Acórdão nº 678/10.7TAPTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1.

RELATÓRIO 1.1. Nestes autos, foi deduzida acusação pelo Ministério Público, em 17/03/2011, contra o arguido (…), melhor identificado a fls. 50, sendo-lhe imputada a prática, em 20/02/2010, em autoria material de um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.ºs 1 e 2, 22º e 23º, todos do Código Penal.

1.2. Recebida a acusação, sendo desconhecido o paradeiro do arguido, não foi designada data para julgamento, tendo o arguido sido declarado contumaz, por despacho proferido em 27/09/2012.

1.3. Em face da entrada em vigor, em 21/03/2013, da Lei n.º 19/2013, que alterou a redação do artigo 207º, n.º 2, do Código Penal, que alterou a natureza do crime de furto simples por cuja prática o arguido foi acusado, de semipúblico para particular, promoveu o Ministério Público, em 22/06/2020, que se notificasse o ofendido para se constituir assistente (artigo 246º, n.º 4, do CPP), no prazo de 10 dias, com a advertência de que não o fazendo, os autos seriam arquivados, por falta de legitimidade do MP para prosseguir o procedimento criminal.

1.4. Por despacho judicial proferido em 09/12/2020, foi declarado extinto o procedimento criminal contra o arguido, por falta de por falta de legitimidade do Ministério Público para o procedimento criminal, pela prática do crime de furto simples por o arguido foi acusado nos autos – em face da entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 fevereiro, que alterou a natureza de tal crime e por força da aplicação de lei penal mais favorável ao arguido, nos termos previstos no artigo 2º, n.º 4, do CPP – e determinado o oportuno arquivamento dos autos.

1.5. Inconformado com o decidido no referido despacho, recorreu o Ministério Público, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação do recurso apresentada, as seguintes conclusões: «I - Nos presentes autos, o arguido (…) foi acusado pela prática de um crime de furto simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203.º, nºs 1 e 2, 22.º e 23.º, todos do Código Penal.

II - Sucede que, por despacho de fls. 302-303, a Mma. Juíza a quo declarou extinto o procedimento criminal, atenta a entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, que alterou a natureza do crime em causa, entendendo ser este o regime mais favorável a aplicar ao arguido, e consequentemente declarou extinto o procedimento criminal pela prática de tal ilícito, por entender que o Ministério Público carece de legitimidade para tal, uma vez que o ofendido apenas apresentou queixa mas não se constituiu assistente, decisão de que discordamos.

III - Face à entrada em vigor da Lei n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro, o crime de furto passou de facto a ter natureza particular, desde que verificadas as circunstâncias previstas no art. 207.º, n.º 2, do CP, que, no caso dos autos, estão verificadas. Sucede que, quando o Ministério Público deduziu acusação, em 17/03/2011, tal lei não se encontrava em vigor (o que ocorreu a 23.03.2013).

IV - Estamos, assim, salvo o devido respeito por opinião diversa, perante uma sucessão de leis no tempo, sendo aplicável às normas processuais materiais o princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais favorável, e da irretroatividade desfavorável.

V - Aliás, estamos em crer que, presentemente e após o Prof. Taipa de Carvalho ter reintroduzido esta matéria em discussão (in Sucessão de Leis penais, Coimbra Edit. 1990, pág. 218), é já unanimemente aceite, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, a existência de normais processuais penais materiais e que, por isso, são de aplicação retroactiva, quando forem mais favoráveis ao arguido, estando neste campo as normas sobre as condições de procedibilidade, incluindo os pressupostos processuais (neste sentido, Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra edit. 2005, pág 661, 663 e 698 e ss; Barreiros, J. António, in Processo Penal-1, Almedina Coimbra, 1991, pág. 204 e ss; Germano Marques da Silva, in Curso de Proc. Penal, I Vol, Verbo 2008, pág. 106 e notas, Acórdão do Tribunal Constitucional - Ac. 523/99, de 28/9/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4/7/2005, disponível em www.dgsi.pt, relator Ricardo Silva).

VI - Como salienta também o Acórdão do STJ, de 7/11/1996, disponível em www.dgsi.pt: “II - O direito de queixa, uma vez que funciona como condição de procedibilidade insere-se no campo processual; porém, dados os efeitos substantivos que decorrem do seu exercício ou da sua desistência, integram as chamadas leis processuais materiais ou normas processuais de natureza substantiva. III - A ratio político-criminal consagrada no artigo 29, n. 4, 2. parte, da CRP, conduz à aplicação retroactiva das normas processuais materiais favoráveis, como é o caso da exigência da queixa como condição objectiva de procedibilidade.” VII - Assim, concluímos, como Taipa de Carvalho, in ob. cit. pág. 242, que as normas relativas à queixa e à acusação particular são de natureza processual penal material e, por isso, são-lhe aplicáveis o principio da retroactividade da lei penal mais favorável, e da irretroactividade desfavorável.

VIII - Revertendo ao caso dos autos, e tendo em conta todas as considerações supra expedidas, concorda-se com a Mma. Juiz a quo, quando conclui que a lei nova se apresenta como mais favorável ao arguido e, como tal, tem aplicação imediata e retroactiva.

IX - Contudo, já não se poderá concordar com as consequências que daí foram extraídas - de declarar a ilegitimidade do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT