Acórdão nº 141/21.0SXLSB-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA LUZ BATISTA
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na Secção Criminal (9ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: No Processo Comum nº 141/21.0 SXLSB-A.L1 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal de Cascais - Juiz 2, o Mº Pº interpôs recurso do despacho do MMº Juiz de Instrução que, desatendendo promoção sua nesse sentido, indeferiu a tomada de declarações para memória futura ao menor ofendido AA.

Extrai da motivação apresentada as seguintes conclusões: 1.

–No presente inquérito averigua-se a prática por BB, de factualidade susceptível de integrar um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.

º 152°, nº 1, aI. d) e nº 2, al. a) do Código Penal, cometido contra o seu filho AA, nascido em ………...2009; 2.

–Resulta dos autos que o menor AA tem conhecimento dos factos contra si praticados, pelo que foi promovida ai sua audição para memória futura, considerando que, à luz da sua tenra idade e vinculação filial com o suspeito, e bem assim o facto de ter sido alvo de "criminalidade violenta", o mesmo é testemunha e vítima especialmente vulnerável (artº 26°, n.

º 2 da Lei 93/99 de 14 de Julho, e artº 67°, n.

º 1, aI. b) e nº 3 e artº 1°, al. j) do Código de Processo Penal) o que foi contudo indeferido.

  1. –O instituto da tomada de declarações para memória futura constitui um dos mecanismos para evitar a repetição de audição da testemunha e vítima especialmente vulnerável e protegê-la do perigo de vitimização, daí se optar pela sua audição em sede de memória futura, em. prévia inquirição da vítima e sem que isso possa ser entendido como um ato de investigação.

  2. –O critério de ponderação da tomada de declarações para memória futura ínsito na Lei nº 93/99 de 14 de julho, Estatuto da Vítima e Lei nº 112/2009, de 16 de setembro, é mais amplo que o regime processual penal geral pertinente a este instituto) sobrelevando o imperativo de proteção da vítima/testemunha especialmente vulnerável o que não foi tido em conta na decisão recorrida; 5.

    – Os fundamentos invocados para rejeitar a diligência promovida não têm qualquer cabimento no caso dos autos, atento que o depoimento do menor AA avulta como muito relevante para a descoberta da verdade, o princípio da imediação não é absoluto, não é obrigatória a audição em julgamento da vítima que tenha sido inquirida para memória futura, e não se impõe a prévia constituição de arguido para a realização de memória futura, sendo que, a cabal exercício do contraditório e direito de defesa será sempre assegurado com a nomeação de defensor e a sua presença na aludida diligência.

  3. – Bem pelo contrário, a audição do menor AA em sede de memória futura revela-se fundamental para o andamento dos lautos, não só para obviar à sua vitimização, conatural à sua sujeição a prestar depoimento em juízo, como também para que seja ouvido em tempo útil, acautelando-se que as suas memórias não se percam com, o tempo atenta a pouca idade da vítima.

    Mais se realça que o, MP não fundamentou o requerido na genuinidade do depoimento da vítima, - que se supõe - ao contrário do que refere o Mmº Juiz no seu despacho.

  4. – Assim, ao não deferir a tomada de declarações para memória futura ao menor AA, a decisão recorrida violou o disposto nos os art's 1', n's 1, 3 e 4, 2°, al. a), 26° n' s 1 e 2, 27°, n's 1 e 2, e 28' n's 1 e 2 da Lei 93/99 de 14 de Julho (Lei de Proteção de Testemunhas), art.' 67°, n.' 1, al. b) e n.º 3, e 1° al. j), ambos do Código de Processo Penal, e art.' 33°, n.'s os 1 e 7 da Lei 112/2009, de 16 de setembro.

    Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão proferida, substituindo-se por outra que, acolhendo a pretensão do Ministério Público, agende data para a tomada de declarações para memória futura do menor AA.

    Não houve lugar a resposta.

    Nesta instância a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, acolhendo o argumentado pelo recorrente, emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

    Colhidos os Vistos vêm os autos à conferência para decisão.

    **** Cumprindo decidir, das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do seu recurso vemos que em causa está tão só saber se se justifica e tem respaldo legal a tomada declarações para memória futura ao menor ofendido nos presentes autos AA requerida pelo Mº Pº.

    Decidiu o Mmº Juiz “a quo” indeferir esse requerimento nos seguintes termos: "O Ministério Público requereu a prestação de declarações para memória futura do ofendido nestes autos.

    Indicou para o efeito apenas que pretende acautelar a genuinidade do seu depoimento e a sua revitimização, o que ocorre com a sua prestação de depoimento em julgamento, em ambiente mais solene.

    Na realidade, a regra em vigor no processo penal português é de que toda a prova deve ser produzida ou examinada em audiência perante o tribunal de julgamento (artº 355º do Código de Processo Penal), sendo excepcional o aproveitamento de prova produzida anteriormente.

    De resto, o legislador não permite, em regra, a alteração, ainda que parcial, da composição do tribunal, sendo que a prova produzida se encontra necessariamente registada de forma idêntica às declarações para memória futura), e impõe uma concentração dessa mesma produção de prova (art. 328.º do Código de Processo Penal).

    Por isso, é imperioso considerar como verdadeiramente excepcional a prestação de declarações para memória futura com validade no julgamento.

    A revitimização do ofendido é igual seja ouvida agora ou em julgamento, sendo mais provável se for ouvida agora, porque deverá ainda, por imposição legal, ser inquirida em julgamento, conforme resulta claro da regra constante do art. 33.°, n.º 7 da Lei 112/2009 de 15 de Setembro para além de tal se revelar necessário às prováveis exigências do contraditório relacionadas coma inexistência de arguido constituído neste. momento.

    Os fundamentos indicados pelo Ministério Público, a terem acolhimento neste caso, seriam aplicáveis à generalidade dos processos em que existem ofendidos e, globalmente, em que esteja em causa criminalidade violenta.

    Sendo certo que não se compreende a alegada perda de memória de uma criança de 11 anos de idade quanto à sua vivência familiar.

    Por outro lado de modo muito relevante, a prestação de declarações memória futura não constitui um acto de investigação, devendo ter os, seus termos já definidos, em termos globais, pois a mesma é levada a cabo pelo juiz que tem de apresentar um posição de...

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