Acórdão nº 00205/16.2BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório E.

e I.

, no âmbito da Ação Administrativa intentada pela ASE – Associação de Solidariedade (...), tendente, em síntese, a: “

  1. Serem os Réus condenados a reconhecer a Autora como dona da fração correspondente ao 3.º andar D, do Bloco 224 da Urbanização (...), inscrita na matriz predial urbana da extinta Freguesia de (...) o artigo 2582 A e descrita na Conservatória do Registo Predial (...) sob o n.º 1282 A; B) Serem os Réus condenados a pagar à Autora as rendas vencidas entre 1 de Março de 2012 e 30 de Junho de 2014, não pagas, no valor de 6.659,92 euros, valor a que deve ser deduzidos o montante pagos pelos Réus de 986,30 euros, estando, por isso, em dívida a quantia de 5.673, euros (cinco mil seiscentos e setenta e três euros e sessenta e dois cêntimos).

Inconformados com o Acórdão proferido em 26 de outubro de 2020 que julgou a ação procedente, condenando-os, nomeadamente, no pagamento à Autora, aqui Recorrida, de 5.673,62€, vieram interpor recurso jurisdicional do referido Acórdão, proferido em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro.

Formulam os aqui Recorrentes/E.

e I.

nas suas alegações de recurso, apresentadas em 2 de dezembro de 2020, as seguintes conclusões: 1. “A douta sentença recorrida, ao considerar que os Réus deveriam ter entendido como um ato administrativo, emanado de um ente da Administração Pública dotado de jus imperium, a comunicação em que a Autora lhes transmite deliberar aplicar ao contrato de arrendamento o regime de renda apoiada e os termos em que determina o valor do arrendado, sendo certo que tal entendimento jamais seria percecionado por qualquer declaratário normal colocado na posição dos Réus, violou o disposto no artigo 236.º do Código Civil; 2. A aludida sentença, ao atribuir à Autora a qualidade sujeito público dotado de jus imperium, que exerceu na referida comunicação aos Réus, e não relevando que a mesma jamais lhes prestou quaisquer informações e esclarecimentos que lhes permitissem adequar o seu comportamento, desconsiderou, em especial, os princípios da boa-fé e da colaboração com os particulares a que estaria vinculada nos termos do estipulado nos artigos 10.º e 11.º, respetivamente, do Código do Procedimento Administrativo; 3.

É manifesto que o comportamento da Autora, por ação - recorrendo à instância cível - e omissão - abstendo-se de elucidar cabalmente os Réus da qualidade em que atuou - induziu os Réus em erro quanto aos termos e moldes em que poderia impugnar as suas deliberações.

Assim, pelo menos, deveria a sentença recorrida ter decidido conferir aos Réus a possibilidade de impugnar o que qualificou como ato administrativo no prazo de três meses a contar do trânsito em julgado dessa decisão, conforme previsto na alínea b), do n.º 3, do artigo 58.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.

  1. Ao fixar a renda com base numa área útil do prédio muito superior à que o prédio realmente tem e com base em estado de conservação aleatório, pois não foi determinado por exame ao local, a A. inflacionou infundadamente o valor da renda que exige, procurando locupletar-se indevidamente à custa dos RR., violando os mais elementares princípios que devem ser respeitados em toda a contratação, o que constitui manifesto abuso de direito nos termos em que este conceito se mostra definido pelo artigo 334º do Código Civil.

  2. Como se decidiu nos arestos do Tribunal da Relação do Porto de 3 de abril de 2001, proferido no processo 127/2001 da 29 Secção e do Supremo Tribunal de Justiça de 05/11/2001 no processo 2676/01-6.

Termos em que, e nos que V. Ex.ªs doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada, com o que se fará Justiça.” Em 12 de fevereiro de 2021 veio a Recorrida ASE - Associação de Solidariedade (...) apresentar as suas Contra-alegações de Recurso, nas quais discorreu: “A douta sentença recorrida não viola qualquer dispositivo legal, nem merece qualquer censura.

A Autora/Recorrida sempre atuou no estrito cumprimento da legislação, prestando todos os esclarecimentos que se impunham aos Réus/Recorrentes, atuando no cumprimento dos poderes que a lei lhe confere.

Os Réus/Recorrentes é que, por sua vez, sempre demonstraram muita dificuldade em reconhecer a Autora como proprietária do imóvel, uma vez que entendiam que, em vez do IGAPHE ter cedido a sua posição à ASE, deveria ter doado o imóvel aos arrendatários por aí residirem desde que o imóvel foi construído.

Todavia, como é consabido, ninguém pode invocar o desconhecimento da lei, para não a cumprir, expediente que, agora, os Réus/Recorrentes decidiram usar.

