Acórdão nº 1297/20.5T8PDL-A.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMICAELA SOUSA
Data da Resolução06 de Julho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO A, sociedade anónima com sede na Rua Áurea, 88, 1100-063 Lisboa veio intentar contra MUNICÍPIO DE PONTA DELGADA, com sede na Praça do Município, 9504-523 Ponta Delgada e C [... (LISBON), LDA.] , com sede na Rua … a presente acção declarativa de condenação, com processo comum formulando o seguinte pedido: a) A declaração de nulidade do contrato de compra e venda de acções da Azores Parque celebrado entre as rés município de Ponta Delgada e C : (i) Por se tratar de negócio contrário à lei, nulo nos termos do disposto no artigo 294.º do Código Civil; (ii) Por se tratar de um negócio com conteúdo contrário à lei e ofensivo dos bons costumes, nulo nos termos do disposto no artigo 280.º do Código Civil; (iii) Por se tratar de um negócio com o fim contrário à lei e aos bons costumes, nos termos do disposto nos artigos 281.º e 398.º do Código Civil; (iv) Por se tratar de um negócio simulado, nulo nos termos do artigo 240.º do Código Civil, sendo que o negócio encoberto é igualmente nulo nos termos do disposto nos artigos 280.º e 281.º do Código Civil, por ser contrário à lei e aos bons costumes, e nos termos do disposto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.

Alega para tanto, muito em síntese, o seguinte (cf. Ref. Elect. 3683631 dos autos principais): - A Azores Parque – Sociedade de Desenvolvimento e Gestão de Parques Empresariais, E.M., S.A., criada em 2004 pelo réu município, sob a forma de empresa municipal, por ele integralmente detida até 11 de Março de 2019, é uma sociedade anónima cujo objecto social consiste na promoção, manutenção e conservação de infra-estruturas urbanísticas e gestão urbana e na renovação e reabilitação urbanas e gestão do património edificado, sendo a empresa responsável pela construção e exploração do parque industrial de Ponta Delgada, sito na Rua Azores Parque, em Ponta Delgada, nos Açores; - Em 11 de Março de 2019, o município de Ponta Delgada vendeu a participação social que detinha na Azores Parque à C; - O município de Ponta Delgada era o accionista único da Azores Parque, que apresentava resultados negativos há vários anos e cujo passivo era superior a onze milhões de euros, tendo dívidas para com o A. no valor de 7.510.381,01 €; - Para dar cumprimento à Lei 50/2012, de 31 de Agosto, o município tinha que integrar ou internalizar a Azores Parque e, consequentemente, assumir o seu passivo; - Para evitar internalizar a Azores Parque o B engendrou um esquema em prorrogaria o prazo dos financiamentos da empresa municipal, a pretexto de que a iria internalizar, até que encontrasse um terceiro disponível para a comprar; - Em Maio de 2019, o município de Ponta Delgada vendeu a Azores Parque, por um preço simbólico, a uma recém-criada sociedade, a C, detida por um senhor brasileiro residente na … (Khaled …) e por uma outra sociedade por quotas designada PO..., Lda., por sua vez detida por uma empresa designada CG..., com sede em Hong Kong, e que nunca tinha sequer depositado contas, não lhe sendo conhecidos actividade ou património; - Ao adquirir a totalidade do capital social da Azores Parque, a sociedade C tornou-se imediatamente insolvente, por via do disposto no artigo 501.º do Código das Sociedade Comerciais, sendo evidente que o seu propósito era o de dissipar os bens daquela em proveito próprio, o que aconteceu de imediato, procedendo à venda de dezenas de imóveis de que a primeira era proprietária por um preço muito inferior ao seu valor e efectuando transferência a coberto de suposto contrato de empréstimo e a favor de empresa detida pelo advogado da Azores Parque, a MC..., Lda.; - Em Maio de 2019, a Azores Parque comunicou ao A que não dispunha de condições que lhe permitissem honrar os compromissos que tinha junto do banco e em Agosto de 2019 apresentou-se a PER, encerrado liminarmente em 28 de Novembro de 2019, data em que foi declarada insolvente, - O contrato de compra e venda de acções celebrado entre o Município de Ponta Delgada e a C não tem qualquer substrato real e foi celebrado com o único propósito de permitir que aquele se pudesse furtar à assunção das responsabilidades que tinha e tem no passivo da Azores Parque; - Pelo menos desde 2011 que a Azores Parque apresenta passivos milionários, ainda que os resultados líquidos fossem sendo; - No ano de 2015, o resultado líquido do período da Azores Parque foi de - 273.706,40 € (menos duzentos e setenta e três mil setecentos e seis euros e quarenta cêntimos) e nesse ano apresentou um passivo total superior a onze milhões de euros, dos quais mais de dez milhões de euros correspondiam a financiamentos bancários; - O valor total de activo registado contabilisticamente era de 11.752.593,37 €, mas que pressupunha a contabilização dos activos a preço de custo e, por isso, não correspondia ao seu valor real; - Em 2016 e 2017 a situação financeira da Azores Parque manteve-se negativa e com o final do exercício de 2017, encerrava o terceiro ano consecutivo com resultados líquidos negativos; - No âmbito do PER, a Azores Parque reconheceu que o seu activo era afinal de apenas 1,5 milhões de euros e no anúncio de venda, publicado em Diário da República, o município reconheceu que a empresa municipal tinha um valor de mercado negativo de quase seis milhões de euros; - Tendo em conta que o activo da Azores Parque não era superior ao seu passivo, a empresa municipal não reunia as condições legais para ser dissolvida e liquidada nos termos do artigo 62.º, n.º 1, alínea d), e n.º 4 da Lei 50/2012, restando as hipóteses de venda, integração ou internalização da sua actividade; - A integração ou internalização da Azores Parque iria implicar que o município reduzisse, a cada ano pós-integração ou pós-internalização, o montante correspondente a 10% do valor pelo qual seria ultrapassado o limite de endividamento e iria implicar menos despesa pública e menos obra realizada; - Entre 2016 e a data da venda da Azores Parque, os membros do conselho de administração desta eram também membros do executivo camarário do município de Ponta Delgada, pelo que este sempre conheceu em detalhe a situação financeira daquela, daí que o mencionado período de seis meses terminasse em 30 de Junho de 2020; ou em 2 de Setembro de 2018 se se contar da datado relatório de gestão de 2017 (2 de Março de 2018), ou, no limite, a contar de 26 de Abril de 2018, data em que a Assembleia Municipal de Ponta Delgada aprovou as contas consolidadas da Câmara Municipal de Ponta Delgada de 2017 e, nessa medida, aprovou também as contas da Azores Parque daquele ano; - O município de Ponta Delgada postergou a solução a dar à Azores Parque até encontrar alguém disposto a comprar a empresa e a venda do capital social foi aprovada por unanimidade pela Assembleia Municipal de Ponta Delgada em 29 de Novembro de 2018, constando expressamente da acta que se visou evitar a necessidade de integrar ou internalizar a empresa e de assumir o seu passivo; - O município de Ponta Delgada era, à data da venda do capital social (11 de Março de 2019), o único accionista da Azores Parque, com uma participação correspondente a 51% do seu capital social (sendo os restantes 49% acções próprias), vendendo-o pelo valor simbólico de € 500,00 (quinhentos euros), tendo recebido efectivamente apenas € 50,00; - A aquisição só podia ter visado fins ilícitos, desde logo, porque a C e o seu gerente Khaled ..... têm sede/domicílio em Loures, Lisboa, sem conhecimento da zona e dos negócios locais, tem um capital social de 5 000,00 € e o passivo da empresa era de - 5.918.769 € (cinco milhões, novecentos e dezoito mil, setecentos e sessenta e nove euros), pelo que aquela se tornou insolvente ao adquirir a Azores Parque, sem sequer ter apresentado ao banco qualquer plano de recuperação, sendo este um dos seus principais credores; o outro titular do capital da C é a sociedade por quotas PO...

