Acórdão nº 3225/18.9T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução05 de Julho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Juiz Desembargadora Relatora: Maria Teresa Coimbra.

Juiz Desembargadora Adjunta: Cândida Martinho.

Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal Relação de Guimarães.

I.

No processo 3225/18.9T9GMR que corre termos no juízo local criminal de Guimarães, foi proferida sentença que condenou o arguido A. R., como autor material de um crime de falsidade de testemunho p.p. artigo 360º, nºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 320 dias de multa à razão diária de 6€, num total de 1.920€ e ainda no pagamento das custas do processo.

*Inconformado com a condenação, o arguido interpôs o presente recurso concluindo a sua motivação do seguinte modo (transcrição): 1 - Nestes autos de processo o Arguido A. R., foi condenado como autor material de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360º, nº 1 e 3 do CP, na pena de 320 (Trezentos e vinte) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros) o que perfaz a quantia de € 1.920,00 (mil novecentos e vinte euros) 2 - Não pode, o Recorrente conformar-se de modo algum com a condenação que lhe foi aplicada, a qual considera manifestamente injusta e ilegal, na medida em que assenta em prova proibida e nula, sendo que a sua conduta não preenche os elementos do tipo.

3 - É entendimento do Recorrente que a Sentença recorrida está viciada no que concerne à matéria de facto por erro notório da apreciação da prova produzida nos autos – quer a documental proibida, quer a testemunhal que foi produzida em sede de julgamento.

4 - O Recorrente com vista à impugnação da matéria de facto, requereu ao tribunal de julgamento o suporte técnico (CDs) da prova produzida em audiência de julgamento o registo da totalidade das declarações prestadas pelo próprio e depoimentos das testemunhas, para ser feita a sua audição e transcrição.

5 - Auscultado o referido suporte, constata-se que os áudios referentes ao depoimento das testemunhas J. T. e L. M. estão em grande parte imperceptíveis, impedindo obviamente a sua transcrição e compreensão das declarações prestadas.

6 - A imperceptibilidade, ou total ausência de registo, das declarações das testemunhas J. T. e L. M. é, de peculiar relevância para a impugnação da matéria de facto dada como provada, pois o Tribunal a quo para a condenação do Arguido/Recorrente, formou a sua convicção na prova produzida em audiência de julgamento, “…,designadamente as declarações das J. T. e L. M..

7 - Para que o Recorrente possa exercer o seu direito de defesa é de todo em todo, e de primordial importância que as declarações das testemunhas estejam em perfeitas condições no que respeita à audibilidade das mesmas, caso contrário fica irremediavelmente limitado, o direito de defesa do arguido.

8 - Atenta a inaudibilidade de parte ou totalidade do depoimento das testemunhas prestadas em audiência de Julgamento e a obrigatoriedade de tais declarações terem de ser reproduzidas nos CDs e audíveis na sua totalidade sob pena de nulidade desses depoimentos, que apenas são audíveis em parte, nulidade que desde já se requer.

9 - Atendendo que o Tribunal a quo formou a sua convicção nas testemunhas J. T. e L. M., que são fundamentais para a reanálise da matéria de facto, pelo que outra alternativa não resta ao recorrente senão a de arguir a nulidade dos referidos depoimentos.

10 - Deverá ser considerada nula a produção de prova gravada nos autos produzida em audiência de julgamento, devendo para o efeito ser ordenada a repetição do julgamento.

11 - A assim não se entender, deve ser extraída da deficiência da gravação o efeito próprio de uma nulidade processual, o de anulação e repetição do acto viciado e dos actos posteriores que dele dependam.

12 – O Arguido foi condenado pelo crime de falsidade de testemunho, por nas declarações que prestou no âmbito da instrução do processo nº 166/17.0GCGMR, em que era arguido R. P., serem incompatíveis com os registos das BTS dos registos telefónicos daquele arguido, no dia 16/07/2017.

13 - Dispõe o artigo 189.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quando estejam em causa os crimes previstos no nº 1 do art. 187º do CPP.

14 - O regime jurídico dos artigos 187º a 189º, do CPP, aplica-se aos “dados sobre a localização celular”, obtidos em tempo real, ou seja, a intercepção das comunicações entre presentes.

15 - A obtenção de dados relativas ao passado, conforme resulta dos autos do processo nº 166/17.0GCGMR, será regulada pela Lei nº 32/2008, de 17/07.

16 - A Lei nº 32/2008, de 17 de Julho, versa sobre a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos a pessoas singulares e colectivas e destina-se à investigação, detecção e repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes.

