Acórdão nº 2461/19.5BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelSOFIA DAVID
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul 1 - RELATÓRIO P..., SA (P...), interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa que julgou improcedente a presente acção de contencioso pré-contratual, na qual se pedia (i) a declaração de nulidade ou a anulação do despacho da entidade demandada, que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação da proposta da contra-interessada; e a (ii) condenação da entidade demandada a praticar o acto administrativo que determine a exclusão da proposta da Contra-interessada e adjudique a proposta do A.; ou, caso assim não se entenda, (iii) a condenação da entidade demandada a retomar o procedimento na fase imediatamente subsequente à apresentação das propostas e solicitar esclarecimentos à contra-interessada sobre o seu preço anormalmente baixo, nos termos do art.º 71.º,n.ºs 3 e 4, do Código de Contratos Públicos (CCP), prosseguindo o procedimento com a respectiva análise fundamentada e demais actos e diligências previstos na tramitação legal do concurso público.

Foi proferida decisão sumária pela Juíza Relatora, que negou provimento ao recurso interposto e confirmou a decisão recorrida.

Foi interposta reclamação para a conferência pela P....

A contraparte SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE (SPMS) respondeu a esta reclamação.

A V...não apresentou resposta.

Nas suas alegações de recurso a Recorrente P... apresentou as seguintes conclusões: ”I. Aquilo que assume relevo para aferir se a ADSE atua na área da Saúde é o conteúdo do seu diploma de criação e respetivos estatutos – Decreto-Lei n.º 7/2017, de 9 de janeiro, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 33/2018, de 15 de maio.

  1. Analisado esse diploma, verifica-se que a ADSE prossegue atribuições no quadro da proteção dos beneficiários, criando, implementando, gerindo e controlando o sistema de benefícios de saúde dos seus beneficiários (cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 7/2017, de 9 de janeiro), o que não é o mesmo que atuar no âmbito do setor da saúde ou executar atividades específicas na área da saúde.

    Assim, a ADSE não tem por atribuições ou competências qualquer atividade de saúde.

  2. Por outro lado, a aquisição de serviços de vigilância e segurança não consubstancia um serviço específico para o setor da saúde, antes sendo um serviço passível de ser prestado a toda e qualquer entidade adjudicante sem qualquer especialidade quando prestada a entidades do setor da saúde, pelo que não cabe na previsão do artigo 4.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 19/2010, de 22 de março.

  3. Ao considerar que a ADSE atua no setor da saúde, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 7/2017, de 9 de janeiro.

  4. Ao considerar que a SPMS tem atribuições e competências para representar a ADSE na compra centralizada de serviços de segurança e vigilância, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação dos artigos 3.º, n.º 1, alínea a), e 4.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 19/2010, de 22 de março.

  5. Estabelecendo o n.º 2 do artigo 37.º do CPA que «são igualmente irrelevantes as modificações de direito, exceto se o órgão a que o procedimento estava afeto (…) deixar de ser competente», ao considerar que para a validade da decisão de adjudicação é suficiente a circunstância de a SPMS ser competente no momento do início do procedimento – quando (caso alguma vez tivesse sido competente) deixou de ser competente a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de dezembro – o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 37.º, n.º 2, do CPA.

  6. Não tendo a SPMS atribuições ou competências para representar a ADSE na compra dos serviços em causa (e, caso alguma vez a tivesse tido, deixou de a ter em 3 de dezembro, quando a tutela e superintendência sobre a ADSE deixou de estar confiada ao Ministro da Saúde), o contrato de mandato é nulo por falta de atribuições; ou, quando assim não se entenda, o ato de adjudicação sempre seria nulo ou, pelo menos, anulável por, à data da sua prática, a SPMS não ter atribuições ou competências para representar a ADSE nesse procedimento aquisitivo.

  7. Assim não tendo julgado, o Tribunal a quo incorreu um erro de julgamento, com violação do artigo 161.º, n.º 2, alínea b), ou do artigo 163.º, ambos do CPA.

  8. A decisão de abertura do procedimento não contém qualquer referência à necessidade a suprir e à necessidade ou adequação da celebração de um contrato de prestação de serviço, o que viola o artigo 36.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos, nos termos do qual a decisão de contratar deve ser fundamentada, incluindo quanto (i) à demonstração da existência da necessidade e (ii) à necessidade de celebração de um contrato para a suprir.

  9. Para além do que os requisitos da fundamentação de atos administrativos para os quais a lei exija a fundamentação constam do artigo 153.º do CPA, v.g. que a fundamentação deve ser expressa.

