Acórdão nº 222/21 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução15 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 222/2021

Processo n.º 721/20

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., inconformada com o despacho interlocutório que indeferiu a arguição de nulidade e inconstitucionalidade da admissão como prova de um DVD com imagens gravadas no decurso de uma visita ao parlatório do estabelecimento prisional e com o acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Cascais que a condenou pela prática, em coautoria material, na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na pena de cinco anos e nove meses de prisão efetiva, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 25 de junho de 2020, lhes negou provimento, confirmando integralmente as decisões recorridas.

2. Novamente inconformada, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante LTC) – cf. fls. 385-387.

3. Por decisão sumária n.º 743/2020, de 21 de dezembro de 2020, proferida ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, foi decidido não conhecer do objeto do recurso, com os fundamentos seguintes:

«[…]

3. Nos presentes autos, a recorrente, notificada do teor do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 25 de junho de 2020, vem, quanto ao mesmo, apresentar o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC.

Para tanto, subdivide a recorrente, em duas subalíneas, as questões que pretende ver apreciadas por este Tribunal Constitucional, reportando-se a cada um dos recursos apresentados nas instâncias: em primeiro lugar, e sob a alínea A., relativamente ao recurso do despacho interlocutório, indica que “as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie, à luz de uma interpretação concordante com a sua intencionalidade normativa radicada na sua intrínseca teleologia, respeita ao disposto no artigo 26.º, n.ºs 1, in fine e 2, da CRP/76, em articulação com o preceituado nos artigos 1.º, 2.º, 9.º, alínea b), 16.º, n.º 2, 18.º, n.ºs 1, 2 e 3, 6, 27.º, 32.º, n.ºs 1 e 8, todos da CRP, em virtude da interpretação que o Tribunal da Relação de Lisboa (na sequência do Tribunal de primeira instância) evidenciar uma patente violação quer dos direitos fundamentais albergados nos anteditos normativos jurídico-constitucionais, quer do princípio direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem e, consequentemente, direitos fundamentais que constituem uma barreira intransponível na produção de prova criminal, num sistema processual penal específico de um Estado de Direito e Democrático, orientado pelo respeito e pela garantia da efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, conforme resulta do artigo 2.º da CRP/76, fundado na dignidade da pessoa humana nos termos do preconizado no artigo 1.º da Lei Fundamental, cujo princípio mostra-se também clamorosamente violado”. Concretiza depois esta sua alegação afirmando que “verifica-se a ocorrência-de uma clamorosa inconstitucionalidade material traduzida na admissibilidade como meio probatório no âmbito do processo judicial em apreço, os videogramas constantes do suporte digital "DVD", indicado como elemento probatório pelo Ministério Público na acusação e melhor referenciado a fls., 49 dos autos em referência, com as inerentes consequências jurídicas, mormente a violação patente dos princípios constitucionais supra aludidos”, “por outro lado, quer o Tribunal de primeira instância, quer o Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidirem como decidiram deixaram plasmado nas doutas decisões que interpretaram de forma clamorosamente inconstitucional, por violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare, ínsito no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República, na interpretação normativa levada a cabo dos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º, 126.º, n.º 3 e 167.º, todos do Código de Processo Penal”; em segundo lugar, e sob a alínea B., relativamente ao recurso do acórdão condenatório, afirma que “quer o Tribunal a quo, quer o Tribunal ad quem, ao decidirem como decidiram com base em meras conjecturas presuntivas encadeadas e em critérios subjetivos de valoração da prova testemunhal e documental, forçoso se torna concluir pela patente violação do programa normativo contido nos artigos 1.º, 13.º, 18.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1, 2, 5 e 8, e 203.º, da CRP/76, decorrente da deficiente interpretação que perfilham dos artigos 61.º, n.º 1, alínea g), 120.º, n.º 2, alínea d), 126.º, n.º 3, 127º, 340.º, n.º 1, 355.º, n.º 1, e 368.º, n.º 2, do CPP, e no artigo 72º, n.º 2.º, alínea a) do CP, tendo por isso sido violados os princípios das garantias de defesa e da presunção de inocência, inscritos no artigo 32.º, n.º 1 e 2, da CRP/76”, “[a] que acresce o facto de resultar também violado o disposto nos artigos 1,º, 18.º, n.º 1, 32.º, n.ºs 1 e 2, e 203.º, da CRP/76, revelando-se manifestamente inconstitucional a interpretação e aplicação levada a cabo pelo Tribunal a quo, dos artigos 61.º, n.º 1, alínea g), 120.º, n.º 2, alínea d), 127.º, 355.º, nº 1, e 368.º, n.º 2, do CPP, e no artigo 72º, n.º 2.º, alínea a) do CP, por violação do princípio da garantia de ampla defesa do arguido e da presunção de inocência, consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32.º da CRP/76, quando interpretado o n.º 4 do artigo 340.º do CPP, no sentido de permitir ao julgador, expressa ou implicitamente, limitar os direitos de defesa do arguido fora dos casos aí previstos com apoio na expressão "se for notório que", em virtude da sua ampla indeterminabilidade, a qual licencia uma discricionária limitação prejudicial, antecipada e sem controlo, da possibilidade de o arguido apresentar a prova que se entende ser essencial para a sua defesa e no momento que a mesma se revele necessária em conformidade com a decorrência da dinâmica da audiência de julgamento”.

