Acórdão nº 335/20.5PALGS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução22 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Processo Abreviado n.º 335/20.6PALGS da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Lagos, submetida a julgamento a arguida (…)[1] foi absolvida do crime de desobediência agravada, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) do CP e artigo 6.º da Lei de Bases da Proteção Civil dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 29 de maio, e dos artigos 1.º e 2.º, n.º 1, alínea a) e b) e 2 do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de julho.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do Ministério Público Inconformado com a decisão o MP interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. Nos presentes autos foi a arguida acusada da prática de dois crimes de desobediência agravada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, do artigo 6.º, n.º 4, da Lei de Bases da Protecção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 03 de Julho, dos artigos 1.º e 2.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 43-B/2020, de 29 de Maio, e dos artigos 1.º e 2.º, n.ºs 1, alínea a) e b), e 2, do anexo a que se refere o n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-A/2020, de 14 de Julho.

  2. A sentença a quo absolveu a arguida porquanto considerou que não foi feita prova que esta foi sujeita a teste à SARS-CoV2, tendo, no dia 28 de Junho de 2020, o resultado obtido sido positivo.

  3. A prova de que a arguida foi sujeita a teste e que se encontrava na lista de Vigilância Activa de Contactos – Determinação de Isolamento / Confinamento consta da prova documental arrolada na acusação - Informações prestadas Autoridade de Saúde de fls. 13 e 45 e Lista de Vigilância Activa de Contactos – Determinação de Isolamento / Confinamento no domicílio de fls. 32.

  4. Se o Tribunal entendia que a prova documental não era a bastante, aliás, prova documental constante da acusação e que instruiu o inquérito, de onde resulta que a arguida constava das listas de vigilância activa e sob determinação de isolamento porquanto a mesma foi sujeita a teste e resultado foi positivo, competia ao Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 340.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, oficiosamente, em audiência, ordenar a produção daquele meio de prova cujo conhecimento afigurava-se necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

  5. Encontrando-se, assim obrigado, a ordenar a junção de documentos cuja força probatória lhe pareça útil à descoberta da verdade, o que se verificou com a absolvição, sejam ou não oferecidos por alguma das partes.

  6. Tendo sido detectada a necessidade daquele documento, o que o Ministério Público discorda, quer pelo depoimento da Delegada de Saúde, quer pela prova documental arrolada pela acusação, após as alegações, deveria o Meritíssimo Juiz reabrir a audiência para produção de prova.

  7. Nos termos do disposto no artigo 165.º, nº 1 do Código de Processo Penal, a prova documental deve ser junta até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento, sendo certo que, nos termos prevenidos no artigo 361.º do mesmo diploma legal, o encerramento da discussão ocorre com as alegações ou com as declarações do arguido, o julgamento apenas termina com a leitura da sentença, nos termos do artigo 373.º e seguintes do CPP.

  8. O tribunal de julgamento tinha o poder/dever de investigar por si o facto, isto é, fazer a sua própria “instrução” sobre o facto, atendendo a todos os meios de prova relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, sem estar vinculado pelos requerimentos e declarações das partes, embora, reitera-se, que a prova existente nos autos é a suficientes, que devidamente conjugada, levaria necessariamente à condenação da arguida (sem prejuízo de alteração da qualificação jurídica dos factos, atento o percurso normativo manifestado na douta sentença pelo Meritíssimo Juiz a quo, que bem vistas as coisas, se concorda).

  9. Em suma, o tribunal tinha a obrigação, oficiosamente, de ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigurar necessário à descoberta da verdade e boa decisão da causa.

  10. Não o tendo feito, isto é, tendo omitido a produção de meio de prova necessário (junção do teste) o qual era essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, a douta sentença encontra-se ferida de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 120.º n.º 2 alínea d), 379.º, n.ºs 1 alínea c), e nº 2, todos do Código de Processo Penal, o que se invoca.”.

    2.2. Das contra-alegações da arguida Notificada para contra-alegar a arguida silenciou.

    2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de ser julgada a procedência total do recurso interposto pelo MP.

    2.4. Da tramitação subsequente Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.

    Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    1. FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

  11. Questão a examinar Analisadas as conclusões de recurso a questão a conhecer cinge-se a saber se ocorre a nulidade da sentença por omissão da produção de meio de prova (resultado teste COVID) essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (artigos 120.º, n.º 2, alínea d) e 379.º, n.ºs 1 alínea c) e n.º 2 do CPP).