17 - Entendendo-se por crime grave, os crimes de terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade altamente organizada, sequestro, rapto e tomada de reféns, crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal, contra a segurança do Estado, falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda e crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

18 - O regime processual das comunicações telefónicas previsto nos artigos 187º a 190º, do Código de Processo Penal deixou de ser aplicável por extensão às "telecomunicações electrónicas", "crimes informáticos" e "recolha de prova electrónica (informática)" desde a entrada em vigor da Lei nº 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime) como regime regra.

19 - Tratando-se de obter prova por "localização celular conservada", isto é, a obtenção dos dados previstos no art. 4º, nº 1, da Lei nº 32/2008, de 17.07, o regime processual aplicável assume especialidade nos artigos 3º e 9º desta Lei.

20 - A transmissão de dados só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção e repressão de crimes graves.

21 - Estabelece ainda o art. 9º, nº 2 da Lei 32/2008, de 17.07, que a autorização de transmissão de dados só pode ser requerida pelo Ministério Público ou pela autoridade de polícia criminal competente.

22 - Não resulta dos autos de processo nº 166/17.0GCGMR qualquer requerimento do Ministério Público a solicitar o registo de localização do referido telemóvel com o nº 9.........

23 - Tal registo foi solicitado pelo Juiz de Instrução Criminal durante as diligências de instrução.

24 - Nos termos do art. 53º, nº 2 al. b) cabe ao Ministério Público dirigir o inquérito.

25 - Todas as diligências de obtenção de prova com base naqueles diplomas legais (Lei nº 32/2008 e CPP) têm que ser obtidas durante o inquérito a pedido do Ministério Público e após despacho fundamentado do Juiz de Instrução Criminal, sempre que estas diligências violem ou possam pôr em causa direitos, liberdades e garantias.

26 - Não é ao Juiz de Instrução Criminal que compete fazer o trabalho do Ministério Público para colmatar as falhas evidentes do inquérito.

27 - Ao Juiz de Instrução Criminal cabe apenas autorizar a transmissão dos dados, mas sempre mediante requerimento do Ministério Público ou do órgão de polícia criminal.

28 - Tal requisito não pode ser ultrapassado pelo Juiz de Instrução Criminal, atendendo que, a Lei nº 32/2008 é uma lei especial que se sobrepõe sempre sobre o Código de Processo Penal (lei geral) e os poderes por ele conferidos ao Juiz de Instrução Criminal.

29 - Foi o Juiz de Instrução Criminal que, por iniciativa própria, já após o encerramento da investigação e dedução da competente acusação pública que, determinou por despacho a notificação das operadoras telemóveis para juntarem aos autos os registos de localização do telemóvel 9........, pertencente ao arguido R. P..

30 - O crime imputado ao arguido no proc. nº 166/17.0GCGMR (crime de ofensa à integridade física qualificado), não se integra no conceito de crime grave, a que se reporta a al. g), do nº 1, art. 2.º, da Lei nº 32/2008, de 17 de Julho.

31 - Tais registos de localização não se poderiam usar como meio de prova no âmbito do processo nº 166/17.0GCMGMR, sob pena de nulidade insanável e de uma verdadeira proibição de prova.

32 - Foi extraída certidão onde consta as declarações proferidas pelo aqui arguido em sede de diligências de instrução no processo nº 166/17.0GCGMR e o registo das BTS dos registos telefónicos de R. P., para imputar o crime de falsidade de depoimento ao aqui Recorrente.

33 - Tais registos são meio de obtenção de prova proibida por violação dos requisitos legais previstos nos art. 9º, nº 1, 2º da Lei 32/2008 de 17/07.

34 - Tal meio de prova nunca o mesmo poderia ser utilizado nos presentes autos, por violar ostensivamente as condições previstas no art. 9º, nº 3 da Lei nº 32/2008.

35 - O Recorrente não interveio na transmissão de dados que foram invalidamente recolhidas no proc. nº 166/17.0GCGMR e não integra nenhuma das categorias elencadas nas al. a) a c) do art. 9º, nº 3 da Lei 32/2008 de 17/07.

36 - Os presentes autos, violam grosseiramente o art. 32º nº8 da CRP e o art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

37 - No processo nº 166/17.0GCGMR houve um total desrespeito pelos princípios basilares da nossa Constituição.

38 - Não é compreensível nem aceitável, que um Tribunal, no âmbito de um processo e com carácter puramente persecutório, viole sucessivamente as disposições legais que têm como objectivo proteger os direitos fundamentais do cidadão.

39 - A actuação do Juiz de Instrução Criminal é em todo inaceitável, uma vez que, ao determinar a recolha dos dados de localização do telemóvel do arguido, no processo nº 166/17.0GCGMR, extravasou ostensivamente as suas competências e obteve um meio de prova através da intromissão...

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