Acórdão nº 408/21 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução08 de Junho de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 408/2021

Processo n.º 1074/2021

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. A A., S.A., interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), do acórdão proferido no Tribunal da Relação de Lisboa em 17 de setembro de 2019, que concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando o despacho do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que, em 13 de julho de 2020, reapreciou, a pedido da recorrente, o seu anterior despacho de 20 de maio de 2020 que fixara o efeito meramente devolutivo ao recurso de impugnação judicial da decisão administrativa da Autoridade da Concorrência que a sancionara em coima, decidindo alterar esse efeito por entender que se reuniam os pressupostos para a fixação do efeito suspensivo.

A recorrente delimitou, no requerimento de interposição do recurso, o objeto respetivo do seguinte modo:

«(…) A primeira questão de (in)constitucionalidade que se leva ao conhecimento e à apreciação de V.Ex.as coincide com as normas constantes dos n.os 4 e 5 do artigo 84.º da LdC interpretadas no sentido de que o recorrente que invoque prejuízo considerável com vista à atribuição de efeito suspensivo a recurso de impugnação judicial e se ofereça para prestar caução apenas poderá levar ao conhecimento do Tribunal os elementos de que dispõe à data da interposição do recurso, estando vedada a apresentação de novos dados supervenientes à referida interposição e sem que tenha ainda existido execução da decisão que atribui efeito ao recurso.

(…) A dimensão normativa do artigo 4.º, n.os 4 e 5, da LdC, acolhida pelo Acórdão recorrido, viola o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da Constituição, o direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º n.° 4, da Constituição, o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, as garantias de defesa tuteladas pelo artigo 32.°, n.os 1 e 10, da Constituição, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, e, ainda, o direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (…).

(…) A segunda questão de (in)constitucionalidade que se leva ao conhecimento e à apreciação de V. Ex.as coincide com as normas constantes dos n.os 4 e 5 do artigo 84.° da LdC, conjugados com o artigo 613.°, n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil ("CPC"), aplicável ex vi artigo 4.° do CPP e artigo 41.° do Regime Geral das Contraordenações (de ora em diante "RGCO") (…), interpretadas no sentido de que, proferida uma decisão sobre o prejuízo considerável que o pagamento da coima implicaria e sobre o efeito do recurso de impugnação judicial de decisão condenatória, o poder jurisdicional se esgota imediatamente, ainda que, antes de transitada em julgado essa decisão sobre o efeito do recurso, o Tribunal tome conhecimento de factos supervenientes que alteram os pressupostos de facto que determinaram a sua decisão sobre o prejuízo considerável que o pagamento da coima causaria ao recorrente.

(…) A nova dimensão normativa das normas constantes dos n.os 4 e 5 do artigo 84.° da LdC, conjugados com o artigo 613.°, n.os 1 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.° do CPP e artigo 41.° do RGCO, no sentido explicitado supra, acolhida pelo Acórdão recorrido, é materialmente inconstitucional, pois viola o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.°, n.° 2, da Constituição, o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.° da Constituição, o direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.°, n.° 4, da Constituição, o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.°, n.° 2, da Constituição, as garantias de defesa tuteladas pelo artigo 32.°, n.os 1 e 10, da Constituição, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, o direito à propriedade privada, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, e o direito à livre iniciativa económica, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, e, ainda, o direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 6." da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (…).

(…) A terceira questão de (in)constitucionalidade que se leva ao conhecimento e à apreciação de V. Ex.as coincide as normas constantes dos n.os 4 e 5 do artigo 84.° da LdC, conjugados com o artigo 613.°, n.os 1 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.° do CPP e artigo 41.° do RGCO, interpretadas no sentido de que, proferida uma decisão sobre o prejuízo considerável que o pagamento da coima implicaria e sobre o efeito do recurso de impugnação judicial de decisão condenatória, o poder jurisdicional esgota-se imediatamente, ainda que, antes de transitada em julgado, o Tribunal tome conhecimento da ocorrência de uma alteração de circunstâncias no quadro de uma situação de emergência epidemiológica com efeitos nos pressupostos de facto que determinaram a sua decisão sobre o prejuízo considerável e o efeito do recurso.

(…) A nova dimensão normativa das normas constantes dos n.os 4 e 5 do artigo 84.° da LdC, conjugados com o artigo 613.°, n.os 1 e 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 4.° do CPP e artigo 41.° do RGCO, no sentido escalpelizado supra, acolhida pelo Acórdão a quo, é materialmente inconstitucional, pois viola o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.°, n.° 2, da Constituição, o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.° da Constituição, o direito a um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.°, n.° 4, da Constituição, o princípio da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.°, n.°2, da Constituição, as garantias de defesa tuteladas pelo artigo 32.°, n.os 1 e 10, da Constituição, o princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º, n.os 1 e 4, da Constituição, o direito à propriedade privada, consagrado no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, e o direito à livre iniciativa económica, consagrado no artigo 61.º, n.º 1, da Constituição, e ainda, o direito a um processo justo e equitativo, consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (…).».

2. Pela Decisão Sumária n.º 151/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer da totalidade do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

«3. O presente recurso, interposto à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, depende da verificação cumulativa do seguintes requisitos: existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo da apreciação; esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida; e suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo [artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC].

Nestes termos, importa verificar se, in casu, tais pressupostos de admissibilidade do recurso se encontram preenchidos.

4. Da análise da admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto nestes autos, e independentemente de qualquer outra apreciação sobre os demais pressupostos de que depende o seu conhecimento de mérito, resulta manifesto que a recorrente não apresenta como objeto do recurso questões de constitucionalidade de natureza normativa.

Na verdade, os três enunciados interpretativos apresentados no requerimento de interposição do recurso traduzem-se em construções que por um lado, espelham a visão subjetiva da recorrente quanto à atividade subsuntiva levada a cabo pelo tribunal a quo, e, por outro lado, se alicerçam no resultado da aplicação do Direito ao caso concreto dos autos. Ora, tais enunciados, ao invés de reproduzirem o(s) critério(s) normativo(s) elegidos pelo tribunal a quo para decidir a questão que lhe cabia apreciar, refletem antes as particularidades únicas do caso concreto e da vertente casuística da decisão recorrida, valoradas de acordo com a perspetiva da recorrente, tais como a superveniência de «novos dados», designadamente decorrentes do «quadro de uma situação de emergência epidemiológica», que alegadamente implicaria uma alteração dos «pressupostos de facto» que determinaram a inexistência de prejuízo considerável na fixação do efeito devolutivo do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa e a não ocorrência do trânsito em julgado da decisão que fixou esse efeito ao recurso. Diga-se, aliás, que a visão da recorrente não reproduz a razão de decidir do tribunal a quo que assentou em norma extraída do artigo 84.º, n.º 5, da Lei da Concorrência (LdC), segundo a qual o pedido de fixação do efeito suspensivo aí previsto, bem como a alegação dos respetivos pressupostos, tem lugar no momento da interposição do recurso de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação de coima e, por outro lado, na regra prevista no artigo 613.º, n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal e do artigo 41.º do Regime Geral das Contraordenações, segundo a qual uma vez proferido o despacho que fixa o efeito do recurso de impugnação judicial daquela decisão administrativa, esgota-se, quanto a essa matéria, o poder jurisdicional do juiz.

Com efeito, os juízos de inconstitucionalidade que a recorrente formula não recaem, em rigor, sobre as normas tout court plasmadas nos segmentos dos preceitos...

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