  12. Apreciação 3.1. Da decisão recorrida Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

    3.1.1.

    Factos provados na 1.ª Instância O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição): “1. No dia 28 de Junho, telefonicamente, a Autoridade de Saúde Local comunicou à arguida a imposição da medida de Determinação de Isolamento / Confinamento no domicílio, tendo-lhe também sido comunicado o resultado positivo do teste realizado à SARS-Cov2.

  13. Porém, no dia 28 de Junho de 2020, pelas 21:49 horas, os agentes da PSP de Lagos, (…), interceptaram a arguida na Estrada da Ponta da Piedade, um pouco antes da intercepção com o acesso à Praia do Camilo.

  14. Os agentes da PSP abordaram a arguida e deram-lhe ordem de regresso às instalações do Parque de (…), local onde reside, tendo a arguida referido que estava ciente da obrigação de isolamento/confinamento.

  15. E no dia 22 de Julho de 2020, cerca das 11:00 horas, a arguida ausentou-se da caravana onde reside, e deslocou-se apeada para o centro da cidade de Lagos.

  16. A arguida foi então localizada, por volta das 11:15 horas desse mesmo dia, pelos agentes da PSP (…), no estabelecimento de sua propriedade – (…) – sito na Rua (…).

  17. Os agentes da PSP deram então ordem de regresso às instalações do Parque de (…), local onde reside, tendo a arguida lhes referido que estava ciente da obrigação de isolamento/confinamento.

  18. A arguida sabia que estava obrigada à medida de Isolamento / Confinamento no domicílio, porque tal lhe foi determinado e comunicado pela autoridade de saúde local, porém, actuou com o propósito concretizado de recusar obedecer a essa ordem.

  19. Em tudo, a arguida agiu livre, voluntária e conscientemente.

  20. A Arguida que residia numa caravana no Parque de (…), ficou tão transtornada, que teve necessidade de fazer uma caminhada pela Estrada até à Ponta da Piedade, zona perto do local onde vivia, e que normalmente àquela hora não se encontra ninguém.

  21. A arguida no período de 28/06 até 20/07, manteve-se sempre isolada sem sair da caravana.

  22. Tendo passado um verdadeiro tormento durante esses 24 dias de isolamento / confinamento, devido às condições onde residia, temperaturas elevadas sem ar condicionado ou qualquer outro meio para se refrescar e espaço exíguo.

  23. Tudo isto contribuiu para que a arguida, pedisse auxílio a diversas entidades, quer a nível alimentar, quer a nível psicológico.

  24. Passados esses 22 dias, em 22/02/2020 a arguida que estava no limite do desespero, decidiu ir fazer o teste numa unidade privada, onde a 22/07, recebeu o resultado de “não detectável”.

  25. Perante isso, nesse mesmo dia, resolveu ir ao seu (…) sito na Rua (…) para tomar banho e tratar de si.

  26. A Arguida em 24/07/2020, já sabia que não estava infectada, pois tinha obtido resultado negativo a 22/07.

  27. A arguida passou por um sofrimento psicológico terrível durante os 24 dias de confinamento, e não era sua intenção contaminar alguém.”.

    3.1.2.

    Factos não provados na 1.ª Instância O Tribunal a quo considerou não se terem provado quaisquer outros factos com interesse para a presente causa nomeadamente que: “Não se provou que: a. No dia 27 de Junho de 2020, a arguida foi sujeita a teste à SARS-CoV2, tendo, no dia 28 de Junho de 2020, o resultado obtido sido positivo.

    b. A medida de obrigação de isolamento/confinamento em domicílio imposta à arguida teve início a 28 de Junho de 2020 e durou até 24 de Julho de 2020, altura em que fez novo teste, tendo neste dia o resultado obtido sido negativo, pelo que foi de imediato contactada pela Autoridade de Saúde Local, dando-lhe conhecimento desse facto.

    c. A arguida sabia que se encontrava infectada pelo vírus SARS-CoV2.

    d. A arguida agiu como descrito em 7., sabendo que a ordem era legítima e que era determinada pela autoridade competente, ordem essa dada na sequência de se encontrar infectada pelo vírus SARS-CoV2, e que só cessava a medida após resultado negativo de novo teste a efectuar.

    e. A arguida sabia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT