Acórdão nº 746/21 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2021

Data23 Setembro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 746/2021

Processo n.º 579/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é reclamante A. e são reclamados o Ministério Público e B., S.A., o primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 15 de abril de 2021, que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido da 1.ª instância que, para o que aqui mais releva, condenou o arguido pela prática, em concurso, de um crime de abuso de confiança qualificado, na forma continuada, e de um crime de falsificação de documento, também na forma continuada, numa pena única conjunta de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. O recurso de constitucionalidade indicava como objeto a «interpretação do plasmado na Lei n.º 36/2010, de 2 de setembro que alterou o RGICSF, no sentido de excecionar do regime de segredo bancário o fornecimento de elementos às autoridades judiciárias, afastando a aplicação do regime geral de segredo profissional constante do artigo 135º n.º 3 do Código de Processo Penal» (fl. 112-v.).

3. O recurso não foi admitido pelo tribunal recorrido, através de despacho datado de 27 de maio de 2021, que apresenta o seguinte conteúdo (fls. 118-119):

«(...)

Nos termos do art. 75º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [Lei do Tribunal Constitucional, doravante LTC], o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias.

Vem a defesa do arguido A., em 17 de maio de 2021 (cfr. refª Citius n.º 526331), interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 70.º, n.º 2, alínea b), da LTC, do Acórdão desta 9.a Secção do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 15 de abril de 2021, confirmando integralmente a decisão proferida em primeira instância (Tribunal Judicial da Comarca da Madeira - Juízo Central Criminal do Funchal - Juiz 1), a 7 de maio de 2020, que o condenou pela prática, em autoria material, de crime de abuso de confiança qualificado, na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 30.º, n.º 2, 79º, 205.º, nºs 1 e 4, al. b) e 202.º, al. b), todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, e pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento na forma continuada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 30.º, n.º 2, 79º e 256.º, n.ºs 1, als. a) e c) e nº 3 do mesmo Código, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, e, em cúmulo jurídico das referidas penas unitárias, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

O nosso mencionado acórdão foi notificado à defesa por ofício datado do dia seguinte (16 de abril de 2021), uma sexta-feira, como se alcança da data certificada pelo sistema Citius, devendo considerar-se notificado na terça-feira, dia 20 de abril de 2021 (terceiro dia e útil posterior ao seu envio).

Assim, o prazo de recurso precludiu-se a 30 de abril de 2021, podendo ainda "o ato ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do pagamento imediato de uma multa", fixada nos termos das alíneas a) a c) do n.º 5, do art. 139.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), o que in casu permitia a sua interposição in extremis até 5 de maio de 2021.

Assim, o recurso mostra-se manifestamente extemporâneo.

Reconhecendo-o, implicitamente, alega a defesa, como questão prévia,

que:

"O Arguido apenas foi notificado por e-mail pelo seu advogado a 4 de maio de 2021 (doc. 1), do acórdão ora em crise, desta forma foi incumprido o dever de comunicar o acórdão por parte do anterior mandatário.

Tendo posteriormente consultado o presente advogado para elaborar o recurso constitucional.

Somos do entendimento que o prazo de recurso deve iniciar-se a partir da referida data, uma vez que se trata da liberdade do arguido e do seu direito a defesa.

Trata-se de uma situação de justo impedimento nos termos do art.0 140° do CPC.

O Acordão deveria ter sido notificado pessoalmente ao arguido para o mesmo exercer o seu direito de defesa.

Assim sendo cumpre-se os 10 dias de prazo de recurso, praticando agora o ato no primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, com pagamento imediato de uma multa, nos termos do art. 139º nº 5 al. A) do CPC.

O TC, já decidiu que o prazo de interposição de recurso se conta a partir da notificação do acordão da Relação ao advogado constituído pelo arguido, quando não é questionado o cumprimento pelo mandatário do dever de a comunicar ao arguido (acórdão do TC nº 275/2006). Assim o nº 7 do art. 425 do CPP é inconstitucional, por violação dos artigos 32, nº 1 e 7, e 20º, nº 1 da CRP, quando interpretado no sentido de que o prazo de interposição de recurso do acórdão do tribunal superior também se conta a partir da notificação do acordão ao defensor quando se questione o cumprimento pelo advogado do dever de a comunicar ao sujeito processual que representa." (fim de transcrição).

