Acórdão nº 1153/18.7PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução16 de Junho de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório 1.1. A., interpôs recurso da sentença proferida pelo Juiz 1, Juízo Local Criminal de Viseu, do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, que o condenou pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1, al. a) e n.ºs 2 al a), 4 e 5 do Cód. Penal (na pessoa de M.) na pena de 3 anos de prisão, e ainda, pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º n.º 1, al. a) e n.ºs 2 al. a) do CP (na pessoa de S.) na pena de 3 anos de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução subordinada ao regime de prova, mediante plano a elaborar pela DGRS que deverá incidir sobre a prevenção do risco de reincidência com acompanhamento/supervisão por parte dos serviços de reinserção social, adaptado à situação pessoal do arguido, tendo ainda condenado o recorrente no pagamento da quantia €2500,00 à ofendida e de €1500,00, ao ofendido, a título de indemnização arbitrada oficiosamente.

1.2.

No recurso em apreciação o recorrente apresentou as seguintes conclusões: I. Vem o presente recurso interposto do despacho de 13.07.2020, com a Ref.ª 86414797, que indeferiu a inquirição da testemunha (e ofendida) M. em audiência de julgamento, bem como da sentença, de 8 de Outubro de 2020, que condenou o ora recorrente, pela prática de dois crimes violência doméstica, p. e p. pelos artigo 152.º, n.º 1, al. a), 2, al. a), 4 e 5 do Código Penal, numa pena de prisão (em cúmulo jurídico) de 3 (três) anos e 8 (oito) meses, suspensa na sua execução por igual período e, ainda, no pagamento aos ofendidos M., das quantias de €2500,00 e €1500,00, respectivamente, a título de arbitramento oficioso; II. O presente recurso tem por objecto: 1) A decisão de indeferimento da inquirição da testemunha (e ofendida) M., em julgamento – despacho de 13 de Julho de 2020 (cf. Ata da audiência de julgamento, com a Ref.ª 86414797); 2) A factualidade dada como provada, com a eliminação e/ou, se assim não se entender, a alteração da mesma, designadamente dos pontos 7 a 32 e, em consequência, dos factos 35 a 46, por erro na apreciação da prova (art. 410.º n.º 2 do CPP); 3) A incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos; e, finalmente, 4) O arbitramento de indemnização/reparação aos ofendidos M. e S., sem prévia comunicação ao arguido, para o exercício do contraditório; III. A inquirição da testemunha M., a quem foram tomadas declarações para memória futura, em sede de Inquérito, não é afastada ou precludida, antes expressamente prevista, quer pelos arts. 33.º, n.º 7 da Lei n.º 112/2009, de 16/09 e n.º 8 do art. 271.º do Código de Processo Penal (CPP), quer pelo Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2017; IV. A inquirição da ofendida em julgamento, requerida pelo arguido, não consubstancia legalmente uma “repetição” da prova testemunhal, nem a sua utilidade para a defesa do arguido, pode ser aferida pelo Tribunal, após a produção da demais prova testemunhal; V. A inquirição das testemunhas deve ser feita, sempre que possível, em audiência, ainda que ouvidas, em fase processual anterior, em declarações para memória futura, sob pena de violação dos princípios gerais de processo penal da imediação (art. 355.º do CPP), da oralidade (art. 96.º do CPP) e do direito do arguido a um processo justo e equitativo, mediante, designadamente, o cabal exercício do contraditório (cf. n.º 5 do art. 32.º da CRP); VI. Tal indeferimento coarctou o direito de defesa do arguido e impediu a ofendida de exercer o seu direito, inalienável, de se recusar a depor (art. 134.º, n.º 1 do CPP) ou de, depondo, o poder vir a fazer em benefício do arguido (Cfr., entre outros, o Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2017, Processo 895/14.0PGLSB.L1-A.S1 e Ac. TRL de 11.01.2012, Proc. n.º 689/11.5PBPDL-3, ambos disponíveis in www.dgsi.pt); VII. Além da aludida inquirição ser possível, não decorre, de igual modo, dos autos ou da fundamentação do despacho de indeferimento, qualquer concreto perigo para a sua saúde física ou psíquica; VIII. Para a inquirição de testemunhas em sede de julgamento não se encontra legalmente prevista a exigência de indicação dos concretos factos sobre as quais irá depor; IX. Tal inquirição era, além do mais necessária, atenta a sua manifesta contradição, em factos essenciais (v.g. os crimes imputados ao arguido relativamente ao ofendido S. e na descrição feita dos demais factos dados como provados na sentença), com o depoimento da testemunha (e denunciante) S., no qual, de resto, o tribunal a quo sustentou a condenação do arguido; X. Devem ser eliminados e/ou alterados os factos provados os pontos 7 a 32 e, em consequência, os “factos” 35 a 46, por insuficiência e