Acórdão nº 258/21 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução29 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 258/2021

Processo n.º 35/21

3.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso de constitucionalidade pelos recorrentes (cfr. fls. 466-472 com verso), ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional adiante designada pela sigla LTC).

2. Na Decisão Sumária n.º 153/21 (cf. fls. 454-462), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decidiu-se não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos (cf. II – Fundamentação, 4. e ss.):

«II – Fundamentação

«4. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do Tribunal a quo, com fundamento no n.º 1 do artigo 76.º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal.

5. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, sendo que, nos termos do artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa, e do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC, cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais «Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, a admissibilidade do recurso apresentado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa; a questão de inconstitucionalidade normativa haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC); e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionalidade pelo recorrente (vide, entre outros, os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 618/98 e 710/04 – também disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

Da análise dos autos resulta que não se encontram preenchidos requisitos essenciais e cumulativos de admissibilidade do recurso interposto pelos ora recorrentes.

6. Verifica-se, desde logo, que não se encontra preenchido um pressuposto, essencial e cumulativo, de que depende o conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – o pressuposto relativo à dimensão normativa do objeto do recurso.

Com efeito, do teor do requerimento de recurso – que fixa definitivamente o objeto do mesmo – resulta que a discordância dos ora recorrentes, relativamente à decisão de não admissão do recurso de revista por eles interposto, confirmada na Decisão Singular recorrida para este este Tribunal, decorre da imputação de vícios ao Acórdão do TRP recorrido para o STJ, em face das circunstâncias concretas dos autos – ou seja, a inconstitucionalidade apontada é dirigida à recusa de admissão de um recurso para o STJ quando a pretensão recursiva é fundada no facto de se tratar de um «Acórdão da Relação que, não tendo procedido à reapreciação da prova produzida em julgamento de acordo com o pedido dos Arguidos/Recorrentes, se limitou a repetir ou reproduzir o julgamento, e a uma mera atitude de observação externa ao julgamento.»

Ora, tal discordância, assim enunciada pelos recorrentes, reportada ao modo como as instâncias aplicaram o direito infraconstitucional em face do processado, não configura um objeto idóneo do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade.

Como é sabido, o sistema português de fiscalização da constitucionalidade confere ao Tribunal Constitucional competência para exercer um controlo de natureza estritamente normativa – que exclui a apreciação da constitucionalidade de decisões, incluindo as decisões administrativas e judiciais, sob pena de inadmissibilidade. Tal como lapidarmente se afirmou no Acórdão n.º 526/98 deste Tribunal (II, 3):

«A competência para apreciar a constitucionalidade das decisões judiciais, consideradas em si mesmas - que é própria de sistemas que consagram o recurso de amparo - não a detém, entre nós, o Tribunal Constitucional.».

Ante a ausência daquele que é um dos pressupostos essenciais, e cumulativos, de admissibilidade do recurso de constitucionalidade – a dimensão normativa do objeto do recurso –, forçoso é concluir que não pode este Tribunal conhecer do seu objeto.

7. Acresce que, mesmo que se procurasse descortinar uma dimensão normativa na questão colocada pelos recorrentes, dissociável da concreta aplicação do direito à situação sub judice, resulta igualmente dos autos que a «norma» erigida a objeto do presente recurso não encontra correspondência no efetivamente decidido pelo STJ em face da pretensão recursiva dos ora recorrentes, quer quanto às bases legais invocadas, quer quanto ao pretenso sentido interpretativo que os recorrentes entendem dever ser julgado inconstitucional. Isto, já que, não resultando com clareza do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a identificação da decisão recorrida, se possa ter em conta o que decidiu o STJ em face da pretensão recursiva dos ora recorrentes (Decisão de 11/11/2020) e em face da reclamação apresentada contra o indeferimento de tal pretensão (Decisão de 2/12/2020).

7.1 É este o teor da Decisão Singular proferida pela Vice-Presidente do STJ em 11/11/2020:

«1. Por decisão da 1.ª instância foram os arguidos A. e B. condenados pela seguinte forma:

A.

- como co-autor, de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227° n° 1, alíneas a) e b), do Código Penal, por factos praticados entre 28/02 e 7/11/2011, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, na condição de o mesmo, solidariamente com o arguido B., no período da suspensão, pagar 70% dos 50% dos créditos reconhecidos e graduados na insolvência, com exceção dos créditos hipotecários ou pignoratícios, ou seja, 35% do total dos referidos créditos, sem prejuízo de, trimestralmente, pagar 1/6 de tal montante.

B.

- Como co-autor de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelo artigo 227° n° 1, alíneas a) e b), e n° 2, do Código Penal, por factos praticados entre 28/02 e 7/11/2011, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, na condição de o mesmo, solidariamente com o arguido A., no período da suspensão, pagar 70% dos 50% dos créditos reconhecidos e graduados na insolvência, com exceção dos créditos hipotecários ou pignoratícios, ou seja, 35% do total dos referidos créditos, sem prejuízo de, trimestralmente, pagar 1/6 de tal montante.

2. Os arguidos recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 13 de Maio de 2020, no que releva, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

3. Inconformados, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

4. O recurso não foi admitido, por despacho de 15 de Julho de 2020, com fundamento no artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CPP, sem no entanto deixar de referir-se, face à argumentação dos recorrentes que o acórdão proferido procedeu à reapreciação da prova produzida em julgamento, pois, tal como consta do acórdão, essa reapreciação foi efectuada.

5. Os arguidos apresentaram reclamação, nos termos do artigo 405.° do CPP, começando por invocar o direito ao recurso consagrado no artigo 32.°, n.º 1, da CRP, com alusão a jurisprudência do Tribunal Constitucional e mencionando o artigo 14.°, n.º 5 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o artigo 2.° do Protocolo n.º 7 à CEDH, para depois referirem que o Tribunal da Relação se limitou a repetir e a reproduzir o julgamento, competindo-lhe sindicar o juízo sobre a prova produzida em julgamento, de acordo com o pedido dos recorrentes, não tendo o Tribunal de recurso assegurado o respeito devido pelo direito de recurso, violou o disposto no artigo 32.°, n.º 1, da Constituição.

Concluem dizendo que deveria o recurso ser admitido, por ser inconstitucional a interpretação das normas que estabelecem a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, não tendo procedido à reapreciação da prova produzida em julgamento de acordo com o pedido, limitando-se a repetir ou reproduzir o julgamento, e a uma mera atitude de observação aparentemente externa ao julgamento, confirma a decisão de 1ª instancia e aplica pena de prisão não superior a 8 anos, constante do artigo 400.°, n.º 1, alínea f), e 432°, n.º l alínea b) ambos do Código de Processo Penal, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal.

E ainda que o despacho que não admitiu o recurso, padece de nulidade por falta de fundamentação ao não se pronunciar sobre tais argumentos e fundamentos, limitando-se a não admitir o recurso interposto.

6. O critério de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça reporta- se à pena concretamente aplicada, e não à forma como o Tribunal da Relação apreciou o recurso, que não tem, assim, por si, relevância para efeitos de recorribilidade da decisão.

7. No domínio dos recursos e das normas que disciplinam a competência em razão da hierarquia, o artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, dispõe que há recurso para o Supremo Tribunal das decisões que não sejam irrecorríveis proferidas em recurso pelas Relações nos termos...

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