgado impedido que uma causa julgada e já transitada em julgado, seja apreciada por outro Tribunal. Esta função negativa, do instituto do caso julgado, visa evitar a contradição ou a repetição de decisões.

  14. O efeito positivo, que se manifesta através da autoridade de caso julgado, impõe a força vinculativa da decisão proferida ao próprio tribunal decisor ou a outro tribunal a quem se apresente a dita decisão anterior como questão prejudicial.

  15. A nossa jurisprudência vem entendendo que a autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar, ainda que a título excecional, independentemente da verificação da tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir), pressupondo, porém, a decisão de determinada e concreta questão prejudicial ou prévia que não pode voltar a ser discutida.

  16. As partes não têm que coincidir do ponto de vista físico, para que haja identidade de sujeitos, sendo mesmo indiferente a posição que elas assumam em ambos os processos, podendo ser autores numa ação e réus na outra.

  17. A identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizado, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.

  18. Sendo a causa de pedir um facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida, haverá procurá-la na questão fundamental levantada nas duas ações.

  19. Os réus no autos do Processo nº 1/10…, peticionam a impugnação da escritura de justificação notarial outorgada pela A. pedindo que seja declarada a respetiva nulidade, bem como do registo de aquisição a favor da A, de todos os prédios dela objeto ou, pelo menos, do urbano identificado no Artigo 1º da P.I e do rústico identificado na Verba nº 2 da mesma escritura, bem como de todos os registos que, com base em tal escritura tenham sido ou venham a ser efetuados, sustentando os RR, que tais prédios são pertença de FF, pai do ora R. Marido.

  20. Nos autos do Processo nº 1/10... foi proferida sentença transitada em julgado, na qual foi reconhecido o direito de propriedade da A. sobre o prédio urbano/ a casa de habitação, inicialmente constituída por rés do chão e 1º andar, que atualmente confronta a sul com a Rua e nascente com FF, sita no Lugar ..., na Freguesia ......, concelho ... e que corresponde a casa de habitação, inscrito, à data, na matriz predial urbana sob o artigo ...10.

  21. Nos presentes autos – acção nº 557/16… – AA e mulher, BB e CC e marido, DD instauraram a presente , na qualidade de autores, instauraram ação comum contra a ré, EE, formulando os seguintes pedidos: o reconhecimento da sua qualidade de herdeiros na herança aberta por óbito de FF, a declaração de inexistência do direito de que a ré se arroga nas escrituras de justificação celebradas em 12/06/1992 e 04/11/1994 por via da sua impugnação judicial, e a condenação da ré a reconhecer que os prédios em discussão pertencem à referida herança.

  22. Dos presentes autos (Processo 557/16…) resulta que os autores, AA e CC são irmãos consanguíneos de SS, réu/reconvinte, na ação atrás referenciada.

  23. Da prova produzida em ambos os processos resulta claro que FF foi casado com GG (GG). E que, desta relação nasceram os autores nesta ação, AA e CC.

  24. ...

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