Acórdão nº 45/18.4GAAFE.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelISABEL CERQUEIRA
Data da Resolução10 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relatora: Maria Isabel Cerqueira Adjunto : Fernando Chaves Acordam, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal: Relatório Nos autos de instrução que correram termos pelo Juízo de Competência Genérica de Mogadouro, da comarca de Bragança, foi proferido, em 24/10/2020, o despacho que não pronunciou o arguido J. P., pela prática de um crime de dano qualificado previsto e punido pelos art.ºs 213º n.º 1 alínea c) do Código Penal (a partir de agora apenas designado por CP), que lhe tinha sido imputado no requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente União de Freguesias de ... e ...

(que, para o caso de tal não ser entendido, pedira a pronúncia por aquele crime, na sua forma simples).

Foi deste despacho de não pronúncia que esta assistente interpôs o presente recurso, pugnando, em síntese, pela pronúncia do arguido pelos factos imputados (ou pelo menos da prática do crime de dano simples), por existirem indícios suficientes da prática por este do crime de dano qualificado denunciado, designadamente, da natureza pública do caminho em causa nos autos, e da total consciência dessa característica pelo recorrido. Acrescenta ser intransitável o pretenso caminho alternativo criado pelo recorrido e ter o tribunal a quo feito uma errada apreciação dos factos e da aplicação do direito, designadamente, violando os art.ºs, 32º n.º 5 da CRP, 308º n.º 1 – 1ª parte do Código de Processo Penal e 213º n.º 1 alínea c) do Código Penal (a partir de agora apenas designados respectivamente por CPP e CP).

O Magistrado do M.P. junto do tribunal recorrido e o arguido responderam ao recurso interposto, pugnando pela sua total improcedência.

O Ex.mº Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu douto parecer, pronunciando-se pela procedência do recurso.

Foi cumprido o n.º 2 do art.º 417º do CPP, tendo a recorrente apresentado resposta àquele parecer, foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência, cumprindo decidir.

*****É o seguinte o teor da decisão recorrida (que aqui se reproduz apenas parcialmente): … Na sequência de despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, a fls.

144 a 147, veio a assistente UNIÃO DE FREGUESIAS DE ... E ...

requerer a abertura da instrução, imputando ao arguido J. P. factos susceptíveis de integrar a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano, previsto e punível pelo artigo 212.º, n.

º 1, do Código Penal.

Para tanto, alega, em síntese, que: - o arguido sempre teve conhecimento que o caminho em causa foi cedido à Junta de Freguesia, no ano de 1993, porque inserido e construído através de um projecto do IFADAP, no qual o arguido participou activamente, na qualidade de presidente de Junta de Freguesia e de associado da Associação de produtores florestais que beneficiaram de tal; - o referido caminho há mais de 20/25 anos tem utilidade pública, pois era usado por toda a população, sem oposição de ninguém, nem do arguido, permitindo o acesso ao estradão de acesso à serra de … e a terrenos particulares, bem como servia de acesso aos bombeiros, de forma a evitar que estes tivessem que percorrer mais de 20 Km, dando a volta à serra de …; - (…) e sempre foi limpo pela e a expensas da Junta de Freguesia, como o próprio arguido chegou a solicitar; - o arguido, afirmando que «em 2016, o caminho deixou de ter interesse para si», confessou que, com o recurso a uma retroescavadora deslocou terra, pedras e lenha, de modo a bloquear as extremas e impedir a passagem de pessoas; - (…) com o intuito de desrespeitar um direito público, aberto a expensas de dinheiros públicos e mantido e limpo pela Junta de Freguesia de ...

; e, - (…) com tal conduta fechou um caminho público e provocou danos graves, despesas avultadas à assistente e consequentemente à população de ... e ... e danificou e impediu o exercício da utilidade que o caminho tinha: passagem das pessoas que, há mais de 25 anos, ali passavam diariamente e, dos bombeiros em caso de incêndio; - o arguido tinha consciência da ilicitude da sua actuação, pois participou no projecto e conhecia a utilidade pública do caminho e por isso tinha consciência de que prejudicava toda a população; - (…) e tinha consciência de que ao colocar pedras, lenha e terra no caminho impedia a utilidade pública da população e que a prejudicava.

* Por despacho de 17 de Outubro de 2019, a fls.

197 a 201, foi rejeitado o requerimento de abertura de instrução, tendo a assistente interposto o competente recurso (fls. 213 a 226).

Por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11 de Maio de 2020 foi julgado procedente o recurso e, em consequência foi determinada a abertura da instrução (fls. 265 a 279).

Em cumprimento com o determinado no referido Acórdão, em 29 de junho de 2020 foi declarada aberta a instrução e foi indeferida a diligência probatória requerida pela assistente, em virtude de todos os intervenientes já terem prestado depoimento na fase de inquérito, não se justificando a sua re-inquirição.

Foram tomadas declarações ao arguido e oficiosamente, foi determinada a junção de uma fotografia aérea do local onde se situa o caminho em causa.

* Não se tendo vislumbrado qualquer outro acto instrutório cuja prática revestisse interesse para a descoberta da verdade, e não tendo sido requerida a realização de mais algum, efectuou-se o debate instrutório, que decorreu na presença do arguido J. P.

, em conformidade com o disposto nos artigos 298.º, 301.º e 302.º, todos do Código de Processo Penal, conforme consta da respectiva acta.

… No que respeita à instrução, entende a lei processual penal que os indícios são suficientes quando deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou medida de segurança em sede de julgamento – artigo 283º, n.º 2 ex vi do artigo 308º, n.º 2, do diploma referido.

Com efeito, embora não seja possível determinar com rigor e exactidão a medida da suficiência legalmente exigida, os «indícios suficientes» hão-de traduzir-se no conjunto de elementos que, relacionados entre si, persuadem acerca da culpabilidade do agente, gerando a convicção de que virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado.

Ou seja, exige-se ao juiz de instrução um juízo de prognose, através do qual se convença de que o arguido será muito provavelmente condenado, tendo em conta os elementos de prova recolhidos até àquele momento e analisados criticamente, em conjugação com as regras da experiência comum e com a solução de direito aplicável aos factos já conhecidos no processo que venham a ser comprovados em audiência de julgamento1.

… O crime de dano encontra-se previsto no artigo 212.º, n.º 1, do Código Penal que dispõe que, «[q]uem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.».

Trata-se de um crime contra o património, protegendo, pois, «a relação jurídica entre uma pessoa e uma coisa; a relação do homem com as suas coisas e as coisas dos outros, enquanto permissão de fruição e proibição de intromissão».

Para haver dano é necessário que ocorra uma certa forma de agressão ilegítima – e, porisso, censurável - ao estado actual das relações correctamente estabelecidas dos homens com os bens materiais.

Tal agressão há-de resultar da prática de actos de destruição, danificação, desfiguração ou de inutilização de uma coisa alheia, o que implicará, por via de regra, um prejuízo patrimonial, traduzido numa diminuição do valor ou da utilidade económica da coisa...

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