Acórdão nº 2258/05.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório “SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas” veio deduzir impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, relativas aos anos de 2000 e 2001, nos montantes globais de €149 710,79 e €166 514,15.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 332 e ss. (numeração do SITAF), datada de 06/02/2020, julgou procedente a impugnação, e anulou os actos de liquidação adicional de IVA dos períodos de 2000 e 2001 impugnados, nos montantes globais de € 149 710,79 e € 166 514,15, respetivamente, com as legais consequências: reconstituição da situação tributária da Contribuinte.

A Fazenda Publica interpôs recurso contra a sentença. Alega, em síntese, nos termos seguintes: «Vem o presente Recurso interposto contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 06/02/2020, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação dos actos tributários de liquidação adicional de IVA referentes aos períodos de tributação de 2000 e 2001, por considerar que não tendo as liquidações sido emitidas e notificadas nos seis meses posteriores à duração legalmente estabelecida do procedimento inspectivo, caducou o direito à liquidação.

  1. Salvo o devido respeito que a douta Sentença nos merece, e que é muito, a Fazenda Pública entende que a douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto, que, encontrando-se demonstrados através da prova documental produzida nos autos de primeira instância, deveriam ter sido julgados provados e que se enunciam de seguida: i) O relatório de inspecção efectuado no âmbito do procedimento de inspecção tributária legitimado pelas Ordens de Serviço n.º 54414, 54415, 56486, 56484, 56485, 60928, 60929, 60930, 60931, 60932, 60933, 64515, 64691, 66161, 66692, 66693, 67689, 71915, 71916, 71917, 71918, 72431, 73327 e 75286 e a decisão de fixação do apuramento do IVA por métodos indirectos foram notificados ao sujeito passivo, pessoalmente, na pessoa da Dra. F......, técnica oficial de contas do sujeito passivo, no dia 06/08/2002 - conforme se encontra demonstrado com base no teor das fls. 1680 a 1683 do processo administrativo tributário; ii) A decisão do procedimento de revisão matéria tributável foi notificada ao sujeito passivo através de correio postal registado com aviso de recepção em 14/07/2003 - conforme fls. 138 do processo administrativo tributário; iii) As notificações das liquidações adicionais de IVA n.ºs…………, ………, ………, ………,………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ……… e………, referentes aos períodos de tributação de 1200, 1100, 1000, 0900, 0800, 0700, 0600, 0400, 0300, 0200, 0100, 1101, 1001, 0901, 0801, 0701, 0601, 05010401, 0301, 0201 e 0101, respectivamente, foram notificadas ao sujeito passivo em 10/10/2003 - se encontra demonstrado com base no teor das fls. 1631 a 1648 do processo administrativo tributário.

  2. No que concerne à matéria de direito, o Ilustre Tribunal “a quo” olvidou que o Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (doravante, RCPIT) tem natureza “essencialmente regulamentadora”, como aliás consta do preâmbulo do Dec.-Lei nº 413/98, de 13 de Dezembro, pelo que o prazo estabelecido no n.º 2 do art. 36.º do referido Diploma Legal, de seis meses, não constitui um prazo peremptório, mas sim meramente ordenador.

  3. Tendo o procedimento inspectivo um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários (art. 11º do RCPIT), para além da cessação dos efeitos suspensivos da caducidade, nos termos do nº 1 do artigo 46º da Lei Geral Tributária, não decorre da lei que o prolongamento de tal procedimento tenha qualquer outro efeito que se repercuta na validade do acto tributário que resultar das conclusões do relatório (art. 63º, nº 1, do RCPIT).

  4. Neste sentido se têm pronunciado os tribunais superiores - cfr. acórdãos do STA de 29/11/2006, 04/06/2008, 07/05/2008, 10/12/2008, 27/02/2008 e 25/02/2015, nos processos nºs 0695/06, 0103/08, 0102/08, 080/08, 0955/07 e 0709/14, respectivamente; E acórdãos do TCA Sul de 03/05/2007 (rec. nº 01652/07), de 27/02/2008 (rec. nº 0955/07), de 12/05/2009 (rec. nº 02961/09) e de 26/10/2010 (rec. nº 04170/10).

  5. Por outro lado, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela constitucionalidade da interpretação segundo a qual a ultrapassagem do prazo para a conclusão do procedimento não determina a caducidade do procedimento de inspecção tributária, nem tem efeito invalidante dos actos de liquidação de impostos baseados no mesmo procedimento (vide Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 457/08 e 514/08).

  6. O mesmo raciocínio deve, em nosso entendimento ser aplicado à situação em que o procedimento de inspecção é de âmbito parcial ou univalente, verificando-se ilegalidades das prorrogações da acção inspectiva, como acontece no caso concreto.

  7. Meramente a título de exemplo, trazemos aqui à colação o Aresto proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 25/02/2015 (proc. n.º 0709/14), em 05/07/2008 (proc. n.º 0102/08), em 04/06/2008 (proc. n.º 0103/08) e em 10/12/2008 (proc. n.º 080/08), disponíveis em www.dgsi.pt.

    I. Nos casos em que o prosseguimento do procedimento inspectivo lese interesses do contribuinte tutelados por lei, este pode opor-se ao prolongamento da acção de inspecção mediante a impugnação do acto que autoriza a prorrogação da acção inspectiva - art. 11 º do RCPIT - o que não aconteceu no caso dos autos de primeira instância.  J. Com efeito, nos autos de primeira instância não foram invocados pelo sujeito passivo quaisquer factos que permitam concluir pela violação de princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da imparcialidade, nem sobre tal questão se pronuncia sequer o Ilustre Tribunal “a quo” (vide a este propósito, o Aresto do STA proferido em 27/02/2008, no âmbito do processo n.º 0955/07).

  8. Ainda que se entenda pela existência de qualquer irregularidade no procedimento de inspecção, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concede, tal irregularidade encontra-se suprida a partir do momento em que o prolongamento do procedimento inspectivo foi notificado ao sujeito passivo e o mesmo não veio impugnar o acto que autoriza a prorrogação da acção inspectiva, nem suscitar sequer tal em sede de direito de audição prévia.

    L. Pelo exposto, resolvida esta questão, perde autonomia e interesse saber se foi ou não ultrapassado o prazo do procedimento de inspecção, premissa que integra o raciocino silogístico adoptado pelo Ilustre Tribunal “a quo” na douta Sentença de que ora se recorre.

  9. Não obstante, é importante não esquecer, como olvidou o Ilustre Tribunal “a quo”, que a Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, não só introduziu no art. 45.º da LGT um prazo especial de caducidade do direito à liquidação (no seu n.º 5), como também previu expressamente uma nova causa interruptiva do prazo previsto no n.º 5 do art. 45.º: a notificação ao sujeito passivo da decisão de fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (alínea b) do n.º 3 do art. 46.º do mesmo Diploma Legal, que passou a ser o n.º 4 com a redacção dada pelo DL n.º 229/2002, de 31 de Outubro).

  10. Conforme consta dos factos que, em nosso entendimento, deverão resultar provados nos autos de primeira instância, o relatório de inspecção e a fixação da matéria colectável (in casu, o IVA) foram notificados ao sujeito passivo em 06/08/2002.

  11. Ora, e conforme supra mencionamos, nas situações interruptivas, a paralisação temporal surge acompanhada da inutilização do decorrido, em termos de se reiniciar uma nova contagem quando cessar a causa interruptiva (vide art. 326.º do Código Civil).  P. Pelo supra exposto, ainda que se entenda, como faz a douta Sentença, que o procedimento inspectivo deveria ter sido concluído no prazo de seis meses a contar da assinatura de Ordem de Serviço - ou seja, até 12/04/2002 -, não se poderá olvidar que no decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação estabelecido pelo n.º 5 do art. 45.º da LGT, contado nos seis meses posteriores a 12/04/2002, ocorreu, como causa interruptiva do mesmo, a notificação da decisão de fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (vide alínea b) do n.º 3 do art. 46.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 15/2001).

  12. Assim, com a devida vénia e em nosso entendimento, a solução adoptada no caso concreto não deveria ser a que foi proferida, ou seja, não se poderá a afirmar que a caducidade do direito à liquidação ocorreu a 12/10/2002 porque antes dessa data ocorreu a interrupção desse mesmo prazo de caducidade do direito à liquidação.

  13. E tal conclusão não é alterada pelo facto de a disposição da alínea b) do n.º 3 do art. 46.º da LGT (que corresponde à alínea b) do n.º 4 da mesma disposição legal, pela redacção dada pelo DL n.º 229/2002, de 31 de Outubro) ter sido revogada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, pois que, do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil, aplicável subsidiariamente às relações jurídico tributárias por força do disposto na alínea e) do art. 2.º da LGT, resulta que, quando a Lei dispõe sobre os efeitos de factos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos.

  14. Por outro lado, e sem prescindir, ainda que assim não se entenda, não se poderá ignorar que, no decurso desse novo prazo de caducidade do direito à liquidação, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro entra em vigor (01/01/2003), Diploma Legal que viria não só a revogar a disposição do então n.º 4 do art. 46.º da LGT, como também, conforme se apreende da douta Sentença de que ora se recorre, a revogar a disposição legal do n.º 5 do art. 45.º da LGT, ocorrendo, assim, uma nova vicissitude do prazo de caducidade do direito à liquidação.

  15. Em nosso entendimento e salvo melhor opinião, o que se mostra relevante no caso concreto, para apurar a lei aplicável ao prazo de...

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