Sucede que não tem razão, pois as decisões prolatadas pela Relação em via de recurso, quer sumárias do relator quer acórdãos proferidos seja na sequência de conferência seja de audiência não são pessoalmente [notificadas] ao arguido mas ao respetivo defensor oficioso ou ao mandatário constituído, consoante o caso, a quem cabe, por dever de patrocínio, dar daquelas conhecimento ao seu defendido ou cliente, o mesmo sucedendo com assistentes e/ou demandantes/ demandados cíveis (cfr. art. 113.º, n.º 10, do CPP [onde se preceitua que: "As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar”]).

Com efeito, o arguido não tem de ser pessoalmente notificado do acórdão proferido em recurso, bastando a notificação ao respetivo defensor.

Neste sentido expendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2003, proferido no processo 03P2605 e disponível em JusNet 5471/2003, que:

"tem vindo a entender e a defender neste STJ que para os efeitos do artº. 113º, nº. 7 [presentemente n.º 10.], do CPP, "por sentença (...) entende-se apenas a que foi proferida em 1a instância e não a tirada em instância de recurso" (Ac. STJ de 23.4.03 - proc. 4634/02-3ª), consignando-se que "o artº. 425º, nº. 6, do CPP, não impõe que o arguido seja pessoalmente notificado do acórdão proferido em recurso pelo tribunal superior, bastando-se com a notificação ao respetivo defensor" (Ac. STJ de 13.2.02 - proc. 3822/01-3a), e daí que se tenha considerado "extemporâneo o recurso interposto para o STJ a 4.07.01, do acórdão da Relação proferido a 30.05.01, notificado ao MP e ao recorrente, na pessoa do seu mandatário, em 31.05.01(...)"

Um posicionamento que de igual modo se encontra sufragado no Ac. STJ de 6.2.02 (proc. 3534/01-3ª), sendo que, tendo-se em equação o artº. 63º, nº. 1, do CPP, "a Lei não reservou pessoalmente ao arguido a sua intervenção no julgamento do recurso e, por consequência, também não faz reserva quanto à consequente notificação", bastando-se "com a sua (do defensor como substituto ou representante do arguido) intervenção em determinados atos processuais, sem a presença ou convocação do arguido, como acontece nas audiências dos tribunais superiores (artº. 421º, nº. 2, CPP)".

Pelo que, e consequentemente, tendo o acórdão recorrido sido publicado a 25.9.02 e notificado ao defensor do recorrente por carta registada a 27.9.02, é manifesto e incontornável ser tal recurso extemporâneo (entrou a 18.11.02), pese embora o arguido ter sido notificado pessoalmente a 30.10.02.

E isto porquanto apenas as notificações aos defensores ou mandatários dos recorrentes dos acórdãos proferidos nos tribunais superiores se apresentam como de todo em todo relevantes e fundamentais no quadro do desenvolvimento processual dos processo em recurso e em termos de trânsito em julgado, sendo irrelevante, porque não obrigatória, a notificação pessoal dos próprios arguidos. O que até se explica e se compreende face a todo um papel menos relevante, não participativo e de não presença em tal fase, onde vinga e releva o seu substituto ou representante na pessoa do mandatário ou defensor, até devido à natureza jurídica e própria projeção das questões em disputa. E intervenções conexas." (fim de transcrição).

Face ao supra exposto, repete-se, em 17 de maio de 2021, o mencionado prazo de 10 dias estava largamente ultrapassado. Interpretação que consideramos não estar ferida de qualquer inconstitucionalidade.

Assim, porquanto intempestivo e visto o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 76.º da LTC, não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional

4. O recorrente apresentou então reclamação para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:

«A., recorrente nos autos em epígrafe, notificado do despacho que indeferiu o requerimento de recurso, vem apresentar reclamação, para a conferência nos termos do art. 77° da LTC.

I- Despacho

"Nos termos do art. 75, n° 1 da Lei n° 28/82, de 15 de novembro (Lei do...

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