Acórdão nº 493/21 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução08 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 493/2021

Processo n.º 166/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No processo de inquérito que correu os seus termos nos serviços do Ministério Público de Guimarães com o número 318/13.2IDBRG, o Ministério Público deduziu acusação contra A. (ora recorrente), entre outros arguidos, imputando-lhe a prática, em 2012, de um crime de abuso de confiança fiscal.

1.1. O arguido requereu a abertura de instrução. Esta fase processual culminou na prolação de decisão de suspensão provisória do processo, com data de 12/05/2014, pelo período de 24 meses, com imposição ao arguido da obrigação de pagamento do imposto devido e legais acréscimos, por referência aos factos em causa nos autos, “nos termos dos artigos 281.º e 282.º” do Código de Processo Penal (CPP) e “nos termos dos artigos 307.º, n.os 1 e 2, ex vi artigo 281.º” do mesmo diploma, ali expressamente referidos, ficando advertido de que “[…] caso a injunção seja cumprida o processo será arquivado. Se assim não for oportunamente seguirá para julgamento pelos factos e qualificação jurídica da acusação pública, e com a prova ali indicada”.

1.1.1. O mesmo arguido veio a ser condenado, no âmbito do processo n.º 49/16.1IDBRG, por decisão transitada em julgado, pela prática, em fevereiro de 2016, de um crime de abuso de confiança fiscal. Foi, então, proferido despacho no processo 318/13.2IDBRG, no sentido de revogar a suspensão provisória e pronunciar o recorrente pela prática, em 2012, de um crime de abuso de confiança fiscal. Nesta decisão entendeu-se, designadamente, que “[…] a circunstância de não constar expressamente da decisão que decretou a suspensão provisória do processo a advertência de que caso cometesse, durante o prazo de suspensão, crime da mesma natureza pelo qual viesse a ser condenado, os autos prosseguiriam pata julgamento, também não é decisiva ou sequer relevante. É certo que não consta expressamente da decisão a referida advertência, nem tinha de constar. Todavia, da decisão que suspendeu provisoriamente este processo, nomeadamente de fls. 207, consta expressamente que a mesma se baseia, além do mais, nos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal, ou seja, faz-se alusão à norma concreta de onde resulta, nos termos do n.º 4, alínea b), a possibilidade de o processo prosseguir em caso de cometimento de crime da mesma natureza, durante o período da suspensão, de que o arguido venha a ser condenado. Além disso, refira-se que o processo suspenso não se encontra findo, podendo sempre prosseguir, circunstância que era do conhecimento do arguido, pelo que o mesmo, durante esse período, deve ter um especial cuidado com a sua conduta, cumprindo as injunções e regras que aceitou e ainda não cometendo crimes da mesma natureza por que venha a ser condenado”.

1.1.2. Desta decisão recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Guimarães. Nas alegações de recurso, invocou, designadamente, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do CPP, na interpretação segundo a qual se considera inexigível a expressa advertência da possibilidade de o processo prosseguir em caso de cometimento de crime da mesma natureza durante o período da suspensão, por violação das garantias do arguido previstas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança.

1.1.3. Por acórdão de 26/10/2020, o Tribunal da Relação de Guimarães negou provimento ao recurso. Dos respetivos fundamentos consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

O arguido, ora recorrente, insurge-se porque da decisão que suspendeu provisoriamente este processo não consta expressamente a advertência de que caso cometesse, durante o prazo de suspensão, crime da mesma natureza pelo qual viesse a ser condenado, este processo prosseguiria para julgamento.

É certo que não consta expressamente da decisão a referida advertência, nem tinha de constar. Todavia, da decisão que suspendeu provisoriamente este processo, nomeadamente de fls. 207, consta expressamente que a mesma se baseia, além do mais, nos artigos 281.º e 282.º do Código de Processo Penal, ou seja, faz-se alusão à norma concreta de onde resulta, nos termos do n.º 4, alínea b), a possibilidade de o processo prosseguir em caso de cometimento de crime da mesma natureza, durante o período da suspensão, de que o arguido venha a ser condenado.

Acresce, ainda, que o arguido, até porque estava devidamente assistido por defensor, caso tivesse alguma dúvida sobre o comportamento a adotar durante o período da suspensão, poderia e deveria sempre informar-se.

