Acórdão nº 82/20.9PACTX-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARTINHO CARDOSO
Data da Resolução25 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos presentes autos de inquérito acima identificados, do Departamento de Investigação e Acção Penal do (…), Comarca de (…), investiga-se a ocorrência em que (…) e a pretexto de o mesmo pagar uns objectos que dizia querer comprar à ofendida e por esta postos à venda no OLX, ter logrado por meio fraudulento induzir a ofendida a aderir ao serviço MBWAY e a associar a referida aplicação ao número de telemóvel do agente, transmitindo-lhe o código de acesso.

Na posse desses dados e com a conta da ofendida associada à aplicação MBWAY no seu telemóvel, o agente acedeu sem autorização a essa mesma conta e efectuou (…) transferências para outra conta bancária, debitando da conta da ofendida o valor total de (…) €.

Porém, entende o M.º P.º que tais factos são susceptíveis de integrar, além do crime de burla informática, p. e p. pelo art.º 221.º, n.º 1, do Código Penal, em concurso aparente com o de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 6.º, da Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15-9), também a prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art.º 3.º da Lei do Cibercrime, podendo assim aceder, por força da moldura penal abstracta deste ilícito, à localização celular do número de telemóvel pretensamente usado pelo agente – diligência que em consequência e além doutra requereu ao JIC.

E o mesmo indeferiu através do seguinte despacho: Investigam-se nestes autos factos suscetíveis de integrar a prática dos crimes de burla informática (artigo 221º, n.º 1, do CPenal), em concurso aparente com o crime de acesso ilegítimo (artigo 6º, da Lei do Cibercrime).

Indicia-se em concreto que o agente dos factos, ainda não identificado, logrou por meio fraudulento induzir a ofendida a aderir ao serviço MBWAY e a associar a referida aplicação ao número de telemóvel do agente, transmitindo-lhe o código de acesso.

Na posse desses dados e com a conta da ofendida associada à aplicação MBWAY no seu telemóvel, o agente acedeu sem autorização a essa mesma conta (…) transferências para outra conta bancária, debitando da conta da ofendida o valor total de € (…).

Discordamos assim da posição assumida pelo MºPº que qualificou estes factos como integrando o crime de falsidade informática, p. e p. pelo artigo 3º, da Lei do Cibercrime.

Esta norma estatui que “Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.”.

Nota-se pois que o agente do crime não falsificou qualquer documento digital ou quaisquer dados informáticos, simplesmente usou sem autorização os dados de acesso genuínos que lhe haviam sido transmitidos pela ofendida, para aceder à sua conta sem autorização desta.

Fê-lo com intenção de obter para si ganho ilegítimo, utilizando dados (código de acesso) sem autorização de quem de direito.

Promove o MºPº que seja determinado à operadora MEO/ALTICE que remeta os dados de faturação detalhada e localização celular do número de telemóvel (…), entre (…) e a presente data.

O artigo 18º, da Lei do Cibercrime, estatui que: “1 - É admissível o recurso à intercepção de comunicações em processos relativos a crimes: a) Previstos na presente lei; ou b) Cometidos por meio de um sistema informático ou em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico, quando tais crimes se encontrem previstos no artigo 187.º do Código de Processo Penal.

2 - A intercepção e o registo de transmissões de dados informáticos só podem ser autorizados durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público.

3 - A intercepção pode destinar-se ao registo de dados relativos ao conteúdo das comunicações ou visar apenas a recolha e registo de dados de tráfego, devendo o despacho referido no número anterior especificar o respectivo âmbito, de acordo com as necessidades concretas da investigação.

4 - Em tudo o que não for contrariado pelo presente artigo, à intercepção e registo de transmissões de dados informáticos é aplicável o regime da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas constante dos artigos 187.º, 188.º e 190.º do Código de Processo Penal.”.

No caso dos autos, está em causa a investigação de factos que integram um crime previsto na lei do cibercrime (acesso ilegítimo), pelo que é legalmente admissível o recurso à intercepção de comunicações (dados de tráfego ou de conteúdo), que é também indispensável à descoberta da verdade material, na medida em que o crime em causa foi cometido por meio de comunicações telefónicas que cumpre registar documentalmente.

