Acórdão nº 2228/16.2T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJ
Data da Resolução24 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO No âmbito do processo nº 2228/16.2T9GMR, no Juízo Local Criminal de Guimarães-J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por despacho proferido em 10.11.2020, foi convertida a pena de 70 (setenta) dias de multa aplicada ao arguido F. S.

, na pena de 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária, com o seguinte teor (Transcrição): «Por sentença proferida nos presentes autos em 18.11.2019, transitada em julgado em 18.12.2019, foi o(a) arguido(a) F. S. condenado pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art.º 360.º do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros). --- O(a) arguido(a) não efectuou o pagamento da referida multa criminal, nem requereu a sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade. --- Além disso, não se mostrou realizável a penhora de quaisquer bens ou rendimentos que possibilitassem a cobrança coerciva da referida multa. --- Assim sendo, haverá que nos termos do preceituado no art.º 49.º do Cód. Penal, converter a pena de multa na subsequente pena de prisão subsidiária, correspondente a 2/3 (dois terços) do período de tempo fixado para a pena de multa. --- Nessa conformidade, converto a pena de 70 (setenta) dias de multa aplicada ao arguido na pena de 46 (quarenta e seis) dias de prisão subsidiária, e determino o seu cumprimento pelo(a) arguido(a) F. S.. --- Notifique, igualmente o(a) arguido(a) que pode a todo o tempo evitar a execução da prisão subsidiária pagando a multa a que foi condenado(a) e, por outro lado, que qualquer detenção ou pena que haja sofrido, poderá ser comunicada para efeitos do disposto no art.º 80.º do CP. --- Após trânsito, conclua para emissão dos respectivos de mandados para cumprimento. ---» *Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): «C O N C L U S Õ E S: 1 Nos termos e para os efeitos do disposto no artº 412º do CPP, são os seguintes os fundamentos do presente recurso: a) A nulidade da falta de notificação pessoal do arguido do despacho de 15/09/2020, refª 169477690, que determinou a notificação do “…arguido para, em 10 dias, pagar a totalidade da multa em que foi condenado sob pena de, não o fazendo, ser a mesma convertida em prisão subsidiária.”, uma vez que o mesmo arguido devia ter sido notificado pessoalmente para ser ouvido, também pessoal e presencialmente, pelo Tribunal a quo, no exercício legitimo do seu direito ao contraditório; b) Sem prescindir, se no caso concreto, estão preenchidos, ou não, os requisitos previstos no artº 49º, do Código Penal para que tal conversão produza validamente todos os seus efeitos jurídicos; c) E, ainda sem prescindir, se fôr considerada válida a conversão da multa em prisão subsidiária, o que se não concebe nem concede, apenas se aludindo por mera hipótese, dever de patrocínio e efeitos de raciocínio, deve a mesma pena ser declarada extinta, por força do perdão de penas previsto no artº 2º, nºs 1 e 3, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril.

  1. A decisão recorrida integra materialmente a sentença final, mas constitui uma alteração superveniente da mesma, na sua parte decisória, uma vez que tem como efeito a alteração/substituição de uma pena não privativa da liberdade por outra pena, esta privativa da liberdade do arguido, ora recorrente, o que aumenta as necessidades de respeito das garantias de defesa do mesmo.

    Por outro lado, há jurisprudência que entende que o Tribunal a quo, antes de determinar a conversão sub judice devia ter mandado elaborar relatório social para aquilatar dos fundamentos da omissão do recorrente e da sua situação pessoal e económica, entendimento que este perfilha.

  2. Assim sendo, nos termos do disposto na 2ª parte, do nº 9, do artº 113º do CPP a decisão ora recorrida devia ter sido notificada pessoalmente ao arguido, sendo certo, apenas que o distribuidor postal somente certificou que em 17.9.2020 “depositou no receptáculo postal a notificação”, não se podendo presumir, sem mais, que o recorrente tenha efectivamente recebido tal notificação e, tão pouco, que dela teve conhecimento.

  3. Estando em causa, como estava e está, a privação da liberdade do recorrente, a sua notificação para exercer o contraditório em relação à aludida conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária (que consubstancia uma verdadeira modificação da natureza da pena aplicada, por via da alteração da pena de multa para a pena de prisão, de uma pena de expressão pecuniária para uma pena privativa da liberdade), tinha de ser efectuada, e não o foi, por uma forma que garantisse que o mesmo recorrente tomasse conhecimento dessa decisão e, assim, se pudesse pronunciar-se sobre a mesma, o que não ocorreu no caso sub judice.

