Acórdão nº 489/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução07 de Julho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 489/2021

Processo n.º 1135/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., reclamante nos presentes autos, inconformado com a decisão que o condenou, em primeira instância, como co-autor material e em concurso real, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 299.º, nºs. 1 e 3 do Código Penal, de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A, nºs. 1, 2 e 6 do Código Penal, e de um crime de extorsão, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 223.º-A, nºs. 1 e 3, alínea a), ex vi artigo 204.º, n.º 2, alínea g) e 22.º e 23.º do Código Penal, numa pena única, de 13 anos de prisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 16 de outubro de 2019, lhe concedeu parcial provimento e reformou as penas parcelares, aplicadas aos crimes de tráfico de estupefacientes e de branqueamento, e a pena única, que foi fixada em 10 anos de prisão, e manteve, quanto ao mais, a decisão recorrida.

Notificado do acórdão, arguiu a sua nulidade, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, em acórdão de 15 de janeiro de 2020, indeferido o requerimento apresentado.

Irresignado, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 14 de outubro de 2020, o rejeitou, por inadmissibilidade legal, nos termos da disposições conjugadas dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (adiante, CPP), quanto à matéria decisória respeitante aos crimes de tráfico de estupefacientes agravado, de associação criminosa, de branqueamento de capitais e de extorsão simples na forma tentada e respetivas penas, e rejeitou o recurso apresentado, quanto à reapreciação da matéria de facto, no âmbito dos vícios contemplados no artigo 410.º do CPP, por inadmissibilidade, nos termos conjugados dos artigos 420.º, n.º 2, alínea b), 414.º, n.º 2 e 434.º do CPP.

Ainda inconformado, suscitou a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, contradição insanável, ausência de fundamentação por referência ao caso concreto e indevida condenação em custas, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 11 de novembro de 2020, indeferido o requerido.

2. Notificado deste acórdão, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.º 1, b) da Constituição, 70.º, nºs. 1, alínea b), e 2, 75.º e 75.º-A, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC), bem como da alínea i) do n.º 1 do artigo 61.º do CPP (cf. fls. 8095-8100).

3. Subido o recurso ao Tribunal Constitucional, foi o recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 75.º-A, n.º 6 da LTC, convidado a aperfeiçoar o respetivo requerimento de interposição de recurso, uma vez que tinham sido proferidos dois acórdãos no Tribunal da Relação de Coimbra e dois acórdãos no Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de indicar qual era a decisão recorrida por, do enunciado do recurso, «não se mostrar claro de que decisões (acórdãos) recorre», (cf. fls. 8124).

4. Em resposta ao convite ao aperfeiçoamento, veio afirmar, em síntese, que o recurso não «(…) versa sobre decisões judiciais, mas sim sobre as concretas dimensões normativas enunciadas e identificadas. (…)” (cf. fls. 8130).

5. Por decisão sumária n.º 275/2021, proferida ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, foi o recurso rejeitado, com os seguintes fundamentos:

«[…]

6. Nos termos do artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC, o recurso de constitucionalidade deve ser interposto, através de requerimento de que conste a identificação precisa da decisão recorrida (cf. n.º 1 do artigo 70.º da LTC), bem como da «alínea do n.º 1 do artigo 70.º ao abrigo da qual o recurso é interposto e [d]a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie.»

Sendo o recurso deduzido ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recorrente deve ainda indicar outros elementos essenciais à apreciação liminar do requerimento de interposição de recurso, tais como a «norma ou princípio constitucional ou legal que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade».

A enunciação da questão de constitucionalidade em termos claros, objetivos e precisos é, assim, nos termos delineados nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 75.º-A, nºs. 1 e 2 da LTC, um verdadeiro ónus que a lei impõe ao recorrente, cuja falta acarreta a rejeição do recurso.

Para este efeito, e como se referiu, a indicação precisa da decisão recorrida é também um elemento essencial à apreciação liminar do recurso, já que, constituindo o seu objeto formal, é na mesma que se deverá projetar um (eventual) juízo positivo de inconstitucionalidade, com a consequente reforma da decisão ou do julgamento sobre a questão de inconstitucionalidade (artigo 80.º, n.º 2 da LTC).

