Acórdão nº 1610/19.8PBFAR-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 11 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAUR
Data da Resolução11 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Relatório No âmbito dos autos com o NUIPC nº1610/19.8PBFAR, foi, em 24-11-2020, proferido o seguinte despacho (transcrição): “Veio a Digna Magistrada do Ministério Público requerer a tomada de declarações para memória futura de (…)

Para o efeito, aludiu que o mesmo é menor de idade (tem 10 anos), que é filho do arguido e que foi vítima de factos passíveis de integrar a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica

Refere, ainda, a essencialidade da audição da criança com o maior brevidade possível, em lugar de apenas no final da investigação

Apreciando

Compulsados os autos, resulta efectivamente que o menor poderá efectivamente ter sido vítima de condutas violentas perpetradas pelo seu progenitor

O art.26º da Lei nº93/99, de 14/07 (Lei de Protecção das Testemunhas em Processo Penal) dispõe o seguinte: “ 1 – Quando num determinado acto processual deva participar testemunha especialmente vulnerável, a autoridade judiciária competente providenciará para que, independentemente da aplicação de outras medidas previstas neste diploma, tal acto decorra nas melhores condições possíveis, com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas

2 – A especial vulnerabilidade da testemunha pode resultar, nomeadamente, da sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto de ter de depor ou prestar declarações contra pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que esteja inserida numa condição de subordinação ou dependência.” Por seu turno, o art.28º do mesmo diploma determina que: “ 1 – Durante o inquérito, o depoimento ou as declarações da testemunha especialmente vulnerável deverão ter lugar o mais brevemente possível após a ocorrência do crime

2- Sempre que possível, deverá ser evitada a repetição da audição da testemunha especialmente vulnerável durante o inquérito, podendo ainda ser requerido o registo nos termos do artigo 271º do Código de Processo Penal.” Ainda, o art.67º-A, nº3, do Cód. Penal, determina que “ As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do nº1”

Ao abrigo do disposto na alínea j) do nº1 do Cód. Proc. Penal, o crime de violência doméstica corresponde a “criminalidade violenta”

Ora, o art.24º, nº1, da Lei nº130/2015, de 04/09, estabelece que “O juiz, a requerimento da vítima especialmente vulnerável ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 271º do Código de Processo Penal.” No caso, como acima se expôs, a criança é filha do arguido

Verifica-se, por conseguinte, que existe por parte do arguido um ascendente natural sobre criança, em virtude não só da sua idade, como também do facto de ser pai daquela

Por conseguinte, considera-se que a criança é, efectivamente, vítima e testemunha “especialmente vulnerável”, sendo imperiosa a sua audição o mais rapidamente possível

Todavia, e sem prejuízo da referência citada na douta promoção que antecede, deve conciliar-se a necessária brevidade na audição a criança com os interesses e objectivos a prosseguir na tomada de declarações para memória futura

Com efeito, o art.271º, nº1, parte final, do Cód. Proc.Penal – e, bem assim, o já referido art.24º, nº1, da Lei nº130/2015 -, estabelece que o objectivo das declarações para memória futura é que “o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento”

Por conseguinte, aquando da tomada de declarações para memória futura, a prova já existente no processo deverá deter uma consistência suficiente para permitir que à testemunha (que, no caso dos autos, é a própria vítima) lhe sejam colocadas todas as questões que eventualmente lhe seriam efectuadas em julgamento

Na verdade, não pode deixar de se ter em conta que a prestação de declarações para memória futura corresponde a um regime excepcional, em que, em defesa da protecção da vítima, se prescinde, perante o juiz de julgamento, dos princípios da oralidade e da imediação

Tanto assim é, que o já citado art.28º da Lei nº93/99, de 14/07 estabelece que, embora as declarações devam ser tomadas com a maior brevidade possível, deve evitar-se a prestação de novas declarações. Por outras palavras, aquando da realização de tais declarações o processo já deve conter elementos suficientes para que, previsivelmente, seja evitável que a testemunha tenha que vir a ser novamente ouvida face a novos elementos que, entretanto, surjam

De facto, não pode deixar de se ter em consideração que, apesar de mais informal que a prestação de declarações em julgamento, o regime das declarações para memória futura conta, ainda assim, com um substancial grau de formalidade, sendo realizado na presença do defensor do arguido e, em certos casos, do próprio arguido. Assim, a sucessiva prestação judicial de declarações para memória futura pode ter o efeito inverso do desejado, obrigado a múltiplas diligências de tal teor, à medida que novos elementos probatórios vão sendo apurados

Ao invés, a prestação de declarações da vítima perante OPC ou mesmo perante o Magistrado do Ministério Público é feita apenas na presença dos próprios, sem contraditório imediato, permitindo apurar de forma célere e eficaz novos factos que ajudem à cabal condução da investigação. Ainda que tal diligência obrigue a que a testemunha, posteriormente, venha a relatar idênticos factos em sede de declarações para memória futura, a verdade é que a testemunha apenas será sujeita a tal diligência apenas uma vez, relatando, num único momento, a totalidade dos factos relevantes para o julgamento

No caso em investigação, e segundo o auto de notícia, a criança relatou ter sido já deixada sozinha na sua viatura em outras ocasiões, tendo ainda sido ouvidas as testemunhas (…), que apenas tiveram conhecimento dos factos ocorridos no dia 29/11/2019, assim como (…), mãe da criança, que não demonstrou ter conhecimento de situações similares

Do exposto resulta que a criança, em sede de declarações para memória futura, irá provavelmente trazer à investigação factos novos – as demais ocasiões em que terá estado a sozinha na...

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