Acórdão nº 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | ROSA TCHING |
Data da Resolução | 08 de Setembro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que AA e BB instauraram contra CC, DD e outros, com base no documento particular intitulado declaração de dívida e no qual estes assumem ser devedores, pessoal e solidariamente com a sociedade José Rodrigues e Filhos, Lda, da quantia da quantia de € 762.800 decorrente de dívida resultante do incumprimento do designado Protocolo de Reembolso de Suprimentos, vieram os executados CC e DD, deduzir os presentes embargos.
Alegaram, para tanto e em síntese, que o exequente é acionista da executada José Rodrigues e Filhos, SA e que a dívida em causa refere-se a suprimentos/empréstimos que o mesmo fez a esta sociedade, não podendo, por isso, pedir à referida sociedade, nos termos e circunstâncias em que o fez, o pagamento de tais suprimentos e muito menos pode exigir aos embargantes o seu pagamento.
Mais alegaram que a declaração de dívida foi redigida a pedido insistente do exequente e que jamais quiseram vincular-se pessoalmente ao pagamento de tais suprimentos, tendo assinado aquela declaração de dívida a pedido do seu falecido pai e sogro, EE, e porque o exequente garantiu ser apenas uma “pró-forma”.
2. Contestaram os exequentes, alegando, em suma, que a declaração de dívida que serve de fundamento à presente execução foi livremente assinada pelos executados ora embargantes, correspondendo à sua vontade expressa naquele documento, e teve por fonte da respetiva obrigação um contrato de mútuo que celebraram com o EE, a executada FF e os embargantes CC e DD, por forma a possibilitar que o executado CC e a sociedade co-executada realizassem o empreendimento que se propunham construir.
Por razões contabilísticas e para melhor justificar o empréstimo assim contratado nas contas da sociedade co-executada, celebraram com esta o designado “contrato promessa de compra e venda de ações” e o denominado “protocolo para reembolso de suprimentos”, e, já na qualidade de “acionistas”, celebraram uma escritura para aumento de capital social da empresa.
Celebraram todos estes negócios apenas porque foi-lhes dito pelo seu advogado e pelo CC que esta era a melhor forma de formalizar o empréstimo realizado, em beneficio da sociedade co-executada, sendo que nunca quiseram ser sócios desta sociedade.
3. A final, foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.
4. Inconformados com esta decisão, dela apelaram os embargantes para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão proferido, em 20.04.2021, julgou procedente a apelação e, revogando a sentença apelada, declarou extinta a execução.
5. Inconformados com este acórdão, os exequentes/ embargados dele interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem: « A - O acórdão recorrido é nulo, nos termos do art 615º, nº 1, alínea d) ex vi art 666º do CPC, por se ter pronunciado sobre questões de que não podia conhecer.
B - Os recorridos, nas suas alegações de recurso, apresentaram recurso versando a matéria de facto, pondo em crise os factos provados 9, 10 e 18 e factos não provados a) a c) da sentença da primeira instância.
C - O Tribunal recorrido, no seu acórdão, aprecia os factos não provados d) a g) e considera os mesmos provados, sem que os embargantes tenham recorrido da sentença nesta parte e sem que nem aqueles nem os embargados se tenham sobre essa matéria sequer pronunciado.
D - Esses factos não têm qualquer conexão, causalidade ou inter-dependência com os que delimitam o recurso, pelo que o tribunal recorrido extrapolou o âmbito do recurso interposto.
E - Tratou-se, além do mais, de uma decisão surpresa, não sujeita ao contraditório.
F - Sem conceder e se assim não se entender, mesmo com os novos factos provados 19 a 22, o Acórdão recorrido fez uma errada aplicação do artigo 46º, alínea c) do CPC, na redacção do DL. n.º 329-A/95, de 12/12, aplicável in casu.
G - O tribunal recorrido considerou provado (nos factos 19 a 22) que os embargantes efectivamente deviam a quantia exequenda aos embargados, não por via de suprimentos, mas antes por causa de um mutuo celebrado entre aquelas partes.
H - Ora, no título executivo, designada declaração de divida, os embargantes, que assinaram esse documento, declaram-se devedores aos embargados nos seguintes termos: “Pela presente declaração os primeiros outorgantes declaram expressamente, para todos os devidos efeitos legais, que são devedores aos segundos outorgantes da quantia de € 545.000 euros (quinhentos e quarenta e cinco mil euros)” I - Trata-se, assim e desde logo, de uma confissão de dívida, nos termos e para os efeitos do art. 458º do CC.
J - De acordo com este artigo se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.
K - Ora, no caso concreto, não só os credores, gozavam desta presunção, como ao contrário do que é dito no Acórdão, não foi feita prova em contrário da inexistência de relação fundamental, pelo que em rigor estava o credor dispensado de a provar.
