Acórdão nº 1000/19.2T8CTB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelMOREIRA DO CARMO
Data da Resolução22 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório 1.

H..., SA, com sede em ..., intentou ação executiva para pagamento de quantia certa de 2.405.716,40€, contra C..., S.A – Em Liquidação, com sede em ..., com base em 4 empréstimos datados de 2010 a 2012, com sucessivas alterações, que a executada não pagou, apesar de a tanto instada.

A executada deduziu embargos, peticionando que na procedência dos mesmos a execução fosse declarada extinta. Para tanto, alegou que é detida pela Sociedade D..., que tem 97,451% do capital social, e pela exequente, que tem 0,035% do capital social. A exequente entrou no capital social da embargante por volta de 2010. Desde que é accionista da embargante a exequente celebrou com ela uma série de contratos de suprimentos, que vieram a ser objecto de aditamentos, onde foi alterada a taxa remuneratória dos suprimentos e diferido o prazo de reembolso dos mesmos. Os referidos contratos de suprimentos foram celebrados por escrito e sob a forma de documento particular, bem como os aditamentos que lhe sucederam, e as partes não fazem qualquer menção à força executiva dos mesmos. O último prazo de reembolso foi fixado para 31.12.2014, tendo a embargante sido dissolvida em Outubro de 2014. Os suprimentos foram conferidos com carácter de permanência, nunca tendo sido reclamado o seu pagamento pelo período de 5 anos e não obstante a exequente participar ativamente nas deliberações da embargante. Inclusivamente esta durante alguns exercícios contabilísticos à suspensão do cálculo dos juros dos suprimentos para não degradar os capitais próprios sob pena de entrar em insolvência e o processo de liquidação ficar sem efeito. Assim, e porque a mesma emprestou dinheiro à embargante na qualidade de acionista, com tal carácter de permanência, o contrato celebrado entre as partes foi de suprimento e não de mútuo. Foi estabelecido em Assembleia Geral que na liquidação primeiro se pagavam os credores e só depois, com o remanescente, se pagavam os suprimentos. O crédito ainda não é exigível, pelo que o título é insuficiente. Ao usar o presente meio processual, de molde a ultrapassar o disposto no art. 245º, nº 3, do CSC e o direito dos restantes credores da embargante, age em abuso do direito, nos termos do disposto no art. 334º do CC. A exequente contestou, infirmando toda a alegação da embargante.

* Em despacho saneador-sentença foi proferida decisão que julgou procedentes os embargos de executado, e, em consequência, absolveu a embargante da instância executiva e declarou extinta a execução.

  1. A exequente/embargada recorreu, concluindo que: ...

  2. A embargante contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

    II - Factos Provados ...

    III - Do Direito 1. Uma vez que o âmbito objetivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

    Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

    - Competência material do tribunal recorrido.

    - Existência de título executivo.

    - Abuso de direito do uso de ação executiva.

    2. Na sentença recorrida escreveu-se que: “E, aqui chegados, será então de atender que é objeto do litígio entre as partes a exigibilidade (ou não) dos designados “contratos de suprimentos” e “aditamentos aos contratos e suprimentos juntos aos autos principais como título executivo.

    Ora, e quanto a tal, desde já se circunstancia, de forma a enquadrar os ditos elementos supra que, muito embora o contrato de suprimento se encontre no Capítulo do Código das Sociedades Comerciais onde se encontram disciplinadas as sociedades por quotas, as respectivas disposições aplicam-se às sociedades anónimas.

    Com efeito, os suprimentos dos sócios à sociedade constituem uma forma de financiamento desta e as vantagens que daí resultam para os acionistas são as mesmas que militam a favor dos sócios nas sociedades por quotas, não se vislumbrando razões para impedir que nas sociedades anónimas os acionistas não possam conceder suprimentos à respetiva sociedade.

    Assim, o contrato de suprimento está hoje previsto e encontra o respectivo regime nas disposições dos arts. 243.º a 245.º do CSC.

    No n.º 1 daquele primeiro preceito vem definido como "o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência".