  10. Assim, ao considerar que a fundamentação da decisão de contratar está implícita no objecto do contrato a celebrar – e não expressa na decisão de abertura do procedimento – para efeito de considerar inverificado o vício invocado, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 36.º, n.º 1, do CCP e do artigo 153.º, n.º 1, do CPA.

  11. O Código dos Contratos Públicos exigiu que a definição do valor do contrato e do preço base fossem fundamentadas (artigos 17.º, n.º 7, e 47.º, n.º 3, do CCP).

  12. O Código dos Contratos Públicos exigiu que essa fundamentação tenha lugar por recurso a critérios objetivos, entre os quais figura expressamente o dos custos médios unitários.

  13. Não contendo a decisão de abertura do procedimento (i) nenhuma referência a qualquer fundamentação do valor do contrato ou do preço base fixado para o Lote 2 em causa ou em geral, (ii) nenhuma referência ao custo médio concretamente considerado para o Lote em causa ou em geral e (iii) nenhuma referência ao modo como esse custo médio foi considerado para o Lote em causa ou em geral, conclui-se que não cumpre as exigências dos artigos 17.º, n.º 7, e 47.º, n.º 3, do CCP e 153.º do CPA.

  14. Adicionalmente, a SPMS violou o princípio da imparcialidade ínsito no artigo 9.º do CPA, desde logo porque foi a SPMS que, no artigo 32.º da contestação, afirmou: “desconhecer e não ter a obrigação de conhecer os valores unitários” que qualquer empresa de segurança privada tem de despender para a prestação dos serviços em causa no contrato “e a fórmula do seu cálculo”.

  15. Após a ADSE ter emitido a Declaração de suficiência orçamental foram aprovados ACTs e as respetivas portarias de extensão, que aumentaram os custos do trabalho relacionados com as prestações em causa no contrato a celebrar, pelo que se este aspeto não foi considerado na definição do preço base – e não há evidência de que tenha sido, à míngua de fundamentação – é imediata a violação do princípio da imparcialidade nos termos indicados.

  16. É ainda evidente a violação do princípio da imparcialidade a circunstância de o Tribunal a quo afirmar ser razoável “inferir” que o preço/hora considerado foi o que constou de contratos anteriores, porque tais contratos anteriores, manifestamente, não tiveram em consideração a superveniência dos ACT e respetivas portarias de extensão.

  17. Assim, não apenas na tese do Tribunal a quo teria sido violado o princípio da imparcialidade, como, ao considerar suficiente supostas inferências da decisão de abertura do procedimento, imputando-lhe conteúdos que aí não estão expressos e que resultam de meras presunções do Tribunal indemonstradas e indemonstráveis – para efeitos de considerar suficientemente fundamentada a decisão de abertura do procedimento —, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 17.º, n.º 7, e 47.º, n.º 3, do CCP e 153.º do CPA.

  18. Por outro lado, a alegação da SPMS de “desconhecer e não ter a obrigação de conhecer os valores unitários” que qualquer empresa de segurança privada tem de despender para a prestação dos serviços em causa no contrato “e a fórmula do seu cálculo” assume relevo no decurso do procedimento e quanto ao ato final, sendo certo que num procedimento em que se discute a suficiência do preço proposto (seja para impedir a contratação com prejuízo, seja para aplicação do regime do preço anormalmente baixo) é fundamental que o preço base esteja fundamentado em conformidade com a exigência legal.

  19. Ao ter entendido em sentido contrário, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto no artigo 163.º, n.º 5, do CPA.

  20. Considerando que nos artigos 69.º e 70.º do articulado superveniente, a ora Recorrente aceitou como confissão o alegado pela SPMS no artigo 32.º da sua contestação – o que implica a prova do facto confessado (cfr. artigos 46.º e 465.º do Código de Processo Civil e 352.º, 355.º, n.os 1 e 3, e 356.º, n.º 1, do Código Civil) –, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que: “A SPMS afirma desconhecer e não ter a obrigação de conhecer os custos mínimos diretos do trabalho em que qualquer empresa de segurança privada incorre e a fórmula do seu cálculo”.

  21. No artigo 34.º da petição inicial a Recorrente alegou que o número máximo anual de horas de trabalho normal prestado pelo pessoal da segurança privada é de 1864h [40 horas semanais x 52 semanas – 22 dias de férias x 8 horas diárias – 40 horas de formação contínua], alegação que fundou, por um lado, no cálculo dos custos mínimos diretos do trabalho constantes quer das convenções coletivas de trabalho quer no Código do Trabalho e, por outro lado, na circunstância de o Código do Trabalho exigir, no seu artigo 131.º, n.º 2, que o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua.

  22. Embora o Tribunal a quo tenha dado como não provado esse facto considerando que assenta no pressuposto, não demonstrado, de que ao número máximo anual de horas de trabalho normal deverá ser...

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