Acórdão nº 382/21 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 382/2021

Processo n.º 775/2020

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. O Ministério Público interpôs recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), da sentença proferida pelo Juízo Local Criminal da Figueira da Foz, de 15 de julho de 2020, que, inter alia, absolveu os quatro arguidos do crime de lenocínio p. e p. pelo artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal.

Peticiona a apreciação a norma contida no n.º 1 do artigo 169.º, do Código Penal, na qual se prevê e pune o crime de lenocínio, na sua forma simples, cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida, com fundamento em violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n.º 1, ambos da Constituição da República Portuguesa.

2. Determinado o prosseguimento do recurso para alegações, veio o Ministério Público alegar, concluindo no sentido de que a «norma do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na redação da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, na qual se prevê e pune o crime de lenocínio, não viola o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, não sendo, por isso, inconstitucional», procedendo o recurso.

3. Notificados, vieram apenas os recorridos A. e B. contra-alegar, defendendo a prolação de julgamento de inconstitucionalidade da norma sindicada e a improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir

II. Fundamentação

4. A questão de constitucionalidade colocada nos presentes autos – a da conformidade com a Constituição da República Portuguesa da norma de incriminação e punição do lenocínio, na sua forma simples ou não agravada, contida no artigo 169.º, número 1, do Código Penal – foi recentemente apreciada e decidida pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 72/2021. Neste Acórdão, o Tribunal resolveu, em Plenário, a divergência de julgados verificada na sequência do Acórdão n.º 134/2020 em face, nomeadamente, dos anteriores Acórdãos n.º 641/2016, 421/2017, 694/2017, 90/2018 e 178/2018, e decidiu não julgar inconstitucional a norma incriminatória constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal.

Lê-se nesse aresto:

«Em suma, as posições no sentido da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal têm assentado na afirmação da perda de conexão com um bem jurídico suficientemente definido, a partir das alterações introduzidas na norma incriminadora pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro. Ao eliminar-se o elemento típico de exploração duma situação de abandono ou necessidade, já não estaria em causa a proteção da liberdade sexual e, por outro lado, a dignidade da pessoa humana seria mobilizável em termos vagos, não oferecendo suporte bastante à incriminação. Não se afigurando viável considerar uma interpretação do preceito mais restritiva do que a sua letra consente, restaria apenas, então, a injustificada criminalização da mera atividade de proxenetismo, a tutela por via penal de interesses morais ou de bons costumes, a evitação “do pecado”, que poderia manifestar-se até com sinal contrário ao da liberdade individual das pessoas que a norma visou proteger. Os possíveis comportamentos atentatórios da dignidade humana estariam fora do tipo, sem poderem considerar-se necessária ou mesmo razoavelmente pressupostos na ação expressamente proibida, o que, especialmente estando em causa um comportamento passível de acordo, não consentiria uma construção constitucionalmente conforme de um crime de perigo abstrato, já de si particularmente exigente.

Não é esta, todavia, a única perspetiva a partir da...

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