A Autora/Recorrida apenas propôs inicialmente a ação na instância cível, pelo facto da tramitação ser mais célere, com esperança que os Réus ficassem cientes de que não iria desistir de cobrar judicialmente a dívida e encetassem negociações com vista a um acordo.

A estratégia, obviamente, não obteve sucesso, pelo que a Autora recorreu ao disposto no artigo 99º, nº 2 do Código Processo Civil.

Pelo exposto, em nossa opinião e com o devido respeito por outra melhor, o recurso apresentado não merece provimento JUSTIÇA” O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por despacho de 12 de fevereiro de 2021.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 01/03/2021, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes/E.

e I.

, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando verificar, designadamente, a suscitada desconsideração dos “princípios da boa-fé e da colaboração com os particulares”.

III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade: “A.

Em 1 de Junho de 1981, foi celebrado contrato de arrendamento entre o Fundo de Fomento da Habitação e E., ora Réu, já na época casado com a Ré I., pelo qual o primeiro deu de arrendamento ao segundo o 3.º andar D, do Bloco D, do Bairro (...) 1, em (...) – cfr. doc. n.º 1 da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; facto não controvertido.

B.

O contrato de arrendamento dos Réus foi celebrado por um prazo de um ano, com início em 1 de Junho de 1981, considerando-se sucessivamente renovado por iguais períodos se não for denunciado por qualquer dos outorgantes com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo contratual – cfr. doc. n.º 1 da p.i. que se dá por integralmente reproduzido (cfr cláusula II do doc. 1); facto não controvertido.

C.

A Cláusula IV do referido contrato estipula que: "Quando a renda não for paga no prazo estabelecido no presente contrato, disporá o inquilino de 15 dias para efetuar o seu pagamento aumentada de 15% sobre o respetivo montante; decorrido este prazo ficará o arrendatário obrigado a pagar, além das rendas em atraso, uma indemnização igual a 50% do que for devido" – cfr. doc. n.º 1 da p.i. que se dá por integralmente reproduzido (cfr cláusula II do doc. 1); facto não controvertido.

D.

A cláusula III do contrato de arrendamento estabelece que "A renda mensal é de 5.650,00 escudos (cinco mil e seiscentos e cinquenta escudos), atualizável nos termos do artigo 21.º do Decreto-lei n.º 49.033, de 28 de Maio de 1969 e será paga nos primeiros oito dias e de cada mês na Caixa Geral de Depósitos" – cfr. doc. n.º 1 da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; facto não controvertido.

E.

O 3.º andar D, do Bloco 224 (antes designado por Bloco D) encontra-se inscrito na matriz predial urbana da extinta Freguesia de (...) sob o artigo 3582-A descrito na Conservatória do Registo Predial (...) sob o n.º 1282 A – Cfr. docs. 2 e 3 da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; facto não controvertido.

F.

Em 13 de Outubro de 1988, o Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado (IGAPHE), através da Direção de Gestão Habitacional do Centro, comunicou a atualização de renda social aos inquilinos ora Réus, mas manteve o mesmo valor - Cfr. doc. n.º 5 da p.i. que se dá por integralmente reproduzido; facto não controvertido.

G.

O Fundo de Fomento à Habitação, entretanto, foi extinto, tendo-lhe sucedido o IGAPHE - Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado – facto não controvertido.

H.

Com fundamento e nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30.12, em 22 de Fevereiro de 2005, o IGAPHE celebrou com a ASE, ora Autora, instrumento escrito denominado de “transferência de património, direitos e obrigações do IGAPHE para a “ASE – ASSOCIAÇÃO DE SOLIDARIEDADE (...)” AUTO DE CESSÃO, com o teor constante no doc. n.º 4 da p.i. que se dá por integralmente reproduzido, no qual consta o seguinte que ora se transcreve na parte que releva: “CLÁUSULA PRIMEIRA Nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, atenta a deliberação do Conselho Diretivo do IGAPHE, de 30/11/2004, que aprovou a proposta da Comissão de Avaliação nomeada nos termos e para os efeitos previstos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 83/2004, de 21 de Maio, o IGAPHE transfere para a ASE, e esta aceita, sem quaisquer contrapartidas: a) o direito de propriedade e os respectivos direitos e obrigações sobre as frações autónomas sitas no Bairro (...), em (...), freguesia de (...), concelho de (...), descritas no Anexo I ao presente auto de cessão que dele faz parte integrante para todos os efeitos; b) os direitos e obrigações sobre as frações autónomas em regime de propriedade resolúvel sitas no Bairro (...), descritas no Anexo II ao presente auto de cessão que dele faz parte integrante para todos os efeitos.

(…) CLÁUSULA SEGUNDA 1. A ASE, juntamente...

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