L - Na verdade, a melhor interpretação do art 458º, nº 2 do CC aponta para o entendimento de que esta presunção só se ilide mediante a prova de que nenhuma relação negocial existe na base da declaração de reconhecimento emitida.
M - Mas, no caso concreto, quando muito e na tese do Acórdão recorrido, provou-se que a relação fundamental era outra e não que ela não existia de todo.
N - Tal seria, portanto, suficiente para se considerar que o título executivo era válido, sendo desnecessária a prova da relação fundamental, que estava legalmente presumida.
O - Mas se ainda assim não se entender, sempre se dirá que se tem admitido, todavia, que possam valer como títulos executivos documentos que reconheçam a obrigação exequenda, embora de forma não expressa ou categórica, e que, por isso, careçam de ser conjugados com elementos fácticos complementares, ainda que estranhos ao próprio título.
P - Elementos esses que seriam adquiridos processualmente, mediante a respectiva alegação feita pelo exequente no requerimento executivo, e posterior prova a seu cargo. “ Q - Esta perspectiva acerca da delimitação do elenco dos títulos executivos extrajudiciais mereceu expressa consagração na reforma da acção executiva operada pelo DL nº38/2003, de 8/3.
R - Assim, nos termos do art. 810º, nº 3, al. b), do C.P.C., na redacção que lhe foi dada por aquele DL, o requerimento executivo deve conter, além do mais, uma exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (cfr. o art. 810º, nº 1, al. e), na redacção do DL nº 226/2008, de 20/11, e o actual art. 724º, nº 1, al. e) ).
S - Dir-se-á que os requisitos necessários exigidos pela lei para que o título tenha força executiva, se destinam a estabelecer a garantia ou a dar a segurança de que onde está um título executivo está, ao mesmo tempo, um direito de crédito.
T - Ora, isto lograram os exequentes alegar e provar, mesmo na tese do Acórdão Recorrido, e concretamente conseguiram alegar e provar que existia uma causa para a dívida confessada, qual seja, a existência de um mútuo entre os exequentes e os executados.
U - Na verdade, como acima se deixa claro, o que o legislador pretendeu e essa será a melhor interpretação do art 46, alínea c) do CPC, foi que o conceito de título executivo oferecesse garantias de segurança e certeza jurídicas tais que não permitisse conferir exequibilidade a circunstâncias que deixassem dúvidas sobre a existência efectiva de uma obrigação incumprida.
V - No caso concreto, essa garantia é efectiva, comprovada nos autos e considerada como tal por ambos os tribunais que a julgaram- ainda que com diferentes fundamentos, W - Pelo que não há dúvida nenhuma que o título executivo é válido.
X - Aliás, isso mesmo, considerou a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, que em acórdão proferido em 21 de Março de 2021, e JÁ TRANSITADO EM JULGADO, relativo às mesmíssimas circunstâncias, factos e titulo executivo com o mesmíssimo conteúdo, apenas com credores distintos (naquele caso o irmão do ora exequente a e mulher) Y - Confirmou a sentença da primeira instância, declarando improcedentes os embargos deduzidos e mandando prosseguir a execução, considerando o titulo executivo válido. – vide doc nº1 que se junta e dá por reproduzido para todos os efeitos legais.
Termos em que deve o recurso interposto ser considerado procedente, e consequentemente, deve este Colendo Tribunal declarar o Acórdão recorrido nulo, ou se assim não se entender, revogar o Acórdão recorrido, e determinar a validade do título executivo e o prosseguimento dos autos de execução».
8. Os embargados não responderam.
9. Após os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*** II. Delimitação do objeto do recurso Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação dos recorrentes, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].
Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber se: 1ª – o acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d), ex vi art. 666º, ambos do CPC; 2ª- o acórdão recorrido fez uma errada aplicação do art. 46º, al. c), do CPC, na redação do Dl nº 329-A/95.
*** III. Fundamentação 3.1. Fundamentação de facto Após apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto, os Factos Provados são os seguintes: 1 - No dia 30.03.2017, AA e BB requereram a execução...
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Acórdão nº 2404/17.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2023
...pág. 275, constituindo ainda jurisprudência unânime no STJ de que constitui mero exemplo o Ac. de 08/09/2021, proferido no proc. nº 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1. de que foi relatora Rosa [11] Proferido no Proc. nº 6026/04.8TBBRG.G1.S1, de que foi relator Alves Velho. [12] Vide a este respeito o A......
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Acórdão nº 00420/15.6BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021
...imputar é um erro de julgamento. Mas que não ocorre. Vejamos. › O julgamento de facto. Cfr. Ac. do STJ, de 08-09-2021, proc. n.º 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1: I. Os poderes oficiosamente concedidos à Relação para alteração da matéria de facto restringem-se, por um lado, aos casos contidos na prev......
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