Acórdão nº 0104/21.6BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCARLOS CARVALHO
Data da Resolução13 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1.

A……….., devidamente identificada nos autos [doravante Requerente], instaurou neste Supremo Tribunal, nos termos dos arts. 109.º e segs. do CPTA [na redação atualmente vigente - redação a que se reportarão todas as ulteriores referências àquele Código sem expressa indicação em contrário], a presente impugnação urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias contra CONSELHO DE MINISTROS [doravante Requerido] peticionando, pela motivação aduzida na petição inicial [fls. 103/179 dos autos - paginação «SITAF» - tal como as referências subsequentes, salvo expressa indicação em contrário], que «[s]ejam desaplicados à Requerente os nºs 2, al. a), 13 e 15 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021, de 30 de Junho, e os artigos 6.º, n.ºs 3, 4, 6 a 9, 8.º, 22.º, n.ºs 2, al. b), 3 e 4, e ainda, os artigos 11.º, n.ºs 2 e 3; e 16.º nos termos do 22.º, n.º 3, todos do regime anexo à referida resolução; e, bem assim, os nºs 24, al. a) e 25 da Norma da DGS nº 019/2020, de 26/10/2020, na redação dada de 17/06/2021; e ainda quaisquer normas e medidas análogas que venha a renovar e/ou a aprovar em futuras resoluções do Conselho de Ministros» e que fosse o «Requerido Conselho de Ministros condenado a abster-se de aplicar à Requerente, por si e por intermédio das demais autoridades públicas, as supra referidas normas».

  1. Notificado devida e regularmente o Requerido veio deduzir resposta [cfr. fls. 188/282] na qual se defendeu: i) por exceção [alegando, pela seguinte ordem, 1) da falta de interesse processual; 2) da não indispensabilidade da intimação; 3) da inutilidade/impossibilidade superveniente da lide; 4) da incompetência absoluta da jurisdição administrativa; 5) da ilegitimidade passiva; e, 6) da ininteligibilidade do pedido]; e, ii) por impugnação, sustentando, no essencial, inexistência de suspensão ou restrição do direito fundamental invocado e inexistência de inconstitucionalidade orgânico-formal ou material, para concluir pela total improcedência da presente intimação.

  2. Assegurado o contraditório a Requente veio responder, concluindo pela total improcedência das exceções suscitadas, requerendo que «a presente intimação e os pedidos na mesma formulados sejam apreciados e julgados, neste momento, de acordo com as normas constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021 …, e do regime anexo à mesma, por se considerar que as mesmas se devem ter por incluídas no objeto e nos pedidos da presente intimação, atenta a sua natureza análoga às normas constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 …; ou, por alteração e ampliação do objeto e do peticionado na presente intimação» [cfr. fls. 766/788].

  3. Na sequência do determinado no despacho de 27.08.2021 o Requerido veio pronunciar-se expressamente sobre a revogação da Resolução de Conselho de Ministros [RCM] n.º 101-A/2021 pela RCM n.º 114-A/2021, pugnando pela inutilidade superveniente da lide [cfr. fls. 791/794].

  4. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. e), e 2, do CPTA, o processo foi à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 6.

    Com interesse para a decisão a proferir considera-se como assente o seguinte quadro factual: 6.

    1) Em 30.07.2021, foi publicada no Diário da República, Iª Série, n.º 147, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 101-A/2021 [doravante «RCM 101-A»], que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se declarou «na sequência da situação epidemiológica da COVID -19, até às 23:59 h do dia 31 de agosto de 2021, a situação de calamidade em todo o território nacional continental».

  5. 2) Em 20.08.2021, foi publicada no Diário da República, Iª Série, n.º 162, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 114-A/2021 [doravante «RCM 114-A»], que aqui se dá por integralmente reproduzida, onde se declarou «na sequência da situação epidemiológica da COVID -19, até às 23:59 h do dia 30 de setembro de 2021, a situação de contingência em todo o território nacional continental».

  6. 3) A Requerente é titular de cartão de cidadão n.º ……….., e residente na Rua ………., ……….., ………, 2755-…….. Alcabideche.

    DO SANEAMENTO - ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO 7.

    Dado se mostrarem findos os articulados e assegurada a observância do contraditório quanto às matérias de exceção invocadas [cfr. arts. 03.º, 06.º, 7.º-A, 109.º, 110.º e 111.º, todos do CPTA e 03.º do Código de Processo Civil (CPC/2013)] importa proceder ao saneamento dos autos apreciando da bondade das invocadas exceções, o que se passa a efetuar de seguida.

    I) DA INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA 8.

    Sustenta o Requerido que existe incompetência absoluta da jurisdição administrativa para apreciar e decidir a desaplicação, à Requerente, dos n.ºs 13 e 15 da RCM nº 101-A/2021, por as referidas normas terem objeto e incidência penal, matéria que estaria excluída da jurisdição administrativa e que seria da competência exclusiva dos tribunais judiciais.

    Vejamos.

  7. Mostra-se consensual o entendimento de que a competência do tribunal afere-se de harmonia com a relação jurídica controvertida tal como a configura o demandante, sendo que a mesma se fixa no momento em que a ação é proposta, dado se mostrarem irrelevantes, salvo nos casos especialmente previstos na lei, as modificações de facto que ocorram posteriormente, bem como as modificações de direito operadas, exceto se for suprimido o órgão a que a causa estava afeta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecesse para o conhecimento da causa [cfr. arts. 38.º da Lei n.º 62/2013 - Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) - e 05.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF)], na certeza de que na apreciação da mesma não releva um qualquer juízo de procedência [total ou parcial] quanto ao de mérito da pretensão/ação ou quanto à existência de quaisquer outras questões prévias/exceções dilatórias.

  8. Tem-se ainda como consensual que a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria [cfr. art. 13.º do CPTA].

  9. Presentes os termos da pretensão e do pedido sub specie e o que se mostra disposto, mormente nos arts. 04.º, n.ºs 1, al. a), 3 e 4, 24.º, do ETAF, 02.º do CPTA, 38.º e 40.º, da LOSJ, resulta improcedente a arguida exceção.

  10. Com efeito, o objeto pretensivo e pedido deduzidos na presente intimação não envolvem a apreciação de qualquer litígio que contenda com matéria ou responsabilidade penal e para o qual sejam competentes os tribunais judiciais.

  11. Na situação em causa estamos em presença de litígio emergente de relação jurídica administrativa, surgido no contexto da emissão de ato normativo praticado no uso da função administrativa, e em que importa aferir da existência de lesão de direito/liberdade/garantia da Requerente e cuja tutela/defesa exija ou reclame a emissão de uma decisão de mérito de um tribunal administrativo que imponha à Administração a adoção da conduta [positiva ou negativa] que se mostre como indispensável/adequada para prevenir ou reprimir aquela lesão, assegurando o exercício do direito/liberdade/garantia em causa.

  12. E em que a invocação dos n.ºs 13 e 15 da RCM n.º 101-A/2021 se prende ou conexiona como um entre os vários fundamentos de ilegalidade lato sensu aduzidos na e para a motivação da desconformidade do ato normativo com o ordenamento jurídico-constitucional.

  13. Assim, e sem necessidade de demais desenvolvimentos, importa julgar totalmente improcedente a arguida exceção dilatória de incompetência da jurisdição administrativa.

    II) DA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE 16.

    Sustenta o Requerido a verificação in casu de situação geradora de inutilidade/impossibilidade superveniente da lide, porquanto, conforme alega na sua peça processual, a intimação tem por objeto uma medida restritiva de alcance temporário prevista na RCM n.º 101-A/2021, instrumento normativo esse entretanto revogado pela RCM n.º 114-A/2021 e que deixou de vigorar no dia 23.08.2021, razão pela qual seria inútil, ou mesmo impossível, ordenar a desaplicação de normas já revogadas.

    Analisemos.

  14. Os tribunais na sua função e ação destinam-se a prevenir e dirimir situações com interesse prático, estando-lhes vedada a prática de atos inúteis [cfr. art. 130.º do CPC/2013], sendo que não estão incumbidos de emitir pronúncias que sirvam como meros pareceres ou opiniões sem outra valia [cfr., entre outros e nos mais recentes, os Acs. deste STA de 05.02.2021 - Proc. n.º 012/21.0BALSB (§ 9), de 24.06.2021 - Proc. n.º 061/21.9BALSB (ponto 2.2.)].

  15. Temos, por outro lado, que a utilidade de cada meio contencioso corresponde à sua utilidade específica, não podendo a mesma ser dissociada das possibilidades legais que esse meio pode proporcionar para a satisfação dos direitos ou interesses legítimos que os interessados pretendem fazer valer e tutelar por seu intermédio, não relevando para esse efeito as consequências indiretas, reflexas ou colaterais, tal como o interesse abstrato na legalidade.

  16. Se a instância se inicia com a propositura da ação através da dedução de petição/requerimento inicial [cfr. art. 259.º do CPC/2013] a sua extinção opera quando ocorra uma das causas legalmente previstas no art. 277.º do referido Código, sendo que entre as causas se conta a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide [cfr. al. e) do referido preceito].

  17. Ora esta causa de extinção só pode operar ou dar-se quando, por facto ocorrido na pendência da mesma, a pretensão do autor/demandante não possa manter-se por virtude do desaparecimento do sujeito ou do objeto do processo, ou por aquele ter encontrado satisfação fora do esquema da providência/pretensão deduzida, sendo que, num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar, consubstanciando-se naquilo a que a doutrina processualista designa por «modo anormal de extinção da...

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