Acórdão nº 259/21 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é reclamante A. e reclamados o Ministério Público e o Instituto dos Registos e do Notariado, IP o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do acórdão proferido por aquele Supremo Tribunal em 4 de Novembro de 2020 (fls. 4716-4853) que decidiu rejeitar o recurso interposto de precedente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) na parte respeitante a questões referentes à existência de concurso aparente entre os crimes de falsificação de documentos e informática e os crimes de peculato e à verificação dos pressupostos do crime continuado e negar provimento ao recurso, mantendo, em consequência, a pena única que lhe tinha sido imposta.

2. O recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente tem o seguinte teor (cfr. fls. 4852-4853):

«A.

- arguido nos autos epigrafados

Notificado que foi do douto acórdão final, vem dele recorrer para o Tribunal Constitucional, com base nos seguintes fundamentos:

O presente recurso é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.

Com o presente recurso pretende-se que seja apreciada a inconstitucionalidade, invocada pelo recorrente no seu recurso para o S.T.J., do art. 368.º-A do C.P., quando interpretado que a referida norma se aplica ao próprio agente que praticou o crime principal, no caso concreto o crime de peculato, ou seja, quando na interpretação da norma se não considera que o branqueador terá de ser pessoa diversa da que cometeu a infração geradora das vantagens, e dos artigos 256.º, n.º 1, als. a), b) e d) e n.º 4 do C.P. e art. 4.º, n.º 1, 2 e 3 da Lei da Criminalidade Informática (Lei 109/91 de 17/8) e art. 3.º, n.º 1, 3 e 5 da Lei Cibercrime, aprovada pela Lei 109/2009, de 15/9, quando interpretados e considerados que os crimes de falsificação de documento e falsidade informática foram cometidos em concurso efetivo com o crime de peculato (crime principal), uma vez que se afigura a existência de uma dupla valoração dos factos pelos quais o recorrente foi condenado e uma dupla punição, tudo conforme melhor alegado nas conclusões 2 a 14 do recurso interposto para o S.T.J, em clara violação do Princípio ne bis in idem contemplado no art. 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.».

3. O STJ, por despacho de 24/11/2020, não admitiu o recurso interposto para o Tribunal (cf. fls. 4854-4856), nos termos seguintes:

«§1.-O arguido, A., interpõe recurso do acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 2 de Novembro de 2020, para o Tribunal Constitucional, "para que seja apreciada a constitucionalidade do art. 368°-A do Código Penal, quando interpretado que a referida norma se aplica ao próprio agente que praticou o crime principal, no caso concreto o crime de peculato, ou seja, quando na interpretação da norma se não considera que o branqueador terá de ser pessoa diversa da que cometeu a infracção geradora das vantagens e dos artigos 256°, n.º 1, als. a), b) e d) e n.º 4 do CP e art. 4.º, n.º 1, 2 e 3 da Lei da Criminalidade Informática (Lei 109/91, de 17/8) e art. 3o, n° 1, 3 e 5 da Lei do Ciber-crime, aprovada pela Lei 109/2009, de 15.09, quando interpretados e considerados que os crimes de falsificação de documento e falsidade informática foram cometidos em concurso efectivo com o crime de peculato (crime principal), uma vez que se afigura a existência de dupla valoração dos factos pelos quais o requerente foi condenado e uma dupla punição, tudo conforme melhor alegado nas conclusões 2 a 14 do recurso interposto para o S.T.J., em clara violação do princípio ne bis in idem contemplado no artigo 29°, n° 5 da Constituição da República Portuguesa."

§2. - A decisão que o arguido/recorrente anuncia como tendo tomado conhecimento, ou, dito de outra forma, tenha emitido pronúncia, sobre as normas indicadas no requerimento supra referido, não o fez.

Na verdade, por força do instituto da dupla conforme, o acórdão de que o arguido pretende recorrer, para apreciação da constitucionalidade de normas aí aplicadas, absteve-se de emitir pronúncia sobre questões que já haviam sido apreciadas, em duplo grau de jurisdição - tribunal de primeira (1ª instância) e Tribunal da Relação de Coimbra - por dois tribunais.

De forma impressiva escreveu-se no aresto que ora se pretende colocar em crise - no plano da constitucionalidade normativa de normas aí aplicadas e interpretadas, que (sic): "O tribunal de recurso apreciou, e coonestou, o entendimento que o tribunal de 1.ª instância - o que é atestado, de forma indelével e imperecível pela transcrição que procede da totalidade do acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância - tendo confirmado tanto a qualificação jurídico-penal e como as sanções penais aplicadas. Não ocorreu dissensão ou desvio, na decisão ora em sindicância, nem quanto ao juízo de culpabilidade ou sequer quanto ao sancionamento adoptados na sentença de 1ª instância e pelo tribunal ora recorrido, pelo que existe uma justaposição afirmativa que interdita o Supremo tribunal de Justiça de formular um sentido censório sobre este duplo ajuizamento jurisdicional que se firmou e sedimentou com as duas decisões concordantes e justapostas.

Neste eito de pensamento, e porque se esmerilha uma situação de confirmação, ou dupla conforme total e plena ("perfeita"), resultante de uma "chancela" impressiva da condenação ditada pelo tribunal de primeira (1ª) instância, este segmento do recurso - com as adjacências ao mesmo acopladas, contradição insanável na fundamentação "da sentença de 1.ª instância - que, aliás, não poderia merecer apreciação no Supremo; absorção de condutas (criminosas) numa única incriminação; punição como conduta contra-ordenacional o que foi punido como crime; punição dos crimes, em que tal fosse permitido, em pena de multa; e perdimento da autocaravana — pelo que, este segmento da pretensão recursiva, será objecto de rejeição.

Arredadas, e subtraídas, as questões enunciadas para cognoscibilidade — insuficiência da matéria de facto para a decisão; existência de concurso aparente entre os crimes de falsificação documentos e de falsificação informática com o crime de peculato; punição pelos crimes de branqueamento praticados até 30 de Março de 2004 e/ou eventual relação de concurso aparente entre estes crimes e o crime de peculato - sobram (das questões supra enunciadas) a prescrição e a determinação da pena única."

§3. - A insofismável e invadeável asserção propositiva contida nos parágrafos transcritos, ilaqueia, em nosso aviso, a possibilidade de ver apreciada a constitucionalidade de normas que o tribunal se conteve em aplicar/interpretar, pela lhana e singela razão de que a normação adrede à admissibilidade de recurso não o permitiu.

Na verdade, e como consta do dispositivo, o recurso do arguido, na parte da aplicação das normas que o arguido que ora pretende ver reapreciadas (no plano da constitucionalidade), não foi admitido (para conhecimento). Expressamente escreveu-se que o Supremo Tribunal de Justiça, decidia (sic) "Rejeitar, por verificação dos pressupostos de dupla conformidade, a admissibilidade do recursos relativo aos segmentos recursivos que atinavam com as questões da existência de um concurso aparente entre os crimes de falsificação de documentos e falsificação informática e os crimes de peculato; de verificação dos pressupostos da figura jurídico-penal de crime continuado — cfr. artigos 400°, n° 1, alínea f) e 420°, n° 1, alínea b), ambos do Código de Processo Penal.", sobrando para conhecimento as questões relativas à prescrição e à determinação judicial da pena.

§3. - A não aplicação/interpretação das normas no acórdão de que pretende recorrer inviabiliza a pretensão recursiva do arguido. O recurso sobre a constitucionalidade deveria, em nosso aviso, ter sido interposto do acórdão da Relação de Coimbra, dado que deste tribunal não era possível recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça. Poderia ter o arguido interposto recurso para este Supremo Tribunal de Justiça das questões que admitiam/permitiam recurso - prescrição e determinação judicial da pena única (global) - e ter interposto recurso para o Tribunal Constitucional das questões sobrantes e onde estava contido o conhecimento das normas que crisma de inconstitucionalidade quando interpretadas no sentido e alcance que aí - no Tribunal da Relação de Coimbra - lhe havia sido conferido.

§4. - Porque o acórdão donde o arguido/recorrente extrai a inconstitucionalidade não...

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