Acórdão nº 984/16.7T9BRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução07 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório 1. Em processo comum (Tribunal singular) com o nº 984/16.7T9BRG a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz 2, após ter sido determinado o reenvio do processo para novo julgamento, foi proferida sentença, datada de 10/12/2020, com a seguinte decisão (transcrição): “Decisão Pelo exposto, julgando-se improcedente a acusação pública, absolvem-se as arguidas L. F. e M. D. da prática, como autoras materiais, dos dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1 e 3, do Código Penal, que lhes estavam imputados.

*Notifique e deposite.”*2 – Não se conformando com a decisão, a assistente S. P.

interpôs recurso, oferecendo as seguintes conclusões (transcrição): “ 1.

ª - A Assistente, aqui recorrente, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, discorda da douta sentença recorrida, pelo que vem, pelo presente, interpor recurso da mesma, que decidiu absolver as arguidas, L. F. e M. D. da prática, como autoras materiais, dos dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal que lhe eram imputados.

  1. ª - Numa primeira fase, existiu uma sentença primitiva, que absolveu as arguidas, L. F. e M. D. da prática, como autoras materiais, dos dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo artigo 148.º, n.º 1 do Código Penal, que lhe eram imputados.

  2. ª - Os assistentes, R. F. e S. P., interpuseram recurso dessa decisão, invocando a nulidade da sentença por falta de enumeração na factualidade provada e não provada de todos os factos constantes da acusação, impugnando a matéria de facto dada por provada e não provada e sustentando que as condutas das arguidas preenchiam todos os pressupostos legais do crime imputado, pelo que deviam ser condenadas.

  3. ª - Na instância de recurso, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, no qual invocou o vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, por insuficiência da matéria de facto para a decisão, pugnando pela procedência dos recursos.

  4. ª - O Recurso foi apreciado, do qual resultou acórdão, que concluiu que do texto da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum, decorria o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP e não sendo possível ao tribunal de recurso suprir o aludido vício, determinou o reenvio do processo para novo julgamento para resposta a algumas questões, ficando as demais questões prejudicadas por esta decisão, concedendo, assim, o Tribunal de Recurso provimento aos recursos interpostos pelos assistentes, R. F. e S. P..

  5. ª - Como resultado desse novo julgamento, foi proferida nova decisão, que julgou improcedente a acusação pública e absolveu, novamente, as arguidas, L. F. e M. D., como autoras materiais dos dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, p. e p., pelo artigo 148.º, n.º 1 e 3 do Código Penal que lhe estavam imputados, sendo desta nova decisão que se interpõe o presente recurso.

  6. ª - Salvo o devido respeito pela posição vertida na douta sentença primitiva e agora na nova sentença proferida nos autos e ora posta em crise, entende-se que ambas padecem de vícios, pois, para além de procederem a um incorrecto julgamento da matéria de facto, não extraem de forma correcta as consequências jurídicas da matéria de facto apurada no decurso da audiência de julgamento.

  7. ª - O tribunal a quo, na sentença primitiva, e na actual sentença, desconsiderou, em absoluto, o depoimento dos assistentes e demais testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo tirado conclusões sem qualquer fundamentação e até contraditórias em relação ao que cada um referiu em concreto, até mesmo e com referência ao depoimento das próprias arguidas.

  8. ª - Pretende, assim, a aqui recorrente, recorrer da matéria de facto dada como provada e não provada, por entender que outra decisão deveria ter sido tomada quanto a este aspecto, pois que perscrutando-se a matéria de facto e bem assim a matéria de direito excelsiamente vertida na sentença em crise, julga-se, respeitosamente, não se poder concordar com o elenco dos factos provados/não provados e que influirá na decisão tomada e na aplicação do direito ao caso.

  9. ª - No mais, contra a matéria de facto dada como provada e não provada, insurge-se a assistente, S. P., aqui recorrente, pois que perscrutando-se a matéria de facto e bem assim a matéria de direito excelsiamente vertida na sentença em crise, julga-se, respeitosamente, não se poder concordar com o elenco dos factos provados/não provados e que influirá na decisão tomada e na aplicação do direito ao caso.

  10. ª - Assim, salvo o devido e merecido respeito pela decisão ora em crise, entende a aqui recorrente, contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo na decisão primitiva e reproduzida nesta nova decisão proferida pelo tribunal a quo, que da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não resultaram provados os factos constantes dos pontos 22 e 23 da matéria de facto dada como provada com referência às contestações, devendo antes estes factos ser considerados como não provados.