  4. Assim sendo, não tendo havido notificação pessoal ao arguido dessa decisão, deve considerar-se que o mesmo não foi ouvido sobre os motivos pelos quais não pagou a multa em que foi condenado, com o que se violou as garantias de defesa do mesmo arguido em matéria tão fundamental como o é o da sua liberdade.

    Tal falta de audição, antes de ser declarada a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, traduz-se em não ter sido assegurada ao arguido o direito ao contraditório, o que importa a nulidade da decisão recorrida, nulidade essa que é insanável – artº 119º, alínea c), do Código de Processo Penal, que ora expressamente se argui para os devidos e legais efeitos, mormente os previstos no artº 122º, do CPP.

  5. Perfilha-se o entendimento do supracitado Acordão do Tribunal da Relação de Évora de 27.01.2018, que entendeu que, antes de ser decretada a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, têm de ser cumpridos os seguintes procedimentos: a) Notificação pessoal do arguido, mormente para se saber se a falta de pagamento da multa lhe é, ou não, imputável; b) Audição pessoal e presencial do arguido para se apurar os motivos e razões pelas quais o mesmo não pagou a multa em que foi condenado; c) A elaboração de relatório social para esses fins e, ainda, para verificar a situação pessoal e económica do mesmo arguido.

    Efectuadas essas diligências, e em função dos resultados das mesmas, o Tribunal devia ponderar a possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, subordinada ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos do nº 3, do artº 49º, do Código Penal.

  6. O perdão da pena de prisão subsidiária do recorrente, se vier a ser considerado que a mesma lhe deve ser aplicada, o que se não concede nem concebe, apenas se aludindo por mera cautela e para efeito de raciocínio, deve ser declarado e, por isso, considerada extinta na sua totalidade, face ao disposto nos nºs 1 e 3, do artº 2º, da Lei nº 9/2020, de 10 de Abril, uma vez que a sua situação é enquadrável nessa norma legal: pena inferior a dois anos de prisão, transito em julgado em 18 de Dezembro de 2019, pena de prisão resultante da conversão da pena de multa, sob pena de violação, além do mais, do princípio da igualdade previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa.

  7. Concordando com a posição constante do Acordão nº 437/06 do Tribunal Constitucional, e não se vislumbrando que a posição de um recluso seja essencialmente diferente da de uma pessoa que o ainda não é, mas pode vir a ser a qualquer momento, o Tribunal a quo devia ter consideradas verificadas as condições estabelecidas naquela Lei em relação ao recorrente e dessa forma declarado a extinção de toda essa pena de prisão por perdão da mesma.

  8. Ao o não fazer, como o não fez, ocorreu omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo - artº 369º, nº 1, alínea c), do CPP, que gera nulidade, a qual pode/deve ser arguida em sede de recurso – nº 2 desse artigo, o que ora se argui para os devidos e legais efeitos.

    Assim sendo, a pena de prisão subsidiária aplicada ao recorrente, por conversão da pena de multa em que foi condenado, devia, em cumprimento da supracitada Lei nº 9/2020, ser declarada perdoada na sua totalidade e, dessa forma, extinta, tudo com as legais consequências.

  9. Desta forma, não tanto pelo alegado como pelo que Vossas Excelências doutamente suprirão, devem ser julgadas procedentes por provadas as arguidas nulidades (falta de audição pessoal do arguido e omissão de pronúncia) com as consequências previstas no artº 122º, do CPP ou, se assim se não entender, deve, a final, ser revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que ordene ao Tribunal a quo a realização de diligencias no sentido de proceder á notificação pessoal do arguido para ser ouvido, tal como supra se alegou, a fim de lhe ser assegurado o direito ao contraditório, ou, quando assim não fôr entendido, ser declarada perdoada ao recorrente a totalidade da pena de prisão subsidiária, com a sua consequente extinção, seguindo-se os ulteriores termos processuais até final, com o que, como sempre, se fará a melhor e a mais perfeita J U S T I Ç A!»*O recurso foi admitido a subir com o regime e efeito adequados.

    * Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso formulando as seguintes conclusões (transcrição): «IV) CONCLUSÕES: 1. O despacho que determina a notificação do arguido, para vir aos autos proceder ao pagamento integral da pena de multa (por força do vencimento das prestações não pagas), sob pena da mesma ser convertida em prisão subsidiária é notificado ao arguido que validamente prestou TIR, por via postal simples, com prova de depósito.

  10. De igual modo, o despacho que determina a notificação do arguido para vir aos autos esclarecer por que razão não procedeu ao pagamento da pena de multa, sob pena da mesma ser convertida em prisão subsidiária é notificado ao arguido que validamente prestou TIR, por via postal simples, com prova de depósito.

  11. Inexiste norma legal que imponha que tais despachos tenham de ser pessoalmente notificados ao arguido que validamente prestou TIR...

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