    Trata-se, pois, de um contrato especial, típico e nominado, que se revela como uma modalidade especial de mútuo em que sobressaem duas notas caracterizadoras: - ser a mutuária uma sociedade e o mutuante um seu sócio e ter o empréstimo carácter de permanência.

    Não é, porém, um contrato de mútuo com características especiais, uma modalidade de mútuo, mas, antes, um contrato de tipo próprio, autónomo, em que concorrem elementos comuns ao contrato de mútuo mas há um elemento social a considerar, pois que na prestação do sócio, que «contrata por ser sócio», está presente o fim social (RAÚL VENTURA, "Sociedades por Quotas", II, 99 e 125).

    Assim, o contrato de suprimento apresenta-se como um meio contratual especial de financiamento da sociedade pelos seus sócios Na falta de acordo expresso sobre a natureza do empréstimo, o "carácter permanente", enquanto elemento específico do contrato de suprimento, é definido por índices, que os n.ºs 2 e 3 do art. 243.º enunciam.

    Desta forma, eleva a lei a essa categoria de índices, por um lado, a estipulação de um prazo de reembolso superior a um ano, quer a estipulação seja contemporânea da constituição do crédito, quer seja posterior e, por outro lado, a não utilização da faculdade de exigir o reembolso devido pela sociedade durante um ano, contado da constituição do crédito.

    No entanto, e como também é consabido, em ambos os casos a permanência se funda no facto da duração do crédito, podendo a presunção ser ilidida pelo credor, demonstrando que o diferimento dos créditos corresponde a circunstâncias relativas a negócios celebrados com a sociedade, independentemente da qualidade de sócio- art. 243.º-4, 2.º segmento.

    (…) Certo é, porém, que a aqui embargada é socia da embargante e fez-lhe empréstimos, que a segunda aceitou; Tendo ambas reduzido tal vontade a escrito; E sendo tal em vários documentos que, sucessivamente, se complementaram; Na verdade, quer os juros relativos a tal, quer a forma de restituição foram sucessivamente objecto de acordos de vontade, com vista a sua alteração.

    Assim, entre as partes foi, entretanto, foram levados a cabo os designados “aditamentos ao contrato de suprimentos”, que tiveram por função diferir o prazo de reembolso dos mesmos, sendo no caso do 5.º aditamento ao contrato de suprimentos relativo a cada contrato de suprimento, alterar também a forma e momentos concretos de reembolso, e os juros quanto a tal.

    Sendo tais elementos assim finalmente fixados que que balizam os termos em que a embargada intenta a presente acção executiva.

    (…) Quanto a tal matéria, e como também é consabido, o art.º 128.º n.º 1 al. c) da LOSJ - determina a competência do Tribunal de Comércio.

    Assim, é evidente que este Tribunal é materialmente competente para conhecer da presente discussão, sendo a mesma competência do Tribunal de Comércio.

    Recordemos o que a respeito regula o art.º 128.º n.º1 da Lei 62/2013 de 26 de Agosto – Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ): “1– Compete aos juízos de comércio preparar e julgar: a)- Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização; b)- As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; c)- As ações relativas ao exercício de direitos sociais; d)- As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais; e)- As ações de liquidação judicial de sociedades; f)- As ações de dissolução de sociedade anónima europeia; g)- As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais; h)- As ações a que se refere o Código do Registo Comercial; i)- As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.

    2– Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.

    3– A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.” Pelo que, quanto mais não fosse, o conhecimento da presente situação sempre deveria ser incluída na alínea c) daquela norma, ou seja, no elenco de questões que, nos termos da legislação da organização judiciária em vigor e das regras de competência, devem ser resolvidas pelos tribunais de comércio, por se incluir no exercício de direitos sociais.

    Antes de mais, importará saber o que são direitos sociais, já que a lei os não define.

    Porém, a Jurisprudência e a Doutrina ajudam a esclarecer: Vejamos o que a este respeito diz o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 07-06-2011, Processo 612/08, disponível em www.dgsi.pt. “Devem incluir-se neste conceito, naturalmente, os direitos dos sócios previstos no art. 21 do Código das Sociedades Comerciais, como seja: quinhoar nos lucros, participar nas deliberações dos sócios, obter informação sobre a vida da sociedade e ser designado para os órgãos de administração e fiscalização da...

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