  11. ª - Por outro lado, resultou provado, sendo que o tribunal a quo deu este facto como não provado, o facto constante da alínea d) dos factos não provados, nomeadamente que as arguidas conseguissem vigiar todas as crianças que lhes tinham sido entregues na valência da creche, ao mesmo tempo que preparavam a comida e lhes davam a refeição.

  12. ª - Foram, por outro lado, considerados como provados pelo tribunal a quo, no novo julgamento realizado, os factos constantes das alíneas k), j) (incorrectamente designado por alínea j), pois deveria ser a alínea l), m) e n), devendo antes estes ser considerados como não provados, tendo o tribunal a quo, em ambas as audiências de discussão e julgamento realizadas, desvalorado parte significativa da prova testemunhal, nomeadamente o depoimentos dos assistentes e demais testemunhas inquiridas, fazendo uma valoração errada dos seus depoimentos.

  13. ª - Deste modo, cumprindo o ónus da impugnação da matéria de facto, como lhe compete, a aqui recorrente procedeu, nestes concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e que referiu, à demonstração dos concretos meios probatórios, constantes do processo e registo em gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre estes pontos de facto aqui impugnados.

  14. ª - Assim, encontram-se as arguidas acusadas de dois crimes de ofensa à integridade física por negligência, P. e P. pelo artigo 148.º do Código Penal que refere que comete este ilícito penal “quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa”.

  15. ª - Este crime tipifica, assim, como criminalmente puníveis, aqueles comportamentos imprudentes ou inadvertidos, negligentes portanto, que têm como consequência lesões na integridade físico-psíquica de outros, tratando-se dum crime de resultado que pode ser cometido tanto por ação como por omissão, segundo o previsto no artigo 10.º do Código Penal.

  16. ª - Por outro lado, de acordo com o artigo 15.º deste mesmo Código, age com negligência “...quem não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias está obrigado, e de que é capaz”, sendo, assim, necessário que esteja preenchido o seu elemento específico, que é a violação de um dever objetivo de cuidado.

  17. ª - Assim, o conteúdo do dever objetivo de cuidado é uma consequência da previsibilidade ou da justa previsão da lesão de um bem jurídico, tendo-se para o efeito em conta o momento em que essa diligência devia efetuar-se, ocorrendo a violação desse dever de cuidado ou de diligência desde que tais regras jurídicas não sejam tomadas em conta, e, portanto, da omissão dum dever de previsão.

  18. ª - Deste modo, em sede de tipo de ilícito negligente para que exista crime é necessário que se verifique: a violação de um dever objetivo de cuidado que pode ter origem legal autónoma, se derivar de certas normas que visem prevenir perigos ou tão- somente derivar de certos usos e costumes ou da experiência comum; a produção de um resultado típico; a imputação objetiva do resultado à ação; a violação do dever de cuidado tem que ser causa adequada do resultado, sendo-o quando, de acordo com um juízo de prognose póstuma, segundo a experiência normal, for idóneo a produzir aquele resultado que é uma consequência normal e típica daquela ação e a imputação subjetiva ou previsibilidade e evitabilidade do resultado.

  19. ª - Assim, quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, podia ou devia, segundo as regras da experiência comum e as suas qualidades e capacidades pessoais, ter representado como possíveis as consequências da sua conduta, poder-se-á afirmar o conteúdo da culpa própria da negligência e punir-se o agente que, não obstante a sua capacidade pessoal, não usou o cuidado necessário para evitar o resultado cuja produção ele teve como possível ou podia ter previsto.

  20. ª- Confrontando-nos perante um crime negligente de resultado há que atender que, para o preenchimento do tipo de ilícito, não basta que se verifique o resultado e que se verifique a violação do dever objetivo de cuidado, pois que não se pode prescindir da imputação objetiva do resultado.

  21. ª - Deste modo, mesmo que se verifique a violação de um dever objetivo de cuidado, não se pode imputar a responsabilidade ao agente se a norma de onde esse dever de cuidado emanava não tinha por finalidade evitar resultados como o produzido.

  22. ª - Como já o dissemos, este crime também pode ser cometido por omissão - crime omissivo impróprio ou impuro -, sendo que para a sua verificação se exige a ausência de ação, como ato voluntário, a capacidade fáctica de ação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT