Acórdão nº 119/16.6SHLSB-D.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelABRUNHOSA DE CARVALHO
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: No Juízo de Central Criminal de Lisboa, por despacho de 02/07/2020, constante de fls. 205/206, em que é Arg.

[1] AA, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 3), foi decidido o seguinte: “… No acórdão proferido (fls. 1443) foram (já) declarados perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos.

Assim, como promovido, proceda-se, antes de mais, a avaliação dos mesmos.

*** O Ministério Público requereu, ainda, a fls. 2789, que os valores monetários apreendidos nos autos sejam entregues ao assistente/demandante.

Alega, em síntese, que, tal como consta da factualidade dada por assente no acórdão proferido, os valores monetários depositados em contas bancárias e os activos financeiros tiveram origem em quantias pertença do assistente BB.

A condenada AA, notificada para se pronunciar, veio, a fls. 2835/2837, sufragar que as quantias apreendidas nos autos não deverão ser entregues ao assistente/demandante, mas, ao invés, devolvidas a ela.

Em suma, refere que o assistente/demandante já viu o seu direito a ser ressarcido no acórdão proferido, quando foi julgado procedente o pedido de indemnização civil, que a condenou (a ela demandada AA) ao pagamento num total de €396.000,00 (trezentos e noventa e seis mil euros) acrescidos de juros legais.

Cumpre apreciar e decidir.

Tal como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/6/2019, proferido no processo n.º 2706/16.3T9FNC.L1-5, in www.dgsi.pt. «Dispõe o artº 111º, do Código Penal, sob a epígrafe “perda de vantagens” - a que corresponde com as alterações decorrentes da lei nº 30/17, de 30/5, ao actual artº 110º - que: “1 – Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito e típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado.

2 - São também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos do ofendido ou de terceiro de boa-fé, as coisas, direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie. 3- O disposto nos números anteriores aplica-se às coisas ou aos direitos obtidos mediante transacção ou troca com as coisas ou direitos directamente conseguidos por meio do facto ilícito típico.

4 - Se a recompensa, os direitos, coisas ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respectivo valor”.

A vantagem adquirida (por apropriação) é susceptível de ser declarada perdida a favor do Estado. Porém, teremos que compreender a locução conjuntiva subordinativa condicional utilizada pelo legislador - sem prejuízo dos direitos do ofendido. (sublinhado nosso).

O conceito de ofendido encontra consagração legal no artº 68º, nº1, al. a) do C.P.P., entendendo-se como tal, o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, podendo, caso requeira a sua constituição, assumir a posição de assistente.

(…) Este instituto constitui uma medida sancionatória análoga à medida de segurança com intuitos exclusivamente preventivos.

(…) Na verdade, a perda de vantagens do crime constitui instrumento de política criminal, com finalidades preventivas, através do qual o Estado exerce o seu ius imperium anunciando ao agente do crime, ao potencial delinquente e à comunidade em geral que, mesmo onde a cominação de uma pena não alcança, nenhum benefício resultará da prática de um ilícito [v.g. “o crime não compensa”, nem os seus agentes dele retirarão compensação de qualquer natureza].

É que, na realidade, o crime pode compensar ao agente, precisamente quando o pedido de indemnização civil não for requerido ou não for por algum motivo procedente, ou quando a vantagem obtida com o crime (v.g. o bem furtado e não apreendido, a utilização do veículo automóvel durante o período de apropriação...) for superior à pena determinada ou à condenação no valor peticionado como indemnização.

Reconhece-se, assim, que o agente deverá voltar ao estado inicial antes de beneficiar da vantagem patrimonial demonstrada na acusação, e causada em consequência de um facto antijurídico. Este retorno, sublinhe-se, deverá ocorrer mesmo que o pedido de indemnização civil não tenha sido formulado, por algum motivo tenha sido julgado improcedente ou seja relativo a valor inferior à vantagem patrimonial que ocorra.

Tanto basta para concluir que as intenções ou entendimento do ofendido, a propósito da obtenção do ressarcimento devido, não competem nem podem sobrepor-se ou substituir-se ao exercício do poder de autoridade pública subjacente ao instituto em causa.

O direito à indemnização, mesmo quando já se mostra judicialmente estabelecido, é livremente renunciável e negociável, o mesmo não acontecendo com as medidas de carácter sancionatório.

A reserva constante do n.º 2, do citado art. 111º, em benefício dos direitos do ofendido ou terceiros de boa-fé, não lhes concede poderes derrogatórios das medidas dessa natureza aí previstas, significando apenas que, concorrendo a execução do pedido de indemnização civil com a do valor da perda de vantagens prevalecerá a primeira delas, remetendo-nos para uma fase de tramitação posterior, em que já estão atribuídos e devidamente delimitados quer os valores da indemnização do ofendido ou de terceiro e o da perda de vantagens que, como é bom de ver, poderão nem sequer ser inteiramente coincidentes.

Aliás, no mesmo sentido vai a estatuição do art. 130º, n.º 2, do Cód. Penal, ao prever que o tribunal possa “atribuir ao lesado, a requerimento deste e até ao limite do dano causado, os objectos declarados perdidos ou o produto da sua venda, ou o preço ou o valor correspondentes a vantagens provenientes do crime, pagos ao Estado ou transferidos a seu favor por força dos artigos 109.º e 110.º”.

Daqui se conclui que (…) – quando muito a declaração da perda de vantagens poderá é não alcançar qualquer efeito útil (conforme, aliás, já alertava Figueiredo Dias, “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 633, § 1005) -, sendo certo que nem o Estado poderá obter o duplo pagamento das quantias em causa (se inteiramente coincidentes) nem os arguidos terão que pagar a totalidade do valor fixado, caso já tenham feito, entretanto, reembolso parcial do mesmo à ofendida, como decorre da leitura harmónica quer dos preceitos legais aplicáveis quer dos princípios que regem nesta sede».

No caso em apreço, não subsistem dúvidas que: Atenta a factualidade dada como provada no acórdão transitado em julgado (e com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa em sede de recurso/s), os valores monetários apreendidos à condenada AA (fls. 196) e aqueles outros depositados nas contas bancárias da Caixa Geral de Depósitos (fls. 723 e 832) e do Millennium BCP (fls. 940) tiveram origem em quantias pertença do assistente BB, que o mesmo foi entregando àquela ao longo de vários anos, na execução do comprovado crime de extorsão; Foi julgado procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, foi AA condenada a pagar ao demandante BB a quantia total de €396.000,00 (trezentos e noventa e seis mil euros) acrescida de juros legais.

Nestes termos, e concordando-se com os argumentos aduzidos no acórdão acima citado, sem prejuízo da, eventual e futura, compaginação com os direitos do assistente/demandante, o que urge e se impõe, neste momento, é a declaração de perdimento a favor do Estado da vantagem patrimonial obtida.

...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT