Acórdão nº 559/20.6T8VCD.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução09 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 559/20.6T8VCD.S1 Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

No Tribunal Judicial da Comarca ……. foi proferida a seguinte decisão (transcrição): Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes que compõem este Tribunal Colectivo acordam em proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA nos processos nºs 1048/1……, 96/14..…., 814/16….., 462/11…… e 939/13……, condenando o arguido, pela prática de todos os crimes em causa nesses processos, na pena única de 9 (nove) anos de prisão (em cujo cumprimento deve ser descontado o tempo de prisão que por si já foi cumprido à ordem dos processos incluídos no presente cúmulo jurídico).

  1. Inconformado com o decidido recorre o arguido apresentando as seguintes conclusões (transcrição): I – O arguido foi condenado, em cúmulo jurídico relativo aos processos nºs 1048/15……, 96/14…….., 814/16………, 462/11…….. e 939/13………, pela prática dos aí em causa, na pena única de (nove) anos de prisão (em cujo cumprimento deve ser descontado o tempo de prisão que por si já foi cumprido à ordem dos processos incluídos no presente cúmulo jurídico).

    II - Entende o arguido, ora recorrente, que a pena aplicada em primeira instância pelo Tribunal Colectivo é desproporcional, excessiva e injusta, violando, pelo menos, o disposto nos artºs 40º, 43º, 50º e 71º, todos do Código Penal.

    III - Conjugada a factualidade dada como provada, a pena de prisão aplicada ao recorrente mostra-se excessiva e deve ser reduzida face à ilicitude e ao grau de culpa e às necessidades de prevenção geral e especial.

    IV – Na medida em que não foram ponderados nem valorados da forma mais justa nem os factos nem a sua personalidade, conforme determina o artº 70º do Código Penal.

    V – Sendo certo que uma correcta valoração dos factos e da personalidade do arguido se mostram imprescindíveis a uma justa decisão condenatória.

    VI – No que respeita à personalidade do agente, a decisão recorrida limitou-se a decalcar as considerações tidas nas decisões singulares, realizando um mero somatório de factos criminosos e respectivas penas, já considerados nas referidas decisões.

    VII – Ora, se os factores que determinaram as medidas das penas singulares foram os mesmos que pesaram na determinação da pena conjunta em sede de cúmulo jurídico isso equivale a uma “dupla valoração”, inadmissível no nosso sistema jurídico.

    VIII – Sendo certo o arguido “homem actual” – se trate da mesma pessoa que praticou os crimes singulares -, no momento em que o Tribunal a quo decide o cúmulo jurídico, é já um “homem transformado” no que respeita à personalidade, transformação essa resultante desde logo da sua submissão ao sistema prisional, com o inerente afastamento comunitário, familiar, etc., o que lhe proporcionou múltiplos momentos de reflexão sobre as suas condutas passadas e a uma planificação do dias que ainda lhe restará viver.

    IX – Não tendo sido tecida qualquer consideração, no âmbito da valoração da personalidade do arguido, relativamente aos efeitos que os sistemas jurídicos-penais e jurídicos-prisionais tiveram sobre a personalidade, que personalidade afinal foi considerada? Tão só a personalidade revelada pelos crimes cometidos? X – Ficamos sem saber se, por efeito da prisão, o arguido é presentemente mais capaz de conformar o seu agir de acordo com o Direito, pois essa é que é a questão principal a que o sistema prisional tem de dar resposta, a bem do arguido e da comunidade.

    XI – Ao ser omissa quanto às referidas questões, a decisão condenatória que o presente recurso, com o devido respeito, critica, fica o sistema jurídico-penal e jurídico-prisional como que desacreditado por ineficaz e, em última análise, por inútil.

    XII – Ora, “o homem” relativamente ao qual, o tribunal a quo foi chamado a tomar uma decisão, está longe de ser o mesmo que praticou aqueles crimes.

    XIII – O Tribunal a quo não considerou na devida medida as actuais circunstâncias pessoais do arguido, que se traduzem em ser um homem melhor, mais ponderado, afável, pacífico, bem comportado e capaz, de futuro, de seguir um itinerário comportamental mais consciencioso e conforme ao Direito, bem diferente do que caracterizou o seu passado.

    XIV – A decisão recorrida, salvo o devido respeito por opinião contrária, deu total ênfase aos factos criminosos do passado e nenhuma relevância à transformação da personalidade do agente, para melhor, que decorreu ao longo do seu percurso prisional.

    XV – Ora, dispõe o artº 77º do Código Penal que, na medida da pena, são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

    XVI – Nada refere a lei a quê que deve ser dada mais relevância, mas não restam dúvidas de que a lei considera que ambas são fundamentais para uma correcta e justa decisão.

    Por outro lado, XVII – Não concorda o arguido que o crime comedido entre Novembro de 2010 e Janeiro de 2011, portanto, há praticamente dez anos, tenha, apesar disso, um excessivo e injusto na fixação da pena a aplicar ao arguido.

