Acórdão nº 4078/20.2T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelFELIZARDO PAIVA
Data da Resolução23 de Abril de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I.- A…, LDA. interpôs o presente recurso de contraordenação, impugnando a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho que lhe aplicou a coima única de € 2.900,00, pela prática: - da contraordenação muito grave prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 36.º, nº 1 do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro, 25.º, nº 1, al. b) e 14.º, nº 4, al. a) da Lei n.º 27/2010 de 30 de Agosto, agravada pela reincidência nos termos do disposto no art.º 561.º, nº 2 do CT[1]; - da contraordenação grave prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 34.º, nº 5, al. b) do Regulamento (EU) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, 25.º, nº 2 e 14.º, nº 3, al. a) da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto[2]; * Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal da comarca de Coimbra – Juízo Trabalho – J2, constando da parte dispositiva da sentença o seguinte: “Julgo parcialmente procedente o recurso: 1.º Absolvo A…, Lda. da prática da contraordenação muito grave prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 36.º, nº 1 do Regulamento (EU) n.º 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro, 25.º, nº 1, al. b) e 14.º, nº 4, al. a) da Lei n.º 27/2010 de 30 de agosto, agravada pela reincidência nos termos do disposto no artigo 561.º, nº 2 do CT; 2.º Condeno A…, Lda. na coima de €700,00, pela prática da contraordenação grave de que vem acusada prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 34.º, nº 5, al. b) do Regulamento (EU) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, 14.º, nº 3, al. a) e 25.º, nº 2 da Lei n.º 27/2010, de 30 de agosto”.

* Não se conformando com esta decisão dela o MºPº interpôs recurso para esta Relação, formulando na respectiva motivação as seguintes conclusões: (…) + Nesta Relação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

+ Corridos os vistos legais cumpre decidir.

*** II - Em matéria contra - ordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito (artigo 75° n° 1 do DL n° 433/82, de 27/11), pelo que a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância e é a seguinte: 1.º No dia 6 de Março de 2018, pelas 12 horas e 2 minutos, a arguida mantinha em circulação na rotunda da Rua Manuel Madeira com a EN 111, na Adémia, Coimbra, o veículo pesado tractor de mercadorias, matrícula (…), conduzido por B…; 2.º B… não era detentor dos registos de tacógrafo referentes aos dias 10, 11, 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 27, 28 de Fevereiro de 2018 e 1, 2, 3 e 4 de Março de 2018; 3.º B… não exibiu ao agente fiscalizador declaração de actividade, registos manuais, diagramas de registo de tacógrafo ou qualquer outro documento que justificasse a falta dos registos discriminados em 2.º; 4.º Nos registos de actividade do motorista B… , desde as 16 horas e 31 minutos do dia 8 de Fevereiro de 2018 até às 10 horas e 22 minutos do dia 9 de Fevereiro de 2018, está registado o pictograma martelos cruzados que corresponde a outros trabalho, sendo que durante o referido período o motorista gozou de um período de repouso diário; 5.º Ao não assegurar que o seu motorista B… efectuasse o accionamento correto dos grupos de tempo, por forma a reflectir a actividade por ele desenvolvida nos dias 8 e 9 de Fevereiro de 2018, a arguida não procedeu com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a sua descrita conduta era punida por lei; 6.º Em 6 de Dezembro de 2014 B… concluiu com aproveitamento o curso de formação profissional de tacógrafos e obrigações legais para motoristas; 7.º Em 24 de Setembro de 2016 B… concluiu com aproveitamento o curso de formação profissional de motoristas de veículos pesados de mercadorias; Factos não provados: Com relevância para a apreciação do mérito da causa não se provou que: 1.º A arguida é reincidente; 2.º B… exerceu condução profissional nos dias 10, 11, 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 27, 28 de Fevereiro de 2018 e 1, 2, 3 e 4 de Março de 2018; 3.º Na data da acção fiscalizadora B… não exercia como actividade principal a função de motorista, mas de mecânico; *** III- FUNDAMENTAÇÃO: É pelas conclusões das alegações que se delimita o âmbito da impugnação, sem prejuízo do conhecimento oficioso das questões que a lei imponha.

Considerando tais conclusões, a questão a decidir reside em saber se se encontra preenchido o tipo objectivo do ilícito contraordenacional muito grave, p. e p. pelo artº 25º, nº 1, al b) da Lei 27/2010 e artigo 36º nº 1 do Regulamento 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho.

Antes propriamente de entrar na análise da questão objecto do recurso, há que fazer a seguinte observação: Esta observação prende-se com a redacção dada à matéria do ponto 10º dos factos provados, na parte em se considerou como assente que “a arguida não procedeu com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz”.

Só é punivel o facto praticado como dolo ou noas casos especialmente previstos na lei, com negligência (artº 8 do RGCO).

Para que seja possível imputar à arguida o ilícito contraordenacional é necessário apurar se houve culpa (no caso negligência) por parte daquela no cometimento da infracção.

Nesta medida, a redacção do ponto nº 5 na parte referida encerra em si mesma um manifesto juízo conclusivo resolvendo, sem mais, a questão relativa ao elemento subjectivo da infracção pois se traduz na fiel cópia das palavras utilizadas pela lei para definir o conceito de negligência (artº 15º do C. Penal).

Ora, a integração do tipo subjectivo de um determinado ilícito não pode ser levada a efeito em termos factuais directos, pois que o que aí está em causa é verdadeiramente uma questão de direito, não uma questão de facto.

A afirmação de um juízo de censura há-de extrair-se da globalidade dos factos descritos como sendo integradores da prática daquele ilícito, designadamente na sua dimensão objectiva.

Na verdade, os elementos subjectivos dos tipos de ilícito têm de ser inferidos dos factos materiais que, provados, apreciados segundo a livre convicção do julgador e em conjugação com as regras da experiência comum, apontam para a sua existência.

A prova dos elementos subjectivos dos tipos de ilícito terá de fazer-se indirectamente por ilações, a partir de outros factos provados, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.

Como assim, a aludida matéria não será levada em conta na apreciação e resolução das questões objecto da impugnação.

Feita esta observação, há a dizer que sobre a temática em causa, tem vindo esta secção social a seguir maioritariamente[3][4], o decidido nos acórdãos proferidos nos processos 231/14.6T8CTB e 62/14.3T8CTB (Des. Jorge Loureiro, ora adjunto) onde, na vigência do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho, de 20/12/1985, entretanto revogado[5] e substituído pelo Reg. (UE) 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014, se escreveu: “Nos termos do art.º 2 do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20/12/1985, e dos artigos 1º e 2º do DL 272/89, de 19/08, é obrigatória a instalação e utilização de tacógrafos nos veículos de transporte de mercadorias e de passageiros, bem como por parte de todos os condutores de veículos de matrícula portuguesa que efectuem transportes internacionais abrangidos pelo AETR, tudo com vista a tornar possível o controlo dos tempos de condução e de repouso de tais condutores, de forma a evitar que os mesmos, por excesso de trabalho e de fadiga, aumentem o risco da circulação rodoviária e contribuam para o aumento da sinistralidade rodoviária com as inerentes consequências na integridade física, saúde e vida dos mesmos e dos demais utentes das vias públicas.

O Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20/12, foi alterado pelo Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho n.º 561/2006, de 15/03, de molde a...

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