Acórdão nº 119/20.1GAETR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE LANGWEG
Data da Resolução26 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 119/20.1GAETR.P1 Data do acórdão: 26 de Maio de 2021 Desembargador relator: Jorge M. Langweg Desembargadora adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa Origem:Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro Juízo de Competência Genérica de EstarrejaAcordam os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto Nos presentes autos acima identificados, em que figura como recorrente o arguido B…; I - RELATÓRIO1. Em 18 de Fevereiro de 2021 foi proferida nos presentes autos a sentença condenatória que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido: " Pelo exposto, o Tribunal decide: 1. condenar o arguido, B…, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, p.p. pelo artigo 152.º n.º 1 al. b) e n.º 2 al. a), do CP, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

  1. Condenar o arguido na pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica, nos termos previstos no artigo 152.º, n.º 4, do Código Penal e artigo 38.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro; 3. condenar o arguido no pagamento das custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s; (…)" 2. Inconformado com a pena aplicada, o arguido interpôs recurso da decisão condenatória, terminando a motivação de recurso com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas: "O art. 50º, n.º 1 do C.P. estabelece como pressuposto formal da aplicação do regime jurídico da suspensão da execução da pena de prisão, que a medida desta aplicada ao agente não exceda 5 (cinco) anos.

    A suspensão da execução da pena de prisão pode ser simples, com a imposição de deveres, com a imposição de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, podendo haver lugar à sua imposição cumulativa (art. 50º, n.º 2 e 3 C.P).

    Ao recorrente foi aplicada uma pena de prisão efetiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

    Entendemos, pois, ser ainda possível realizar um juízo de prognose favorável sentido que a ameaça de pena de prisão entendida desta vez como última oportunidade, constitui incentivo bastante para sobre o arguido, no o afastar da prática de novo crime.

    Nos presentes autos e desde o seu início o arguido sempre demonstrou ter uma atitude de absoluto respeito e colaboração com o tribunal, contribuindo para a descoberta da verdade material dos factos, ainda que em parte, objetivo supremo que se pretendia alcançar.

    Demonstrou também arrependimento pelos atos que assumidamente praticara, querendo por isso redimir-se dessa mesma prática e aceitando as consequências que daí sabia necessariamente lhe adviriam.

    O arguido sempre primou pelo cumprimento escrupuloso das obrigações decorrentes das medidas de coação a que esteve sujeito enquanto aguardou julgamento.

    Na comunidade em que se insere o arguido sempre logrou ter uma imagem bastante positiva de cidadão bem inserido, íntegro e trabalhador, gozando de amplo apoio por parte dos seus patrões que o acolhem e com quem contam para continuar a zelar afincadamente pelos afazeres profissionais.

    O arguido sempre trabalhou e é pessoa empenhada e responsável na sua vivência assim provendo pela obtenção dos recursos para a sua subsistência e do seu agregado familiar.

    O arguido assentiu em submeter-se a tratamento à sua dependência alcoólica, encontrando-se abstinente desde o verão de 2020.

    Arguido e ofendida são pessoas de baixo nível de escolaridade, sendo que na linguagem verbal usada entre ambos usam expressões que nem sempre são tidas como de educação e respeito noutros padrões, mas que são comummente aceites entre eles no seu linguajar do dia à dia, sem que com isso as tenham propriamente por injuriosas ou desrespeitadoras.

    Quer ofendida quer arguido assumem que foi retomada a convivência conjugal, com a referência expressa de que tal convivência está a decorrer em termos perfeitamente ordeiros e sem a verificação de qualquer episódio desadequado entre ambos.

    É certo que para tal contribui o facto de o arguido ter deixado os seus consumos alcoólicos excessivos, pois que assim deixou de haver o motivo pelo qual os desentendimentos aconteciam.

    O douto tribunal a quo deveria, assim, e face ao tipo legal de crime em causa e aos circunstancialismos deixados descritos, ter optado pela aplicação do regime previsto no artigo 50º do Código Penal, suspendendo a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por, ser devidamente fundamentada a existência de um juízo de prognose de que a mera ameaça de aplicação de uma pena de prisão mediante a imposição de deveres ou não, seria suficiente para o manter afastado da comissão de novos factos delituosos.

    E tal podia retirar-se de que, da personalidade do arguido e quer pela sua postura global, da sua atitude em sede de julgamento, da comprovada boa inserção de que goza em termos familiares, laborais e sociais, da entretanto retomada convivência conjugal em termos adequados com a ofendida e do apoio que esta inegável e expressamente lhe presta, a mera ameaça de sujeição ao cumprimento de uma pena de prisão será efetivamente suficiente para o manter afastado da comissão de novos factos ilícitos.

    Não tendo optado pela aplicação deste regime, violou o Tribunal a quo o estatuído no art. 50º C.P.

    E, sendo certo que não o deveria ter feito, seria legitimamente de esperar que o recorrente pudesse gozar do regime da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, ainda que tal suspensão fosse subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou acompanhada de regime de prova, conforme estipula o art. 50º, n.º 2 e 3 do Código Penal, cabendo ao douto tribunal a opção por qual destes regimes a aplicar em concreto ao arguido.

    Pelo que, nesta sede de recurso, ao recorrente deverá ser aplicado o regime da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, ainda que para o efeito seja sujeito ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou ainda a regime de prova, como bem preceitua o art. 50º, n.º 2 do Código Penal.

    Nestes termos e melhores de direito, cujo douto suprimento se invoca, deverão V. Exas. conceder provimento ao presente recurso nos termos enunciados nas conclusões, devendo ao recorrente ser aplicado o regime da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, como é de direito e com o que V. Exas. farão, como sempre, a serena, objetiva e necessária Justiça." 3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, concluindo-a a sustentar que o recurso do arguido não merece provimento.

  2. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.

  3. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que não assiste razão ao recorrente, tendo o tribunal “a quo” ponderado bem que não podia aplicar, no caso concreto, uma pena de substituição, nomeadamente, a suspensão da execução da pena, considerando os antecedentes criminais do arguido e as fortes razões de prevenção geral e especial que situações deste género requerem.

    Concluiu que só uma pena efetiva, como a aplicada, poderá acautelar as finalidades da punição.

  4. O recorrente respondeu, reiterando, no essencial, a motivação do recurso.

  5. Não houve resposta ao parecer.

  6. Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].

    *Cumpre apreciar e decidir.

    * Questão a decidir Do thema decidendum do recurso:Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.

    A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.

    Da questão a decidir neste recurso: Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir a questão substancial a seguir concretizada – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso - que sintetiza as conclusões da recorrente, constituindo, assim, o thema decidendum: a não suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

    Para decidir a questão controvertida, importará, primeiramente, concretizar o facto jurídico-processual relevante – os factos provados e a fundamentação da decisão quanto à questão controvertida -.

    II – FUNDAMENTAÇÃO A – Fundamentação da sentença recorrida: « Factos provados:Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

    1. Factualidade assente: Discutida a causa e com relevância para a decisão final, resultaram provados os seguintes factos: 1– O arguido vive em comunhão de mesa, cama e habitação com C… desde data não concretamente apurada do ano de 2014, residindo o casal na Rua …, nº .., em Estarreja.

    2 – No ano de 2018, a partir da data não concretamente apurada, o arguido começou a ingerir bebidas alcoólicas em excesso, o que fazia quase diariamente.

    3 – Nessas circunstâncias, o arguido começou a dirigir-se à C…, com uma frequência também quase diária, chamando-lhe “puta”, vaca” e “porca” e dizendo-lhe: “Vai para a puta que te pariu" e "vai-te foder".

    4 – No dia 14 de Julho de 2018, por volta das 14 horas, o arguido chegou a casa, já alcoolizado, tendo começado a implicar com a C….

    Nessa altura, e para evitar que o arguido pudesse ir conduzir, a C… decidiu ir buscar os documentos e a chave da viatura de sua propriedade.

    Desagradado com tal situação, quando a C… já tinha os documentos e a chave na mão, o arguido aproximou-se da mesma e mordeu-a na zona do ombro esquerdo.

    A seguir, o arguido disse-lhe: “És uma puta e uma vaca. Nem os...

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