Acórdão nº 332/13.8GDABF-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução12 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nos autos de processo comum n.º 332/13.8GDABF, foi o arguido (...) julgado e condenado, por acórdão proferido em 15/07/2014, transitado em julgado em 30/09/2014, pela prática, em 26/09/2013, em coautoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, al. b), com referência ao artigo 204º, n.º 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na respetiva execução, por igual período de tempo, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social, a elaborar pela DGRSP, nos termos dos artigos 53º e 54º, ambos do Código Penal.

1.2. Por despacho proferido em 18/11/2020 foi declarada extinta a referida pena, nos termos do disposto no artigo 57º, n.º 1, do CP e 475º do CPP.

1.3. Inconformado, o Ministério Público recorreu de tal despacho, apresentado a respetiva motivação e extraindo dela as seguintes conclusões: «1.º - Nos presentes autos, por acórdão transitado em julgado em 30-09-2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo agravado, na pena de quatro anos e seis meses de prisão, cuja execução se suspendeu, por igual período de tempo, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social, a elaborar pelos Serviços de Reinserção Social da DGRSP.

  1. - A Mmo Juíza a quo proferiu despacho a determinar a extinção da pena aplicada ao arguido, nos termos dos artigos 57.º, n.º 1, do Código Penal e 475.º do Código de Processo Penal.

  2. - O nosso dissentimento com a decisão recorrida prende-se com o facto de entendermos que a decisão deveria ter sido a de revogar a suspensão da pena de prisão e determinar o cumprimento da pena de 4 anos e 6 meses de prisão em que o arguido foi condenado neste processo.

  3. - Dispõe o artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

  4. - A revogação da suspensão da execução da pena de prisão, no segmento em apreço, está condicionada à verificação de um requisito objectivo e outro subjectivo: O primeiro consiste na falta de cumprimento de deveres ou regras de conduta ou então o plano individual de readaptação social que tenham sido impostos ao arguido. O segundo é que esse incumprimento consista numa violação grosseira ou repetida do que foi imposto como condição da suspensão da execução da pena de prisão.

  5. - Violação repetida é aquela que se renova ou pratica constantemente, enquanto a infracção grosseira aos dos deveres ou condições impostos é aquele que corresponde a uma “indesculpável actuação” do condenado ou então “em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada”.

  6. - Por isso essa revogação não é automática, sendo “necessário que o juiz reúna os elementos indispensáveis para, em consciência, concluir pela culpa do arguido na violação, grosseira ou repetida, de tais obrigações.

  7. - Daí que a revogação da suspensão da pena de prisão seja “como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências” para o cumprimento das condições de suspensão.

  8. - Verificados tais pressupostos, a revogação da suspensão da pena apenas pode ocorrer se se verificar que, de forma grosseira, o raciocínio feito em sede de julgamento não teve reflexos na realidade dos actos do condenado e na sua capacidade de adesão aos valores societários vigentes.

  9. - A suspensão da pena de prisão é, segundo o entendimento de Maia Gonçalves, uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada (…) se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, o julgador concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (…).

  10. - Além disso, como refere o Prof. Figueiredo Dias, “o juiz aplicará o regime de prova sempre que, estando verificados os pressupostos formais de aplicação, considere esta pena adequada e suficiente para satisfação das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir; nomeadamente, sempre que esta espécie de pena pareça adequada, do ponto de vista da prevenção especial (máxime, de socialização), e a ela não se oponham razões de tutela indispensável do ordenamento jurídico.” 12.º - No caso dos autos, resulta que surgiram desde logo dificuldades no momento da elaboração do Plano de Reinserção Social, demonstrando o arguido relutância em colaborar com a DGRSP, cujos técnicos, após várias insistências, tiveram de se deslocar à sua residência para efecutar a entrevista, sita em Lagoa, para elaboração do Plano de Reinserção Social.

  11. - O Plano de Reinserção Social delineado pela DGRS em Maio de 2015 compreendia para o condenado o cumprimento rigoroso do acórdão, interiorização de normas e sentido de responsabilidade social; acatar as solicitações e orientações da equipa da DGRSP; comparecer a entrevistas; inscrição no IEFP, procura activa de trabalho e manutenção do mesmo com sentido de responsabilidade, apresentando os comprovativos solicitados; justificação de faltas; disponibilidade para receber o Técnico de Reinserção Social no meio residencial ou outro considerado pertinente e informação sobre eventuais alterações de endereços; obrigatoriedade de comparência às entrevistas.

  12. - O aludido Plano de Reinserção Social foi judicialmente homologado, por despacho de 24-06-2015.

  13. - No relatório seguinte da DGRSP, elaborado em Junho de 2015, dá-se conhecimento ao Tribunal de que o arguido se ausentou da morada onde residia, indo viver maritalmente com a sua nova companheira para (…), sem dar conhecimento da sua actual morada à DGRSP nem mais os contactando.

  14. - Perante este quadro, só foi possível proceder-se à audição presencial do arguido em 22 de Setembro de 2020, porque se encontrava em reclusão, tendo sido detido no dia 6 de Março de 2018, para cumprimento de uma pena de prisão de 8 anos e 6 meses, à ordem do processo n.º 610/11.0GCPTM.

  15. - O arguido justificou a sua conduta alegando esquecimento e nunca exerceu actividade laboral estável e/ou frequentou curso de formação profissional, pois não se inscreveu no Instituto de Emprego e Formação Profissional.

  16. - Logo desde o início, o arguido nunca quis cumprir o plano de reinserção social, inviabilizando-o com a sua atitude, ao se ausentar de imediato da residência onde vivia para ir viver para (…) e regressando depois à anterior residência, sem nunca contactar a DGRSP ou se inscrever no IEFP ou arranjar um emprego estável, até ser detido para cumprimento de uma pena de prisão, o que ocorreu durante um longo período de três anos.

  17. - É inevitável concluir que, desde o início, o arguido deixou de cumprir com o plano de reinserção social, que aceitou e que foi homologado judicialmente, tanto mais que desde Maio de 2015 deixou de ser conhecido o seu paradeiro até dia 6/03/2018, data em que foi detido para cumprimento de pena de prisão à ordem do processo n.º 610/11.0GCPTM.

  18. - O descrito comportamento do arguido constitui uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade por parte do mesmo que indubitavelmente se colocou intencionalmente na impossibilidade de cumprir o plano de reinserção social, pelo que resulta evidente que o juízo de prognose que esteve subjacente à suspensão não pôde ser alcançado.

  19. - No caso vertente, tendo presente o lapso de tempo decorrido desde a elaboração do Plano de Reinserção Social e o momento em que o arguido foi detido, verifica-se que nunca foi possível obter qualquer séria colaboração do arguido para o cumprimento do plano subjacente ao regime de prova, o que demonstra que a suspensão da execução da pena de prisão não surtiu qualquer efeito ao nível da prevenção especial.

  20. - O arguido demonstrou com a sua conduta que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão pelo tribunal da suspensão da pena e que as finalidades que estiveram na base da pena aplicada não puderam, por meio dela, ser minimamente alcançadas.

  21. - O arguido demonstrou um total alheamento perante o juízo de censura que lhe foi dirigido, um esquecimento dos deveres gerais de observância, uma demissão dos mais elementares deveres e numa inobservância absolutamente incomum e, em nosso entender, não merece ser tolerada ou desculpada.

  22. - Considerando os objectivos que presidem à suspensão da execução da pena com regime de prova, temos de concluir que existe um incumprimento voluntário e reiterado por parte do...

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