Enunciando as questões de constitucionalidade deste modo, como se verá em detalhe nos pontos seguintes, as mesmas carecem de relevância normativa, estando, por isso, o seu conhecimento vedado ao Tribunal Constitucional.

4. O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, tem necessariamente natureza normativa, só podendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas efetivamente aplicadas na decisão recorrida, por não ter sido consagrado, no nosso ordenamento jurídico-constitucional, a figura do «recurso de amparo», que permitiria a reapreciação de decisões judiciais proferidas, para, de forma autónoma, defender direitos fundamentais violados ou ameaçados.

Assim, a abertura da via de recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe que a questão, sob apreciação, adquira relevância normativa, por transcender a casuística – o caso concreto submetido a julgamento nas instâncias –, e os seus contornos subsuntivos, de aplicação do direito aos factos apurados. Isto é, não lhe compete apreciar a validade das decisões judiciais no que se reporta à eventual violação de preceitos infraconstitucionais ou à eventual incorreção da interpretação e aplicação desses mesmos preceitos. O Tribunal Constitucional limita-se a apreciar a validade de tais critérios normativos – devidamente destacados da decisão concreta – face ao bloco de constitucionalidade relevante, encontrando-se ainda os seus poderes de cognição limitados à norma ou normas que a decisão recorrida, consoante os casos, tenha aplicado ou tenha recusado aplicação (artigo 79.º-C da LTC).

5. Ora, o objeto do recurso desenhado pela recorrente prende-se exclusivamente com a eventual inconstitucionalidade da própria decisão recorrida, por um lado, ao ter considerado admissível a utilização, “como meio probatório no âmbito do processo judicial em apreço, os videogramas constantes do suporte digital “DVD”” e, por outro, ao decidir “com base em meras conjunturas presuntivas encadeadas e em critérios subjetivos de valoração da prova testemunhal e documental”.

Na verdade, muito embora no seu requerimento de interposição de recurso, a recorrente faça referência a diversas normas de direito infraconstitucional, designadamente aos artigos 61.º, n.º 1, alínea d), 125.º, 126.º, n.º 3 e 167.º do Códigos de Processo Penal (CPP), quanto ao recurso do despacho interlocutório, e aos artigos 61.º, n.º 1, alínea g), 120.º, n.º 2, alínea d), 126.º, n.º 3, 127.º, 340.º, n.º 1, 355.º, n.º 1 e 368.º do mesmo Código, e 72.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, quanto ao recurso do acórdão condenatório, bem como a normas e princípios constitucionais que considera violados pela decisão recorrida, não chega a enunciar, como lhe competia, em termos precisos e inequívocos, e com clareza, qual ou quais as normas ou os sentidos normativos que considera colidentes com as regras ou princípios constitucionais invocadas, e tão-pouco indica que as mesmas tenham sido efetivamente aplicadas na decisão recorrida, como ratio decidendi, de forma a delimitar, em tal requerimento, o objeto do recurso.

Este deficit de alegação obsta a que se dirija à recorrente o convite ao aperfeiçoamento do seu requerimento de interposição de recurso, nos termos a que alude o n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC, uma vez que a recorrente também não suscitou previamente e de forma adequada, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que agora possa ser (re)apreciada (cf. artigo 72.º, n.º 2, da LTC). A formulação desse convite, neste caso concreto, revelar-se-ia, por isso, inútil, já que o cumprimento deste ónus de suscitação é um pressuposto...

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