Acórdão nº 939/19.0PBFAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução22 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No Juízo Local Criminal de Faro (J2) do Tribunal Judicial de Faro corre termos o processo Comum Singular n.º 939/19.0PBFAR, tendo no mesmo o arguido TRLF, filho de RAFM e de MAPLF, nascido a …, na Freguesia da …, Concelho da …, solteiro, residente na …, em …, sido acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p. e p. p. art.º 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a) do Código Penal

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, onde foi decidido (transcrição): “A - Condenar o arguido TRLF pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão

B - Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de 3 (três) anos, suspensão que será acompanhada de regime de prova assente num plano de reinserção social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais

Tal plano de reinserção social deverá, necessariamente, prever a sujeição do arguido às seguintes regras de conduta: a. Proibição de contactar, onde quer que seja, e por qualquer forma ou meio, com a ofendida FMRA, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta, à exceção dos contactos necessários a tratar de assuntos relacionados com a filha menor de ambos; b. Proibição de se aproximar da ofendida, bem como da residência desta, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi imposta; c. Obrigação de frequência do Programa para Agressores de Violência Doméstica, desenvolvido pela DGRSP; C - Não condenar o arguido em qualquer uma das penas acessórias previstas no n.º 4 do artigo 152.º do Código Penal;” Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “I – O arguido foi condenado a 3 anos de prisão suspensa na sua execução, contudo, a douta sentença padece de Inconstitucionalidade material do apontado preceito legal, - o art.º 127.º do CPP - no segmento ou dimensão normativa em que o douto acórdão decide contra prova produzida em julgamento

II - O art.º 127.º do CPP, na interpretação normativa ao condenar o arguido por factos em que a prova produzida em audiência é contraditória e contra a inocência, apenas com base num depoimento contraditório de FA, que nem a data é que apresentou a queixa soube informar o Tribunal e insistindo com convicção e credibilidade, numa data errada! O presente processo teve origem na queixa apresentada na PSP de …, no dia …, por FA contra o arguido, afirmando quera vítima de agressões em Maio de 2018 (conforme denuncia fls. dos autos)

III – O Tribunal a quo deu como provado que “1. O arguido e a ofendida FMRA mantiveram entre si uma relação amorosa com início em fevereiro de 2017 e término em meados de Janeiro de 2018, tendo coabitado entre Junho de 2017 e final de dezembro de 2017. “ IV - Contudo, o douto Tribunal a quo decidiu contra aquilo que ficou provado em Tribunal, acreditando “cegamente” no depoimento desta testemunha que em sede de julgamento afirmou que não desejava prestar declarações, em conformidade com o art. 134, n.º 1 al. b) do C. P. P., no entanto, após apesar de afirmar que apresentou queixa em 2018, com toda a certeza absoluta, apesar de constar no processo que foi em Julho de 2019, e depois de ser informada que não era o que estava no processo …. Aceitou que teria sido em 2019 …. O mesmo não aconteceu com o que está afirmado nessa mesma denúncia que a sua relação tinha terminado a relação em Janeiro de 2018 quando a testemunha RFM afirmou peremptoriamente e sem qualquer dúvida que FA viveu na sua casa até Dezembro de 2018, e mais referiu que o Seu filho nessa data foi sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica e a mesma porque residia naquela habitação e porque a lei assim exige assinou o consentimento para que fosse aplicada a pulseira electrónica naquela habitação

V - Para o efeito foi requerida a junção daquele documento que prova essa afirmação e que prova que naquela data, Dezembro de 2018 a FA residia com o arguido em condições análogas às de cônjuges, ficou o arguido prejudicado na sua defesa

VI - Para justificar a condenação do arguido neste processo o douto Tribunal a quo na sua motivação justifica “…valorou o tribunal o depoimento prestado pela ofendida FA, a qual, de forma séria, serena, embora emotiva, esclareceu o período de tempo em que teve um relacionamento amoroso com o arguido, e qual o período em que coabitaram em condições análogas às dos cônjuges.” Informada da possibilidade de se recusar a responder a perguntas sobre os factos ocorridos no período de coabitação, nos termos do disposto no artigo 134.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, a ofendida declarou pretender não responder a perguntas sobre tal período

Passou a descrever, então, as situações ocorridas após o término de tal coabitação, tendo sido a própria a delimitar, desse modo o período de coabitação

VII - A Testemunha RFM, durante todo o seu depoimento foi sempre interpretado como estivesse a proteger o filho quando o mesmo apenas estava a relatar a verdade, ninguém gosta que a sua palavra esteja constantemente a ser posta em causa, quando era este que sustentava a ofendida e o seu filho, a ofendida enquanto vive na sua casa nunca trabalhou e o filho estava sob a medida de coacção de OPHVE

VIII - Mais grave é não dar credibilidade ao depoimento da testemunha que sustentou tudo isto e que acabou de afirmar ao Tribunal que tanto ele como a sua mulher ficaram aliviados com o fim desta coabitação, como todos nós compreendemos deve ter sido um marco na vida destes pais

IX - Já quanto ao depoimento da testemunha F foi sempre a dizer que estava muito sensibilizada porque tinha sido mãe no mês anterior à data do julgamento e ainda afirmou convictamente de forma a fazer acreditar o douto Tribunal que apresentou queixa que deu origem a este processo em 2018, não fosse o Ministério Público avivar a memória à testemunha que o que contava nos autos é que teria sido em Junho de 2019…. E é com base neste depoimento que o Tribunal dá credibilidade de uma testemunha contra o depoimento de uma testemunha que depôs de forma clara que FA e TF viveram em condições análogas à de cônjuges na sua habitação até Dezembro de 2018! X - Face à matéria de facto dado como provada e à prova (ou à não prova) produzida em audiência de discussão e julgamento houve violação do princípio do “in dubio pro reo”, art. 32º da CRP

Teria o arguido ser absolvido da prática dos ilícitos criminais de que vinha acusado

XI - Pese embora a relevância do depoimento proferido pela testemunha com conhecimento directo dos factos em audiência de discussão e julgamento o tribunal decidiu em desfavor do arguido. Simplesmente por sua livre interpretação

XII - Não se atendendo à absolvição do arguido e só por dever de patrocínio se dirá ainda que deverá a pena de três anos de prisão ser diminuída ao limite mínimo

Violaram-se os artigos: 32º da CRP, 40º, n.º 2, 70º, 71º e 72º, 152.º, n.º 1 alínea b), e n.º 2, alínea a), do CP, 127º, 134º, n.º 1 al. b) do CPP.” Termina pedindo: “Termos em que (...) deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, absolvido o arguido da prática do crime de violência doméstica (...).” O recurso foi admitido

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição): “1 - Da motivação da decisão de facto da sentença fica-se a saber porque é que o arguido foi condenado. A prova testemunhal e documental foram devidamente valoradas

2 - Do exame crítico das provas ficou-se claramente a saber porque é que se deram como provados os factos que levaram à condenação do arguido (sendo desnecessárias quaisquer outras considerações face à fundamentação constante da sentença)

3 - A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (dentro desses pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova)

4 - A regra de que a convicção do julgador se deve fundar na livre apreciação da prova implica a possibilidade de dar como demonstrado certo facto certificado por uma única testemunha

5 - A prova produzida em audiência de julgamento é manifestamente suficiente para dar como provados os factos constantes da sentença, não se verificando qualquer erro notório na apreciação da prova

6 - É de referir que apenas existe erro notório na apreciação da prova quando para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulado no artigo 127 do C.P.P

7 - De salientar também que quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum

8 - A imediação e a oralidade é que transmitem com precisão o modo e convicção como as pessoas depuseram, nomeadamente a coerência e sequência lógica com que o fizeram , o tom de voz utilizado , o tempo e a forma de resposta, os gestos e as hesitações, a postura e as reacções, o que não pode ser completamente transmitido para a gravação

9 - Ao decidir como decidiu, não se alcança que o tribunal tenha valorado contra o arguido qualquer estado de dúvida em que tenha ficado sobre a existência dos factos, do mesmo modo que também não se infere que o tribunal recorrido, que não teve dúvidas, devesse efetivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, a valorar nos termos do princípio in dúbio pro reo

10 - Assim, face aos factos que foram provados...

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