contradição dos elementos probatórios constantes dos autos e produzidos em audiência, nos termos constantes da motivação ínsita no ponto II-A do presente recurso; XI. Os factos 7 a 32 (à excepção dos factos 18, 27 e 32, a que a ofendida também aludiu nas suas declarações) resultam do depoimento da testemunha S., o qual, atento o seu interesse pessoal no processo (denunciante), a relação de manifesta inimizade com o arguido, as contradições patentes no seu depoimento (como resulta da audição integral do seu depoimento em que apresentou duas versões dos factos diametralmente inversas (Cfr. depoimento gravado no dia 09.03.2020, das 10:12:58 às 11:08:11 e das 11:11:59 às 12:22:05) e das incongruências do mesmo no confronto com as declarações para memória futura da ofendida, jamais poderia ter sido valorado pelo Tribunal a quo como isento, credível e fidedigno, devendo aqueles ser, por essa razão, eliminados do elenco dos factos provados; XII. Caso assim não se entenda, sempre se impõe a alteração da matéria vertida nos pontos 14 a 17, que foram infirmados pela própria testemunha S., negando que, além da agressão do dia 28 de Agosto, tivesse presenciado qualquer outra (Cfr. depoimento gravado, em 09.03.2020, das 11:11:59 às 12:21:17, designadamente a partir do minuto 25:49); XIII. Do ponto 14 deve ser eliminada a expressão “e que sabia que tinha dinheiro e que se não tivesse que se podia deitar debaixo de vários homens e assim arranjava dinheiro”, negada pela própria testemunha S., que presenciou aquela conversa (Cfr. depoimento gravado em 09.03.2020, das 11:11:59 às 12:21:17, designadamente a partir do minuto 9:00); XIV. Devem ser eliminados os pontos 15 a 17, por coincidência com a factualidade descrita nos pontos 18 e seguintes, bem como os pontos 23 a 27, já que, no referido dia 28 de Agosto terá ocorrido apenas uma agressão, como afirmado quer pela ofendida, quer pela testemunha S.; XV. Deve ser, igualmente, eliminado da factualidade provada o ponto 31, que não resultou quer das declarações para memória futura da ofendida (cf. transcrição de fls. 234 a 252 dos autos), quer do depoimento da testemunha S.; XVI. Também o ponto 44 deve ser eliminado, já que tal “factualidade” não resulta das declarações para memória futura da ofendida, e foi negada pela testemunha S. (Cfr. depoimento gravado, no dia 09.03.2020, das 11.11:59 às 12:21:15, a partir, sensivelmente, do minuto 01:04:37); XVII. Se procedente (ainda que apenas parcialmente) a impugnação da matéria de facto, eliminando-se ou alterando-se os factos 7 a 32, importará a este Venerando Tribunal, apreciando a globalidade, a delimitação temporal e o contexto daqueles, determinar se estes conformam ou não a prática de crimes de violência doméstica ou, ao invés, a prática de eventuais crimes de injúrias e ofensas à integridade física contra os ofendidos, conforme aduzido na motivação do presente recurso, designadamente no ponto C); XVIII. A este propósito, convirá atentar no teor das declarações para memória futura da ofendida (de fls. 234 a 252), das quais resulta: 1) que foi vítima de duas agressões (uma em 28 de Agosto de 2018 e outra pouco tempo antes do dia 8 de Julho de 2019 – esta última, atenta a data, não incluída nos factos imputados ao arguido na acusação pública, nem aditada oficiosamente pelo Tribunal a quo, através da alteração não substancial dos factos, prévia à leitura da sentença, em 8 de Outubro de 2020; 2) que foi negada qualquer agressão pelo arguido contra o menor S. ou a ocorrência de queda deste; 3) que o arguido e a ofendida se agrediram e insultaram mutuamente e 4) que jamais presenciou qualquer agressão do arguido na pessoa do S., não tendo feito qualquer alusão a quaisquer injúrias dirigidas pelo arguido àquele; XIX. Finalmente, também a condenação do arguido no pagamento de uma indemnização aos ofendidos, oficiosamente arbitrada pelo Tribunal a quo, configura uma autêntica decisão-surpresa; XX. Não foi comunicada pelo Tribunal a quo ao arguido a possibilidade da sua condenação naquela indemnização, não lhe tendo sido permitido, assim, o exercício do seu direito inalienável ao contraditório, em violação flagrante do disposto no art. 82.º-A, n.º 2 do CPP (Cfr. Acórdãos do TRC de 24.04.2018, no Proc. 709/16.7PBFAR.C1 e de 22.01.2014, no proc. n.º 73/12.3PBCBR e do TRE de 28.10.2019, no proc. n.º 231/18.7PATVR.E1, todos disponíveis in www.dgsi.pt); XXI. Nem, tão-pouco, foi aquela comunicada aos ofendidos, que não deduziram qualquer pedido de indemnização, nem estiveram presentes na audiência de julgamento, impedindo-os, assim, de, querendo, expressamente se oporem a tal arbitramento, ao abrigo do n.º 2 do art. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16/09.

XXII. O Tribunal a quo, ao...

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