    XVIII – Foram, assim, violados, pelo menos, os artº 40º, 43º, 50º, 70º e 71º do Código Penal e 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.

    XIX – Devendo a pena aplicada de nove anos de prisão ser alterada para oito anos de prisão, por ser aquela que, pelas razões apontadas, se mostra mais justa e adequada e que melhor tem em conta os factos e a personalidade do arguido.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a costumada justiça! 3. O Ministério Público respondeu ao recurso apresentando as seguintes conclusões: 1. O objeto deste recurso é o douto acórdão datado de 14 de outubro de 2020 que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido, ora recorrente, nos processos nsº 1048/15……, 96/14…….., 814/16…….., 462/11……… e 939/13………, condenando-o pela prática de todos os crimes em causa nesses processos na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

  2. Considerando que a pena única em que o recorrente foi condenado por o Tribunal Coletivo “a quo” é superior a cinco anos de prisão e que o recurso visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, mais concretamente a medida da pena, o Tribunal competente para o apreciar é o Supremo Tribunal de Justiça, por força do preceituado no artigo 432º, nº1, alínea c), do Código de Processo Penal, e não o Tribunal da Relação ……. para onde o recurso foi dirigido.

  3. No acórdão recorrido conclui-se que a moldura da pena única a fixar ao recorrente AA tem como limite mínimo 6 (seis) anos de prisão e como limite máximo 16 (dezasseis) anos de prisão.

  4. O recorrente apenas questiona o limite mínimo por, segundo ele, a pena de seis anos de prisão se referir a factos ocorridos entre novembro de 2010 e janeiro de 2011, ou seja, há mais de dez anos, não fazendo qualquer sentido ter um peso tão excessivo e injusto na pena única.

  5. Sucede que o Tribunal Coletivo “a quo” não encontrou esse limite mínimo aleatoriamente, tendo-se limitado a aplicar a lei, o artigo 77º, nº2, do Código Penal, que estabelece como limite mínimo do cúmulo a mais elevada das penas concretas aplicadas aos vários crimes, ou seja, no caso dos autos, a pena de seis anos de prisão, pelo que não assiste qualquer razão ao recorrente.

  6. Igualmente não assiste razão ao recorrente quando refere que no doseamento da pena única, o Tribunal Coletivo “a quo” não teve em conta a transformação da sua personalidade, para melhor, fruto da reclusão.

  7. É evidente que foi tida em conta essa transformação, mas também foi ponderado o trajeto de vida do recorrente, as suas anteriores reclusões que não o fizeram inverter a trajetória criminosa, a propensão para enganar os seus concidadãos de forma a obter, à custa do património alheio, proveitos económicos, sem esquecer as exigências de prevenção especial e geral.

  8. Ora, sopesando todos estes fatores, o Tribunal Coletivo “a quo” condenou o arguido, ora recorrente, AA, na pena única de 9 (nove) anos de prisão que nos parece justa, adequada e proporcional aos crimes pelos quais foi condenado e aos factos que os rodearam, não se justificando minimamente, como pretende o recorrente, que a pena única seja fixada em 8 (oito) anos de prisão.

    Nestes termos, o recurso deverá ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça que não lhe deverá dar provimento, mantendo-se, na íntegra, o douto acórdão recorrido e consequentemente a condenação do arguido, ora recorrente, na pena única de 9 (nove) anos de prisão. Porém, V. Exas., como sempre, farão a costumada justiça 4. Neste Supremo Tribunal de Justiça a Procuradora-Geral Adjunta foi de parecer que o recurso não merece provimento.

  9. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

  10. Preliminarmente importa abordar a questão da tempestividade do recurso decisão que foi relegada para a conferência pelo relator.

  11. O acórdão foi lido e depositado em 14 de outubro de 2020.

  12. Em 4.11.2020 a defensora oficiosa do arguido juntou aos autos requerimento do seguinte teor: «… patrona oficiosa do arguido (…) vem dar conhecimento ao douto tribunal, que na presente data foi apresentado pedido de escusa, ao Conselho Regional da Ordem dos Advogados ……». O motivo do pedido, como se colhe do requerimento enviado à AO prende-se com a circunstância de o «arguido insistir em querer interpor recurso da sentença de cúmulo que lhe foi aplicada, sentença essa que após analise e salvo melhor opinião, se concluiu pela falta de fundamentos para o efeito e a inviabilidade do mesmo. Comunicado tal posição ao arguido o mesmo não aceita o aconselhado e insiste em interpor recurso. Razão pela qual não posso continuar a patrocinar o mesmo, existe perda de confiança e imposição da prática de um acto jurídico na minha perspetiva sem viabilidade».

  13. A 10.11.2020 a Ordem dos Advogados informa os autos do seguinte: «comunicamos a V. Exa que os motivos apresentados pelo Sr. Dr(a) BB, são considerados...

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