Acórdão nº 742/21 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Esteves
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 742/2021

Processo n.º 796/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente o A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, “LTC”), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 9 de março de 2020, que negou provimento ao recurso interposto da sentença do Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que condenou o ora recorrente, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena principal de oitenta dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal, pelo período de cinco meses.

2. O requerimento de interposição do recurso tem o seguinte teor:

«A., recorrente nos autos à margem identificados, vem pelo presente interpor recurso de apreciação concreta da constitucionalidade para o insigne Tribunal Constitucional.

O presente recurso vem interposto da suscitação das inconstitucionalidades invocadas nas alegações de recurso referente ao douto acórdão do tribunal da primeira instância (10,ª e 11.ª conclusões do sobredito recurso) em concreto:

A) O artigo 69 n.° 1 a) do Código Penal viola os artigos 18 n.° 2, 19 n.° 1, 30 n.° 4 e 58 n.° 1, todos da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de não permitir a suspensão da execução de pena acessória, a sua substituição por prestação de boa conduta, ou o cumprimento da execução da referida pena acessória de forma descontínua (por ofensa do direito ao trabalho).

B) O artigo 69.º n.° 1 alínea a) do Código Penal, viola os artigos 18. 30.°, n.° 4, ambos da Constituição da República Portuguesa, interpretado no sentido segundo o qual, com a condenação pela prática do crime previsto no artigo 292,° n.° 1 do Código Penal, tem lugar (sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito) a aplicação da pena acessória consistente na inibição de conduzir veículos com motor.

O recurso sobe imediatamente e tem efeito suspensivo, sendo que não cabe recurso ordinário da douta decisão recorrida.

O recorrente tem legitimidade e por ser legal e estar em tempo requer-se que seja recebido o recurso para o Tribunal Constitucional seguindo-se os demais termos».

3. O recorrente produziu alegações, concluindo nos termos seguintes:

«CONCLUSÕES:

1.- Uma vez que a sua carta de condução é necessária para a execução do posto de trabalho que o arguido ocupa (operador aeroportuário) a circunstância de não poder conduzir em qualquer período durante o período de inibição que lhe foi fixado irá forçosamente determinar que este não possa exercer a sua atividade profissional o que colide com o seu direito a trabalhar, direito esse constitucionalmente assegurado.

2.- Considerando que a inibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69 n° 1 do Código Penal assume a natureza de uma verdadeira pena e está associada à prática de um crime - artigo 65°, n° 1 e 69°, n°1 ambos do Código Penal e que a aplicação da pena de inibição de conduzir veículos automóveis não constitui uma consequência automática da prática do crime a que está associada, que a licença de condução revela-se indispensável ao exercício da atividade do recorrente, que este confessou integralmente e em reservas a prática do crime que lhe foi imputado e que demonstrou arrependimento, estão reunidos os requisitos para que se proceda à suspensão da execução da pena acessória fixada ao recorrente, ou que esta seja substituída por uma prestação de boa conduta, ou que o cumprimento da dita pena acessória se execute nos dias não úteis comprometendo-se o recorrente a entregar e levantar a sua carta de condução no posto policial mais próximo da sua residência (conferir Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, com data de 15/12/1993, processo n.º convencional JTRL00005887, disponível em www.dgsi.pt)

3 - O artigo 69 n.º 1 a) do Código Penal viola os artigos 18 n.º 2, 19 n.º 1, 30 n.º 4 e 58 n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de não permitir a suspensão da execução de pena acessória, a sua substituição por prestação de boa conduta, ou o cumprimento da execução da referida pena acessória de forma descontínua (por ofensa do direito ao trabalho).

4 - O artigo 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal, viola os artigos 18.º, n.º 2 e 30.º, n.º 4, ambos da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido segundo o qual, com a condenação pela prática do crime previsto no artigo 292.º n.º 1 do Código Penal, tem lugar (sem necessidade de se apurar qualquer outro requisito) a aplicação da pena acessória consistente na inibição de conduzir veículos com motor.

TERMOS EM QUE:

Deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser declarada a inconstitucionalidades».

4. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso com fundamento nas seguintes conclusões:

«V. Conclusões

27º

Nos presentes, o arguido A., ora recorrente, foi condenado, pelo digno magistrado judicial do Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz 1, por sentença, de 2 de maio de 2019 (cfr. fls. 52-53 dos autos e supra nº 3 das presentes contra-alegações), pela prática de 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 6, perfazendo o montante global de € 480.

28º

O digno magistrado judicial condenou, ainda, o arguido, na pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de 5 meses, nos termos previstos no artigo 69º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal (cfr. supra nºs 4 e 16 das presentes contra-alegações).

O arguido, porém, já anteriormente havia sido condenado pelo mesmo crime, de acordo com o averbado no seu registo criminal, pelo que não foi possível recorrer ao mecanismo da suspensão provisória do processo (cfr. supra nºs 2 e 16 das presentes contra-alegações).

29º

Inconformado, o arguido interpôs recurso da sentença condenatória de 1ª instância para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. supra nºs 4 e 17 das presentes contra-alegações).

30º

Na sua resposta ao recurso do arguido, o Ministério Público, na 1ª instância, veio referir, merecendo tal argumentação a concordância do signatário:

a) Sobre a necessidade da carta de condução do arguido para o exercício da sua atividade (cfr. supra nºs 6 e 18 das presentes contra-alegações):

… em caso de condenação pela prática do crime de condução em estado de embriaguez … a aplicação da pena acessória de inibição de conduzir veículos a motor é obrigatória. Ou seja, não pode ser afastada, quer o arguido necessite da sua carta de condução para trabalhar, quer a utilize para mero lazer.

b) Sobre o facto de o arguido não ter tido anteriormente nenhum acidente de viação (cfr. supra nºs 7 e 18 das presentes contra-alegações):

O crime em causa é um crime de perigo e não de resultado. A circunstância alegada pelo arguido em nada contribui ou prejudica a bondade da decisão. Nada afasta ou aproxima a conduta do arguido da integração do tipo legal de crime pelo qual foi condenado. Em nada diminui a culpa ou ilicitude da sua conduta.

c) Sobre o problema da medida da pena (cfr. supra nºs 8 e 18 das presentes contra-alegações):

O arguido conduzia com uma taxa de alcoolemia de 1,325 g/l de álcool no sangue.

Na determinação da medida da pena, a Douta Sentença (cfr. Min 06.05ss) teve em atenção a circunstância do arguido já ter sido condenado pela prática do mesmo tipo legal, o curto período de tempo em que o arguido conduziu e a sua inserção social.

Por isso, não deixou de aplicar a pena de multa.

Quanto à sua dosiometria:

Entendeu o Tribunal que o grau de ilicitude era médio, face à taxa de álcool detetada;

Entendeu ainda que o arguido agiu com dolo direto – intensidade de dolo elevada;

(…)

Deu ainda relevância a Douta Sentença às exigências de prevenção especial, uma vez que o arguido tinha uma anterior condenação pela prática do mesmo crime, relativamente recente – de 2017 –

(…)

A Douta Sentença deu ainda relevância às exigências de prevenção geral, atendendo ao número de crimes, do mesmo tipo, praticados nesta comarca e as consequências gravosas para toda a comunidade que este tipo de criminalidade gera, ao nível da sinistralidade rodoviária.

Aplicou ao arguido a pena de 80 dias de multa.

Ou seja um valor acima do ponto médio da moldura penal abstratamente aplicável.

d) Relativamente à aplicação de uma pena acessória (cfr. supra nºs 9 e 18 das presentes contra-alegações):

No que toca à pena acessória – Objeto do recurso do arguido – tem entendido a nossa jurisprudência que a sua fixação deverá andar de “mãos dadas” com o quantitativo da pena principal – cfr., neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra, relatado por Vasques Osório, de 28-02-2018, disponível em www.dgsi.pt:

II - São aplicáveis às penas acessórias os critérios legais de determinação das penas principais o que vale dizer que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória sem esquecer, todavia, que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.

Ora,...

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