Acórdão nº 494/21 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução08 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 494/2021

Processo n.º 243/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. No processo de inquérito que correu os seus termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Setúbal com o número 234/19.4JELSB, em que são arguidos os ora recorrentes A., B., C. e D., o Ministério Público requereu a declaração de excecional complexidade do processo, nos termos do artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal (CPP).

1.1. Por despacho de 26/08/2020, a senhora juíza do Juízo de Instrução Criminal de Setúbal determinou a notificação dos arguidos para, querendo, se pronunciarem sobre o referido pedido no prazo de 3 dias.

1.1.1. No dia 04/09/2020, a senhora juíza do Juízo de Instrução Criminal de Setúbal proferiu despacho no qual declarou a excecional complexidade do processo.

1.1.2. No dia 08/09/2020, os arguidos exerceram o contraditório relativamente ao pedido de declaração de excecional complexidade, por referência à notificação determinada no despacho de 26/08/2020.

1.1.3. Na mesma data, suscitaram, então, uma nulidade decorrente de, em seu entender, o prazo concedido para o exercício do contraditório quanto à declaração da especial complexidade não ter ainda decorrido aquando da prolação do despacho de 04/09/2020 acima referido. Viram tal pretensão indeferida por despacho de 21/09/2020, com os fundamentos que ora se transcrevem:

“[…]

Invocam os arguidos (implicitamente) que foi cometida uma irregularidade/nulidade, dado que o prazo concedido para o exercício do contraditório quanto à declaração da especial complexidade não havia ainda decorrido aquando do prolatar do despacho judicial que declarou os autos de especial complexidade, em 04/09/2020.

Conforme resulta de fls. 1130 e segs., parte final […] foi concedido o prazo de 3 dias, para tal efeito.

Do despacho de fls. 1130 e segs., foram os arguidos pessoalmente notificados no E.P. em 27/09/2020 (conforme ofícios de notificação de fls. 1132 e segs. e fls. 1154 e segs.), pelo que, o prazo de 3 dias, concedido, decorreu, fixando-se o seu terminus em 30/09/2020 e os três dias úteis a que alude o artigo 107.º-A do C.P.P. e 139.º do C.P.C. em 03/09/2020.

Quanto aos seus Il. Advogados, foram os mesmos notificados por expediente de 26/08/2020 (conforme fls. 1133 e 1134 e versos), via e-mail, enviado nesse mesmo dia.

Apesar do teor dos ofícios de fls. 1133 e 1134, tal normativo legal invocado – Artigo 113.º do C.P.P. – reporta-se, em consonância com o seu n.º 2, a notificações realizadas via postal registada ou, nos termos do seu n.º 12, a notificações realizadas via eletrónica, isto é, via Citius.

Ora, as notificações aos Exm.ºs Mandatários não foram realizadas de nenhuma das mencionadas formas, pelo que tais prazos e norma legal, não se aplicam ao caso presente, não sendo de conceder novos prazos ou prazo adicional, por via, simplesmente, do teor dos aludidos ofícios.

Assim, os Exm.ºs Advogados foram notificados dia 26/09, pelo que, o prazo de 3 dias, concedido, terminou em 29/09/2020 (dado que se trata de autos urgentes, de presos preventivos) e o prazo de 3 dias úteis a que alude o Artigo 107.º-A do C.P.P. e 139.º do C.P.C., terminou em 02/09/2020.

Nestes termos, proferido despacho a declarar os autos de especial complexidade no dia 04/09/2020, já haviam decorridos os prazos legais concedidos, para o exercício do contraditório.

Tudo, o que resulta do próprio despacho cuja nulidade/irregularidade ora se argui, aí expressamente referindo-se que o prazo do contraditório já havia decorrido.

Finalmente, como igualmente se diz no aludido despacho de 04/09/2020, o despacho que se pronuncia sobre a especial complexidade dos autos não integra o elenco daqueles em que é obrigatória a dupla notificação, quer aos arguidos, quer aos seus Il. Advogados, tudo o que resulta do teor do Artigo 113.º, n.º 10, 2.ª parte do C.P.P..

De qualquer modo, face ao exposto, nunca a data da última notificação operada – a dos arguidos – teria qualquer relevância face a um eventual incumprimento do prazo concedido, por parte do Tribunal, face ao que já supra se deixou explanado.

Acresce que, como bem refere o M.P., o prazo a que alude o Artigo 139.º do CPC e 107.º-A do C.P.P. não constitui ‘prazo’ propriamente dito. Traduz, simplesmente, uma faculdade de prática de ato, para além de prazo legal, a conceder, mediante o pagamento dos inerentes acréscimos legais.