, com sede na mesma morada, gerida por Lau …, com domicílio em Hong Kong e detida por uma empresa designada CG...

, que também tem sede em Hong Kong; a C não fez uma auditoria à sociedade, aos seus activos ou às suas contas e comprou uma sociedade insolvente, sem cuidar sequer de analisar a sua exacta situação patrimonial; não se lhe conhece qualquer actividade ou experiência de gestão; o facto de o preço ser meramente simbólico permite antever o conluio existente entre as partes e que o negócio é apenas um negócio de fachada; - Após a venda, a Azores Parque foi incluída num novo “grupo empresarial”, actualmente composto, inter alia, pelas empresas PO...

e MC..., Lda. e entre Abril e Maio do ano de 2019 foram praticados diversos actos pela Azores Parque em manifesto prejuízo para os seus credores, retirando ao seu património mais de 30 imóveis, pelo preço global de 705.000 €, em menos de um mês, vendidos por valor inferior ao seu valor patrimonial tributário a entidades relacionadas com a Azores Parque (administradores); - Foram efectuadas transferências de valores em proveito de pessoas relacionadas com a empresa, como administradores; - Por força da aplicação da medida de resolução ao Banif – Banco Internacional do Funchal, S.A., entre os créditos que foram transmitidos para o A por ordem do Banco de Portugal créditos anteriormente detidos pelo Banif sobre a Azores Parque, assim como foram celebrados outros com a celebração de um Contrato-Programa entre a Azores Parque e o município de Ponta Delgada; - A Azores Parque utilizou a totalidade do valor colocado à sua disposição e não liquidou o empréstimo à data do seu vencimento; - Em 28 de Novembro de 2019, data em que foi declarada insolvente, a Azores Parque devia ao A mais de sete milhões de euros por força dos diversos contratos de empréstimo, sendo actualmente – e era à data da venda das participações sociais, em 11 de Março de 2019 – credor da Azores Parque num montante total de 7.563.881,42 € (sete milhões quinhentos e sessenta e três mil...

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