Aliás, nas sentenças condenatórias em que a pena de prisão é suspensa na sua execução, apesar de os arguidos serem verbalmente advertidos da possibilidade de revogação e dos respetivos motivos, não consta da sentença ou do acórdão, nem tem de constar, os motivos de revogação da suspensão constantes do artigo 56.º do Código Penal.

Além disso, refira-se que o processo suspenso não se encontra findo, podendo sempre prosseguir, pelo que o arguido, durante esse período, deve ter um especial cuidado, cumprindo as injunções e regras de conduta que aceitaram e ainda não cometendo crimes da mesma natureza por que venham a ser condenados (fls. 57 a 59).

[…]

Nem tal viola qualquer preceito constitucional nomeadamente os referidos pelo arguido a fls. 52, cls. XII – arts. 2.º e 32.º, n.º 1, da CRP.

Pelo exposto, não assiste razão ao arguido quanto a esta questão.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.4. O recorrente arguiu a nulidade desta decisão, arguição que viu indeferida por acórdão de 25/01/2021.

1.2. Interpôs, então, recurso do acórdão de 26/10/2020 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do CPP, na interpretação segundo a qual se considera inexigível a expressa advertência da possibilidade de o processo prosseguir em caso de cometimento de crime da mesma natureza durante o período da suspensão.

1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de Guimarães, com efeito suspensivo.

1.2.2. No Tribunal Constitucional, o relator determinou a notificação das partes para alegarem, “devendo ter-se como objeto do recurso – aqui se procedendo a um ajustamento meramente formal do enunciado do recorrente – a norma contida no artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual é inexigível, para efeitos de revogação da suspensão provisória do processo, a expressa advertência ao arguido, na decisão de suspensão, da possibilidade de prosseguimento do processo em caso de cometimento de crime da mesma natureza durante o período da suspensão”.

1.2.3. O recorrente apresentou alegações, das quais consta, designadamente, o seguinte (transcrevendo-se integralmente as respetivas conclusões):

“[…]

3.2. – Fundamentos da Discordância da Decisão

3.2.1 – A expressa advertência consignada no despacho judicial determinativo da suspensão e a ausência de expressa advertência relativa aos efeitos do artigo 282.º, n.º 4, alínea b), do C.P.P.

[…]

Efetivamente, como conclui o mencionado despacho judicial, o ora recorrente praticou, durante o período em que decorria a suspensão provisória do presente processo, um crime da mesma natureza daquele que vinha acusado no âmbito dos presentes autos.

Porém, ao contrário do que parece resultar do despacho recorrido, o motivo invocado não determina a revogação automática ou ope legis da suspensão provisória do processo, anteriormente, concedida.

Sobretudo quando, como in casu ocorreu, não existiu qualquer expressa advertência ao recorrente de que a prática de crimes da mesma natureza durante o período da suspensão importavam o prosseguimento do processo e que as prestações feitas não poderiam ser repetidas.

Aliás, pelo contrário, a advertência realizada aos Arguidos, incluído o ora recorrente – e que, expressamente, resulta da ata da audiência de debate instrutório realizada nos autos – foi, apenas, que se a injunção fosse cumprida o processo seria arquivado, caso contrário, isto é, pagamento do imposto e demais acréscimos legais em dívida não fosse concretizado, o processo seguiria, oportunamente, para julgamento pelos factos e qualificação jurídica da acusação pública e com a prova ali indicada.

Mais entendemos, de resto, que o efeito despoletado pela decisão recorrida dependia, obrigatoriamente, de expressa advertência nesse sentido, ou seja, o recorrente devia ter sido, explicitamente, precavido que o processo poderia prosseguir e que as prestações realizadas não podiam ser repetidas, também, no caso de cometer, durante o prazo de suspensão do processo, um crime da mesma natureza e pelo qual viesse a ser condenado.

Cremos, salvo melhor entendimento, e ao contrário da posição assumida no despacho mencionado, que não se mostra suficiente a mera alusão ao número da norma em causa em que se alicerçou a decisão para se mostrar cumprida a exigência ou imposição ao recorrente de o mesmo não poder cometer novo crime da mesma natureza durante o período de suspensão e as consequências daí decorrentes.

Exige-se, ao contrário do que sustenta a decisão recorrida, que o arguido seja, expressamente, advertido dessa circunstância tal como foi, in casu, advertido, explicitamente, da: – obrigação de efetuar o pagamento do imposto e demais acréscimos legais em dívida e relativos aos factos deste processo, em prestações mensais e sucessivas, de acordo com as guias de liquidação a emitir pela Administração Tributária (...).

Caso a...

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