Acórdão nº 3534/20.7T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. Relatório A. C.

    intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Empreendimentos Turísticos X, Lda.

    e Empreendimentos Turísticos Y, Lda.

    , pedindo a condenação das rés a pagarem-lhe a quantia total de 36.188,28 €, assim discriminada: a) 32.102,45 € a título de indemnização prevista no art. 396.º do Código do Trabalho; b) 150,00 € a título de acerto referente ao mês de Fevereiro de 2020; c) 872,00 € a título de salário do mês de Março de 2020; d) 1.754,00 € a título de férias e subsídio de férias vencido a 01/01/2020; e) 581,33 € a título de proporcionais de férias e subsídio de férias relativos ao ano da cessação do contrato; f) 290,65 € a título de proporcionais de subsídio de Natal referente ao ano da cessação do contrato; g) 437,85 € a título de horas de formação que a autora nunca teve e que se convertem em créditos exigíveis dos últimos três anos.

    Alega, em síntese, que foi contratada pela primeira ré em 01/09/1992, para prestar trabalho, sendo à data da cessação do contrato secretária de direcção e auferindo a retribuição mensal de 722,00 €, acrescida de subsídio de alimentação variável e de 150,00 € mensais pagos em dinheiro, sem menção no recibo de vencimento. Apesar de inicialmente contratada apenas pela primeira ré, passou a trabalhar na sede da segunda e a fazer mensalmente a sua facturação e praticar uma série de actos para ela, sendo esta quem passou a transferir-lhe a retribuição, desde Março de 2018, muito embora nunca lhe tenha sido comunicada qualquer transmissão. Por força da falta de pagamento de retribuições, resolveu com justa causa o contrato de trabalho com efeitos a 01/04/2020, pretendendo a condenação das rés no pagamento das retribuições em falta, indemnização pela resolução com justa causa e os outros créditos laborais que identifica.

    A ré Empreendimentos Turísticos X, Lda. contestou, admitindo a existência do contrato de trabalho invocado e negando o pagamento de 150,00 € adicionais. Sustenta a inexistência de justa causa por à data do envio da carta de resolução ainda não terem decorrido 60 dias desde a data de vencimento das retribuições cuja falta de pagamento é invocada. Mais alega que aquela falta de pagamento não decorreu de culpa sua, antes da situação económica que estava a atravessar. Reconhece ser devedora à autora da quantia de 2.731,75 € de férias e subsídio de férias vencidos em 01/01/2020 e proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal do ano da cessação, mas invoca a compensação de tal valor com o da indemnização por falta de aviso prévio, por força da ilicitude da resolução do contrato de trabalho, no valor de 1.444,00 €. Termina, pedindo a procedência parcial da acção, com a compensação dos créditos recíprocos nos termos invocados.

    A ré Empreendimentos Turísticos Y, Lda. contestou, arguindo a sua ilegitimidade por nunca ter celebrado qualquer contrato de trabalho com a autora e impugnando toda a matéria de facto alegada na petição inicial. Termina, pedindo a sua absolvição da instância ou a improcedência da acção.

    No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da ré Empreendimentos Turísticos Y, Lda. e dispensou-se a selecção da matéria de facto.

    Realizada a audiência de julgamento, pelo Mmo. Juiz a quo foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: «Assim, e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno as rés Empreendimentos Turísticos X, Lda. e Empreendimentos Turísticos Y, Lda. a pagarem à autora A. C. as seguintes quantias: a) 722,00€ a título de salário do mês de março de 2020; b) 1.444,00€ a título de férias e subsídio de férias vencido a 01/01/2020; c) 541,50€ a título de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao ano da cessação do contrato; d) 624,00€ a título de horas de formação profissional não prestada.

    Custas por autora e rés na proporção do respetivo decaimento, nos termos do disposto no art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, sendo 90,79% para a autora e 9,21% para as rés – sem prejuízo do apoio judiciário concedido à autora.» A autora veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o tribunal a quo, julgar parcialmente procedente o pedido da autora, absolvendo os rés quanto ao montante devido a título indemnizatório, fundamentando na não existência de culpa das rés nos factos que levaram à resolução.

  2. Dispõe o art. 394.º do Código do Trabalho que ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

  3. Tratando-se de uma justa causa culposa assiste ao trabalhador o direito à indemnização pela quebra do vínculo laboral, conforme o nº1 do art. 396.º do Código do Trabalho.

  4. Para efeitos de averiguação da culpa do empregador há que que distinguir consoante o atraso no pagamento da retribuição não atinja os 60 dias ou atinja 60 ou mais dias 5. Quer isto dizer que, “pensamos que se trata de uma presunção juris et de jure, portanto não afastável por prova em contrário, mas que não exclui a possibilidade de qualificar como culposas outras situações de incumprimento da obrigação retributiva, ainda que a falta de pagamento não perdure por 60 dias (…)”.

  5. Em sentido semelhante, “importa, no entanto, não olvidar que: i) a culpa do empregador presume-se, ao abrigo do disposto no art. 799.º, n.º 1, do C.Civil, nos termos do qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua»” 7. In casu, importa referir que não obstante não ter ocorrido um atraso no pagamento da retribuição superior a 60 dias a culpa do empregador se presume nos termos gerais do art. 799.º do Código Civil, admitindo prova em contrário (como sucede com os demais comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa culposa).

  6. Em conformidade com as regras gerais relativas ao ónus da prova, compete ao trabalhador provar a existência do comportamento do empregador subsumível a qualquer uma das alíneas referidas no n.º 2 do art. 394.º, ou outro que, não estando ali expressamente previsto, viole os seus direitos e garantias, por força do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, e que importe por isso a justa causa da resolução do contrato.

  7. E, em sentido oposto, cumpre à entidade patronal demonstrar que esse comportamento não procede de culpa sua, nos termos do art. 799.º do mesmo diploma legal.

  8. Ora, não se compreende como considera o tribunal a quo, que as rés lograram ilidir a presunção de culpa que sobre elas impendia.

  9. Dando, para tal, como provado que as recorridas nos primeiros meses do ano sofreram de constrangimentos financeiros.

  10. Todavia, somos a entender que não basta a mera invocação pelo empregador/recorridas de problemas de tesouraria para afastar o juízo de censura ético-jurídico em que se traduz a culpa pela falta de pagamento pontual das prestações salariais.

  11. Os trabalhadores, como se sabe, organizam a sua vida e os seus compromissos em função do montante e da data em que a retribuição lhes é paga; têm prazos certos para satisfazer esses compromissos e cumprir as obrigações relacionadas com o pagamento da renda ou da prestação da casa, com a alimentação, com a educação dos filhos e outras despesas fixas que não se compadecem, de modo algum, com a prática seguida pela recorrida, constituindo tal incumprimento reiterado lesão grave dos seus interesses.

  12. Esta instabilidade provocada pelo comportamento das rés, infere-se do ponto I, dos fatos provados: “o estabelecimento das rés fechou a 17/03/2020 em virtude do estado de emergência que assolou o país, tendo os trabalhadores sido mandados para casa sem saber quando iriam receber as quantias ainda em dívida, nem quando regressariam ao trabalho”.

  13. Por outro lado, é frequente, as empresas com salários em atraso, invocarem como causas de justificação do facto e de exclusão de culpa “dificuldades de tesouraria” ou “constrangimentos financeiros”.

  14. Mas não basta a invocação de que o objecto social das recorridas é a realização de eventos, e por isso, tradicionalmente nos primeiros meses do ano a procura desses serviços ser mais baixa, o que origina constrangimentos financeiros, para afastar o juízo de censura ético-jurídico em que se traduz a culpa.

  15. Expressões como “dificuldades de tesouraria” ou “constrangimentos financeiros” são inconclusivas e de concreto nada esclarecem, configurando, quando muito, uma mera “difficultas praestandi” e não uma impossibilidade efectiva de pagar.

  16. Além de que, esses problemas de tesouraria podem, eles próprios, ter resultado de condutas culposas da própria Ré ou do seus sócios, e para afastar a mencionada presunção de culpa era essencial que a mesma demonstrasse, em termos concretos, em que consistiram esses problemas de tesouraria qual a sua génese, que não contribuíram para o seu surgimento, nem para o seu agravamento e que adoptaram todas as diligências que lhes eram exigíveis para remover esses problemas e pôr termo a essa situação para poder efectuar o pagamento pontual da retribuição aos seus trabalhadores.

  17. Como resulta dos autos, as dificuldades económicas vivenciadas pelas recorridas foram meramente alegadas por estas, não tendo sido de nenhuma forma concretizado, desde logo por recurso a quaisquer elementos contabilísticos, ou outros meios de prova.

  18. Ademais tais constrangimentos financeiros foram refutados em diversos testemunhos no decurso da sessão de julgamento, desde logo pela recorrente e a testemunha R. F., 21. Pelos testemunhos facilmente se conclui, que ao contrário do que...

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