No entanto, já não é permitido o acesso a dados de localização celular, porquanto o acesso a estes dados não está previsto na lei do cibercrime para os crimes aí previstos.

Tal acesso está apenas previsto no artigo 189º, n.º 2, do CPP, que estatui que “A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.”.

Os crimes em causa não integram o “catálogo” do artigo 187º, n.º 1, do CPP, pelo que quanto a estes não pode ser solicitada a obtenção dos dados de localização celular.

De igual modo, quanto aos dados de tráfego, apenas relevam as comunicações ocorridas no dia dos factos (…) e o dia seguinte (tendo em conta que os factos se situam próximo da meia-noite).

*Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 18º, da Lei do Cibercrime, determino que a operadora MEO/ALTICE remeta a estes autos os dados de faturação detalhada do número de telemóvel (…), entre os dias (…) e (…), com listagem das chamadas efetuadas e recebidas, números de chamada/destino e duração das comunicações.

No mais, pelos motivos indicados indefiro o promovido.

D.N.

  1. Arrancando da qualificação jurídico-penal acima indicada, e que é a sua, o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, e atento o disposto no artigo 18.

    0 da Lei do Cibercrime, entende que inexiste substracto legal necessário e suficiente para viabilizar o acesso a dados de localização celular do agente justamente porque o limite máximo da moldura penal prevista para o crime de burla informática não é superior a 3 (três) anos sendo esta - isto é, "pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos" - a condição (cláusula) geral inscrita na alínea a) do n.º 1 do artigo 187.

    0 do Código de Processo Penal (CPP), norma para a qual o citado artigo 18.

    0 da Lei do Cibercrime remete.

    Ora, com o devido respeito pela opinião do Mmo. Juiz de Instrução Criminal, até porque (igualmente) entendemos que os factos aqui investigados podem, em abstracto, configurar (também) um crime de burla informática, não podemos concordar quando pugna pela não possibilidade legal de subsumir trechos da factualidade aqui em causa ao tipo de crime falsidade informática.

  2. Na verdade, e em síntese preliminar, a circunstância de parte dos factos objecto do presente inquérito poder integrar a prática de um crime de burla informática não significa, pelo contrário, que outra parte dos mesmos (os quais, no todo, completam o globo da factual idade investigada) não possa preencher o crime de falsidade informática.

  3. Assim, o que procuraremos demonstrar com o presente recurso é que no instante procedimento estamos perante factos que integram, em concurso real, os crimes de burla informática e de falsidade informática e que, sendo este último punível, em abstracto, com uma pena de prisão superior a 3 (três) anos, existe base jurídico-legal bastante para poder ser admitido o acesso aos dados de localização celular do agente.

  4. Afirma o Mmo. Juiz de Instrução Criminal que "o agente não falsificou qualquer documento digital ou quaisquer dados informáticos" e que "simplesmente usou sem autorização os dados de acesso genuínos que lhe haviam sido transmitidos pelo ofendido, para aceder à sua conta sem autorização deste", Sendo sobre estas duas premissas que elabora a sua construção qualificante dos factos objecto do presente inquérito e sendo esta a construção que sustenta a tese do Mmo. Juiz de' Instrução Criminal no sentido de não se verificar, em tese geral a operar exclusivamente no plano subsuntivo dos factos à(s) norma(s) incriminatória(s), é exactamente no patamar das premissas e, em particular, numa delas ("o agente não falsificou qualquer documento digital ou quaisquer dados informáticos"), que atacamos a posição jurídica e processual por si defendida.

  5. No contexto circunstancial (incluindo o espácio-temporal) que enforma a factualidade aqui analisada de modo controvertido, o agente actuou determinando a vítima a, no quadro das disponibilidades do sistema de pagamento MB WAY (o qual constitui um "sistema informático", nos termos e para os efeitos da alínea a) do artigo 2.° da Lei do Cibercrime), inscrever no mesmo o seu (do agente) número de telemóvel e um código PIN igualmente por si (agente) indicado.

  6. Ora, a conduta do agente concretiza-se com uma "actuação sobre...

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