Pelo que, mesmo a entender-se que o Tribunal não atendeu a tal ‘prazo’, o que não ocorreu – porquanto como se viu, a 04/09, já todos os prazos do Artigo 139.º do CPC e 107.º-A do CPP tinham terminado a 02 e 03/09 –, tal nunca implicaria o desrespeito pelo Tribunal dos prazos concedidos para o exercício do contraditório.

Em suma, carecem de fundamento os requerimentos apresentados pelos arguidos, não tendo sido cometida pelo Tribunal qualquer irregularidade ou nulidade aquando da prolação do despacho de fls. 1145 e segs..

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.4. Os arguidos recorreram, então, dos despachos de 04/09/2020 e de 21/09/2020 para o Tribunal da Relação de Évora, invocando, designadamente, que o termo perentório do prazo concedido para se pronunciarem sobre a declaração de excecional complexidade do processo só ocorreu no dia 03/09/2020 e que “[…] deve na contagem dos prazos contar-se sempre com a possibilidade de as partes fazerem uso dos 3 dias úteis seguintes com pagamento de multa, conforme o artigo 139.º do Código de Processo Civil, por força do artigo 107.º-A do Código de Processo Penal”, o que permitiria, no seu entender, praticar o ato até ao dia 08/09/2020. Concluíram, assim, pela violação do princípio do contraditório.

1.1.5. No Tribunal da Relação de Évora, foi proferido acórdão, datado de 09/02/2021, no sentido da improcedência do recurso. Dos respetivos fundamentos consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

A notificação em causa foi feita com caráter de urgência, tal como decorre do despacho judicial que a determinou.

Na resposta ao recurso sobre esta questão é referido: ‘considerando-se a notificação do despacho em causa efetuada no dia 31 de agosto, o prazo de três dias não se esgotou no dia 8 de setembro, mas sim no dia 3 de setembro de 2020.

Os dias 4, 7 e 8 de setembro correspondem à tolerância para a prática do ato, prevista no art.º 107.º-A do Código de Processo Penal.

O prazo de 3 dias terminou no dia 3 de setembro, não cabendo aos demais intervenientes processuais adivinhar se os arguidos pretendem praticar o ato num período que é de tolerância e cuja utilização impõe o pedido e o pagamento de uma multa processual.’

Os recorrentes não emitiram qualquer declaração a manifestar a intenção de praticar o ato nos três dias úteis seguintes ao termo do respetivo prazo e a pagar a multa consequente.

Portanto, o prazo a que alude o artigo 139.º do CPC e 107.º do C.P.P. corresponde a uma faculdade de prática de ato, para além de prazo legal, a conceder, a pedido e mediante o pagamento dos inerentes acréscimos legais, o que no caso ‘sub judice’, como já afirmado, não ocorreu .

Assim, é inquestionável que o prazo concedido aos recorrentes para se pronunciarem, sobre a questão em análise, terminou em 03/09/2020.

Concluindo, os recorrentes carecem de razão, nas pretensões do recurso por eles apresentado, não tendo sido cometida pelo Tribunal qualquer irregularidade ou nulidade aquando da prolação do despacho recorrido.

Os recorrentes, também, neste segmento do recurso, carecem de razão.

Não se vislumbra que com a prolação dos despachos recorridos tenham ocorrido violações dos artigos 61.º, n.º 1, alínea b), 119.º, alínea c), 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, nos arts. 18.º, n.º 2, e 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e do princípio do contraditório.

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.2. Desta decisão recorreram os arguidos para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, nos termos seguintes:

“[…]

I)

Pretende-se ver apreciada a constitucionalidade das normas extraídas dos artigos 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil e 107.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, com a interpretação de que o instituto previsto é uma faculdade a conceder, mediante pedido nesse sentido e pagamento de multa correspondente aos dias utilizados.

Ou seja, que a prática de um ato processual fora do prazo, dentro dos 3 dias úteis subsequentes, deverá preceder de declaração a manifestar essa intenção, e, cumulativamente, que seja efetuado o pagamento da respetiva multa.

A referida interpretação normativa inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas jurídicas, por limitarem de uma forma desproporcional e intolerável o direito de defesa dos arguidos, e assim contenderem com as normas constantes nos artigos 18.º, n.ºs 1 e 2, 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 1, e 219.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

Aliás, nesse sentido, o Acórdão n.º 538/2007 do Tribunal Constitucional que refere: “Em apreciação está o disposto no artigo 145.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 107.º, n.º 5, do respetivo código. (...) Decorre desta norma, aplicada ao requerimento de recurso, que ele pode ser apresentado nos três dias imediatos ao termo do prazo legal, sem necessidade da prova de justo impedimento. Sobre o interessado apenas recai, neste caso, o ónus de pagar uma multa, nos termos e montante estabelecidos no preceito.”

II)

A interpretação dada pelo Tribunal o quo é absolutamente imprevisível e inesperada, uma vez...

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