6.1. No requerimento de interposição de recurso apresentado nos autos ao abrigo da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, o recorrente enuncia treze questões de constitucionalidade que pretende ver apreciadas. No entanto, em nenhum momento, indicou, com o mínimo de precisão, a decisão de que recorria, antes referindo, em vários passos e em termos gerais, que: “… Como fundamento do recurso aponta-se o entendimento sufragado nos doutos acórdãos recorridos proferidos pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça (mas também previamente pela Relação de Coimbra!), a concluir pela legalidade do processado e conformidade legal da douta decisão condenatória e subsunção jurídica efetivadas pelas decisões recorridas…”.

Atenta a falta de identificação concreta do objeto formal do recurso, foi o recorrente convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de modo a evidenciar de que acórdãos recorre, sendo essa indicação, neste caso concreto, verdadeiramente imprescindível ao conhecimento do objeto (material) do recurso, na medida em que, como evidencia a tramitação relatada no ponto I., o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu dois acórdãos, respetivamente, a 16 de outubro de 2019 e 15 de janeiro de 2020 e o Supremo Tribunal de Justiça outros dois, a 14 de outubro de 2020 e 11 de novembro de 2020, respetivamente.

Em resposta a este convite, porém, o recorrente furtou-se a fazer essa indicação, alegando que “o recurso não (…) versa sobre decisões judiciais mas sim sobre as concretas dimensões normativas enunciadas e identificadas”.

6.2. Como se assinalou, a indicação da decisão recorrida, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 70.º da LTC, constitui um verdadeiro ónus do recorrente – e não um simples dever de colaboração para com o Tribunal.

Neste caso, o recorrente limita-se a enunciar diversas questões de constitucionalidade, que perpassam das diversas decisões judiciais proferidas nas instâncias de recurso – umas que se prendem com a apreciação do mérito da decisão condenatória (e que, por isso, teriam de ser dirigidas ao acórdão da Relação de Coimbra de 16 de outubro de 2019), outras relativas à admissibilidade do recurso e ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (que teriam de ter sido dirigidas à decisão desse Tribunal) – e, não obstante ter sido convidado a suprir as insuficiências do requerimento de interposição do recurso, não fez qualquer esforço para concretizar o objeto do recurso.

Ora, a falta de indicação concreta do objeto formal do recurso – em especial, num caso em que há uma pluralidade de decisões – é insuprível oficiosamente. Não pode o Tribunal fazer um exercício interpretativo que não esteja devidamente espelhado no requerimento de interposição de recurso e tão pouco pode optar por escolher umas questões de constitucionalidade em detrimento de outras, por constituírem ou não a ratio decidendi da decisão recorrida. Se o fizesse, estaria claramente a exceder uma atuação conformada pelo princípio pro actione, colocando o juiz na posição de modelar (ou definir por si) um novo objeto do recurso, o que seria manifestamente incompatível com os princípios do pedido e com as regras legais que definem os ónus processuais.

Assim, mostrando definitivamente incumprido pelo recorrente o ónus de delimitação do objeto do recurso, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 76.º da LTC, tem o recurso de ser rejeitado. […]».

6. É dessa decisão que vem deduzida a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos (cf. fls. 8159-8164):

“[…]

I) Considerações gerais

Mediante douta decisão sumária, proferida pela Ex.ma Juiz Conselheira relatora, foi decidido rejeitar o recurso (não se tomando conhecimento do seu objeto!) apresentado pelo alegado incumprimento "pelo recorrente do ónus de delimitação do objeto do recurso".

Tal decisão é de tal forma grave que se julga que coloca em causa a própria viabilidade ou necessidade do Tribunal Constitucional, pois que se é para jogos de palavras e questões formais, então mais vale decidir pela certidão de óbito por tal entidade, da qual se é todavia (e sempre se foil) um acérrimo defensor. Mas terá de funcionar bem...

Na verdade, tal justificação não é nem logicamente assertiva nem é a decorrência normal dos autos, mostrando-se, na óptica do recorrente, abusiva!

II) Da douta decisão sumária

O reclamante não pode deixar de manifestar alguma perplexidade e surpresa face à douta fundamentação vertida na douta decisão sumária...

Analisados devidamente os fundamentos argumentativos vertidos na douta decisão...

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