Acórdão nº 229/21 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Abril de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução21 de Abril de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 229/2021

Plenário

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em Plenário no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B. e C., R.L., o primeiro interpôs recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), da decisão proferida pela Conselheira Vice-Presidente daquele Supremo Tribunal em 16 de outubro de 2019 (fls. 226-232), que indeferiu a reclamação deduzida contra a decisão de não admissão do recurso interposto pelo ora recorrente de acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP) para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. Do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade resulta que a dimensão normativa do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP que o recorrente pretendia ver sindicada pelo Tribunal Constitucional corresponde à «norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena o arguido em pena de multa, constante do artigo 400.°, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal» (cf. requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, D), 8.). Invocou então o recorrente ocorrer a «violação do artigo 32.°, n.º 1, conjugado com o artigo 18.°, n.º 2 da Constituição» (cf. idem).

O preceito do Código de Processo Penal (CPP) de que é extraída a dimensão normativa posta em crise assim dispõe:

«Artigo 400.º

Decisões que não admitem recurso

1 - Não é admissível recurso:

(...)

e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;

(...).»

3. Nestes autos foi proferida, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, a Decisão Sumária n.º 865/2019 (cf. fls. 251 a 264), na qual se decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal no sentido de que estabelece a irrecorribilidade de acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em primeira instância, condena o arguido em pena de multa» (cf. Decisão Sumária n.º 865/2019, III, 11.)

4. Notificado da Decisão Sumária n.º 865/2019, o recorrido reclamou para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, concluindo, quanto à decisão reclamada, o seguinte (cf. Reclamação de fls. 268 a 287, Conclusões, fls. 285-286, reiterada a fls. 299-308):

«Conclusões

1. Deve julgar-se inconstitucional a norma do Artigo 400. °, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, no sentido de que estabelece a irrecorribilidade de acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em primeira instância, condena o arguido em pena de multa;

2. Por violação do Artigo 32. °, n.º 1, conjugado com o artigo 18. °, n.º 2 da Constituição.

3. Pela doutrina Pela doutrina do acórdão do TC, verifica-se a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena o arguido em pena de multa, constante do artigo 400. °, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32. °, n.º 1, conjugado com o artigo 18. °, n.º 2 da Constituição.

4. Não é demais ter em conta a lúcida declaração de voto do Professor Costa Andrade segundo a qual o Tribunal Constitucional reequacione o alargamento do alcance do seu exame e dos seus juízos na direção por ele sugerida. Pelo menos, na direção da multa aplicada a pessoa singular.

5. Pelo que a norma deve ser interpretada no sentido de ser autorizado o recurso para o Supremo quando a Relação condena na prática de crime de que o arguido fora absolvido em primeira instância, qualquer que tenha sido a pena aplicada, nomeadamente multa.

6. As consequências da condenação ou a condenação não é irrisória.

7. Há desproporção entre o bem alegadamente violado e as sanções e indemnizações impostas. O que viola o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18°, n° 1, da Constituição.

8. O recurso também é admissível face ao artigo 2° do Protocolo n° 7, anexo à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

9. Também não houve dupla conforme, no caso concreto.

10. Em consequência, deve dar-se provimento ao recurso.»

5. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação deduzida (cf. fls. 293-298) nos seguintes termos:

«O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da reclamação para a conferência apresentada por A. (cfr. fls. 268-286 dos autos), vem responder-lhe, nos termos que em seguida se indicam.

Nos presentes autos, pela Decisão Sumária 865/2019, de 11 de Dezembro (cfr. fls. 251-264 dos autos), a Ilustre Conselheira Relatora deste Tribunal Constitucional não julgou inconstitucional a norma do artigo 400º, nº 1, do Código de Processo Penal, no sentido de que estabelece a irrecorribilidade de acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em primeira instância, condena o arguido em pena de multa.

Em consequência, negou provimento ao recurso de constitucionalidade do arguido, interposto da decisão singular proferida pela Conselheira Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Outubro de 2019 (cfr. fls. 226-232 dos autos), que, em sede de reclamação, não admitiu o recurso por ele interposto para o mesmo Supremo Tribunal.

O arguido foi oportunamente condenado, em primeira instância, pelo Juízo Local Criminal de Matosinhos – J1, do Tribunal Judicial de Matosinhos, pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 20, num total de € 4.000.

Inconformado, o arguido interpôs recurso deste Acórdão para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, porém, por Acórdão de 27 de Março de 2019, lhe negou provimento.

O mesmo Acórdão manteve a condenação pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva mas, para além disso, condenou o arguido pela prática de um crime de difamação agravado (do qual tinha sido absolvido em primeira instância), na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 20.

Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 350 dias de multa, à taxa diária de € 20, perfazendo a quantia de € 7.000.

O arguido foi ainda condenado a pagar ao assistente, B., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000, acrescida de juros à taxa legal.

Novamente inconformado, interpôs o ora reclamante recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Tal recurso não foi, porém, admitido, por despacho de 20 de Junho de 2019, com fundamento no artigo 400º, nº 1, alínea e), do Código de Processo Penal, por o acórdão de que o arguido pretendia recorrer ter aplicado pena não privativa de liberdade.

Deste despacho foi, então, interposta reclamação pelo arguido, nos termos do art. 405º do Código de Processo Penal.

Reclamação, essa, porém, indeferida pelo despacho, da Ilustre Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Outubro de 2019, a que atrás se fez referência (cfr. supra nº 2 do presente parecer).

É deste despacho que vem interposto, pelo arguido, o presente recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 237-241 dos autos).

10º

Neste Tribunal Constitucional, entendeu, designadamente, a Ilustre Conselheira relatora, na Decisão Sumária ora reclamada (cfr. fls. 262 dos autos) (destaques do signatário):

9. Delimitado o objeto do presente recurso de inconstitucionalidade, importa lembrar que a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal foi diversas vezes sujeita ao escrutínio de constitucionalidade na perspetiva da violação do direito ao recurso, tendo o Tribunal Constitucional decidido reiteradamente no sentido da não inconstitucionalidade de dimensões normativas em que igualmente estava em causa a restrição do direito ao recurso, traduzida na limitação do acesso a um duplo grau de recurso ou triplo grau de jurisdição.

Sem preocupações de exaustividade, cabe referir as pronúncias de não inconstitucionalidade sucessivamente constantes dos Acórdãos n.ºs 398/15, 418/16, 672/17, 683/17, 804/17, 22/18, 128/18, 476/18, 337/19, 372/19 e 485/19.

Cabe notar que os juízos desfavoráveis já formulados na jurisprudência deste Tribunal – como é o caso do invocado Acórdão n.º 595/18 – têm sido reportados a dimensões normativas retiradas do mesmo artigo do CPP (cfr. Acórdãos n.ºs 412/15, 845/17, 471/18 e o citado Acórdão n.º 595/18) que não se assemelham à questão suscitada nos presentes autos, não sendo o entendimento neles professado transponível para a situação sub judice. Como também assinalado na decisão judicial ora recorrida (cfr. em especial, transcrição supra em 8.1, e)), o juízo de inconstitucionalidade então formulado respeita à dimensão normativa retirada do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), no sentido de determinar a irrecorribilidade de acórdãos da Relação que perante uma decisão absolutória da 1ª instância condenam o arguido numa pena de prisão efetiva (privativa da liberdade), o que não corresponde à norma do presente caso.

Com efeito, atentando na específica questão normativa que constitui objeto do presente recurso de constitucionalidade – irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de multa – considera-se, pela similitude da pretensão do recorrente em ver reapreciado um acórdão do Tribunal...

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