Acórdão nº 219/18.8T9AND.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 14 de Abril de 2021
Magistrado Responsável | RODRIGUES DA CUNHA |
Data da Resolução | 14 de Abril de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 219/18.8T9AND.P1 ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTOI - RELATÓRIO:Por sentença de 5.11.2020, proferida nos autos, foi julgado extinto, por renúncia do direito de acusação particular relativamente a um dos comparticipantes (o advogado do arguido, subscritor da contestação), o procedimento criminal no que respeita ao arguido B….
*Inconformado com tal decisão, o assistente interpôs recurso.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição): I - Entende o recorrente que o princípio da indivisibilidade da queixa invocado na douta sentença, não pode ser erigido de forma absoluta.
II - A este propósito, importa mencionar o ensinamento segundo o qual “suscetível de alguma dúvida é saber se devem considerar-se correspondentemente aplicáveis à acusação particular as normas e princípios que vimos aplicar-se à queixa em matéria do seu alcance ou da extensão dos seus efeitos (…). Parece, tudo ponderado, dever negar-se uma tal aplicabilidade e considerar-se que o titular do direito de acusação pode exercê-lo só contra algum ou alguns dos comparticipantes; até por aquele, mesmo discordando do Ministério Público, entender que só quanto a esse ou esses existem indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem é (são) o (s) seu (s) agente (s)”.- vide Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, págs. 681 e 682.
III - Como sucedeu nos presentes autos, que, findo o inquérito, o que poderia configurar comparticipação «ab initio» não tenha resultado suficientemente apurado ou não tenham resultado indícios suficientes para acusar.
IV - Ao Ministério Público, enquanto titular da ação penal, compete investigar a existência do crime, a identidade dos seus agentes, a respetiva responsabilidade, recolhendo provas, levando, para tanto, a cabo as diligências necessárias para apurar tais factos, o que não aconteceu.
V - Sucede que, no caso «sub judice», na condução do inquérito, o Ministério Público não levou a cabo quaisquer diligências tendentes a aferir a (eventual) comparticipação do ilustre mandatário do arguido no crime de difamação, previsto e punido no artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal.
VI - Nem tão pouco se pronunciou, ainda que de forma perfuntória, sobre a queixa apresentada contra o ilustre mandatário do arguido.
VII - Pelo que houve uma ausência cabal de inquérito no concernente à queixa apresentada contra o mesmo, não tendo sido realizadas quaisquer diligências de investigação tendentes à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa.
VIII - Se nos autos não se realizaram quaisquer diligências, nem se providenciaram por quaisquer atos investigatórios, facilmente se estatui que não houve inquérito.
IX - A “Falta de inquérito ou Inexistência” a que se refere a alínea d) do artigo 119.º do CPP ocorre quando se verifica ausência absoluta de inquérito ou de actos de inquérito.
X - Foi precisamente o que se verificou nos presentes autos.
XI - Uma vez que pelo ofendido (ora assistente) foi apresentada queixa contra o ilustre mandatário do arguido B…, e não foram realizadas quaisquer diligências tendentes a apurar a (eventual) existência de comparticipação no crime de difamação.
XII - Face ao supra referido, arguiu-se a nulidade insanável de falta de inquérito, preceituada no artigo 119.º, alínea d) do CPP, com as devidas cominações legais daí emergentes.
XIII - Entendeu erroneamente o tribunal a quo que se trata de uma nulidade sanável, prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do Código de Processo Penal.
XIV - Resulta que o tribunal a quo desconsiderou a falta e/ou inexistência de investigação relativamente ao denunciado (não arguido) mandatário do outro denunciado/arguido na comparticipação do crime de difamação, nada tendo o Ministério Público apurado durante o inquérito, não se recolhendo quaisquer indícios ou a falta deles, sejam suficientes ou insuficientes da participação pelo ilustre mandatário do arguido na comparticipação do crime de difamação.
XV - Tendo sido essa a ratio da falta de dedução de acusação particular pelo ora recorrente contra o mandatário do arguido.
XVI - Não obstante, considerou o tribunal a quo que o princípio da indivisibilidade da queixa deveria ser erigido como critério absoluto.
XVII - Tendo, consequentemente, julgado extinto, por renúncia do direito de acusação particular relativamente a um dos comparticipantes, o procedimento criminal instaurado contra o arguido.
XVIII - A Constituição da República Portuguesa consagra, enquanto Princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático (art.ºs 1.º e 2.º), os plasmados no seu artigo 13.º e 20.º, este último com a epígrafe Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, cuja projecção sobre o caso sub judice reflecte a violação do acesso do recorrente ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos, por intermédio de um processo equitativo, com todas as suas dimensões garantísticas, como sejam o direito de acção, o direito ao processo perante os tribunais, o direito à decisão da causa pelos tribunais, designadamente o que diz respeito ao plasmado nos artigos 32.º n.º 5 e n.º 7 e 219.º, n.º 1 da lei fundamental e ainda a violação do direito à tutela efectiva, com a criação de dificuldades excessivas e materialmente injustificadas e com a criação de situações de indefesa originadas por manobras, conflitos de competência, expedientes, ónus e actos puramente formais, que mais não pretendem do que denegar justiça ao recorrente, tendo por consequência, nos termos do normativo constante dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 20.º da CRP, a invalidade de todos os actos e omissões que detalhadamente supra se enumeraram e cuja anulabilidade se invoca.
O recorrente conclui no sentido de que deverá ser dado provimento ao recurso, e, por via dele: ser revogada a sentença recorrida e em consequência, retornarem os autos à fase de investigação; ou caso assim não se entenda, que seja determinada a viabilidade do julgamento contra o arguido.
*O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta à motivação do recurso interposto, pugnando pelo não provimento do recurso, com a consequente manutenção integral da sentença recorrida que declarou extinto, por renúncia do direito de acusação particular, o procedimento criminal instaurado contra o arguido.
Termina com as seguintes conclusões (transcrição): 1) Face ao principio da indivisibilidade da queixa, aplicável à acusação particular por força do disposto no artigo 117º do Código Penal, o assistente não pode escolher os comparticipantes contra os quais deduz acusação particular; 2) A nulidade de “falta de inquérito” prevista no artigo 119º, alínea d) do Código de Processo Penal, diz respeito à situação de absoluta inexistência de inquérito ou de ausência de atos de inquérito.
3) Tendo sido ordenada e realizada, em sede de inquérito, a inquirição do assistente e a constituição e interrogatório como arguido de um dos comparticipantes, não se pode concluir pela verificação de tal nulidade.
*O Arguido também apresentou resposta à motivação do recurso interposto, pugnando pelo não provimento do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
Termina com as seguintes conclusões (transcrição): 1 - O recorrente, por não se conformar com o doutamente decidido pelo Tribunal A QUO, interpôs o presente recurso; 2 - As conclusões da motivação de recurso delimitam o objeto de recurso, determinam as questões a decidir pelo tribunal Ad Quem, exceto aquelas que são do conhecimento oficioso; 3 - O recorrente pretende ver apreciada a invocada nulidade do inquérito, por omissão de investigação nessa fase; 4 - A lei processual penal tipifica os atos que considera nulidades processuais, nos termos dos art.
ºs 118, CPP.
5 - Dentro das nulidades processuais, divide-as em nulidades insanáveis e sanáveis, nos termos dos art.
ºs...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO