Acórdão nº 671/19.4T8FNC.L1. S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Ourivesaria Eva, Lda. intentou acção declarativa com processo comum contra Marta Eris Unipessoal, Lda., pedindo que: a) Seja declarado que a A. é proprietária do prédio urbano sito na Rua …., freguesia da …., concelho …., inscrito na matriz sob o artigo …., e descrito na Conservatória de Registo Predial …. sob o nº ….; b) Seja a Ré condenada a reconhecer o direito de propriedade da A. e a restituir-lhe a parte do imóvel que ocupa, designadamente a loja sita no R/C com entrada pelo nº …; c) Seja a Ré condenada, pela ocupação indevida, a pagar à A., a título de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes da privação do uso e fruição pela autora, a quantia mensal de € 1.694,00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 31/12/2017 (exclusive) até sua efetiva desocupação; d) Seja a Ré condenada a pagar à A. e ao Estado, em partes iguais, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia não inferior a € 250,00 diários, até à entrega da parte do imóvel que ocupa, acrescida de juros, à taxa de 5% ao ano.

Regular e pessoalmente citada para contestar, com a cominação legal, a Ré apresentou contestação, tendo sido ordenado o respetivo desentranhamento por extemporaneidade, considerando-se confessados os factos articulados pela A.

  1. Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de Apelação da decisão que considerou como não verificado o incidente de justo impedimento, recurso que não foi admitido, por se ter entendido que a decisão em causa não era recorrível, no momento e nos termos em que a Ré o pretendia.

    Após, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente o pedido da A., com o seguinte teor: “a) Declara-se que a A. é proprietária do prédio urbano sito na Rua …, freguesia …, concelho …, inscrito na matriz sob o artigo …, e descrito na Conservatória de Registo Predial do …. sob o nº ….; Condena-se a Ré a reconhecer o direito de propriedade da A. e a restituir-lhe a parte do imóvel que ocupa, designadamente a loja sita no R/C com entrada pelo nº …; Condena-se a Ré a pagar à A., a título de indemnização pela ocupação do prédio, a quantia mensal de € 1.694,00 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 01/01/2018 (inclusive) até sua efetiva desocupação; Absolve-se a Ré do demais peticionado”.

  2. Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de Apelação.

    A A. contra-alegou sustentando a não admissibilidade do recurso quanto às questões referentes ao justo impedimento e ao desentranhamento da contestação por extemporaneidade uma vez que a Apelante recorreu apenas da sentença e não do despacho que apreciou aquelas questões. Requereu ainda a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do disposto no artigo 633.° do Código de Processo Civil Revisto, uma vez que os factos por si alegados no requerimento apresentado a 27 de Março de 2019, relativamente ao “justo impedimento”, não foram objeto de decisão pelo Tribunal de 1.

    a Instância.

  3. O Tribunal da Relação …. conheceu da apelação e veio a proferir a seguinte decisão: “(…) julga-se improcedente a Apelação e mantém-se a decisão proferida pelo senhor juiz do Tribunal de 1.

    a Instância.” 5.

    Novamente inconformada a Ré interpôs recurso de revista excepcional, para o STJ, invocando a contradição com outro Acórdão deste STJ e admitindo que existe dupla-conformidade decisória impeditiva da revista regra segundo o art.º 671.º, n.º1 e 3 do CPC.

  4. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se suscita a dúvida de saber qual ou quais os acórdãos-fundamento da invocada contradição de julgados (a Recorrente menciona três acórdãos, designadamente: 1 - “Ac. STJ de 25.10.2012 (5)”, “Ac. RL de 27.09.2017 (cfr. nota 6)” e acórdão do “Tribunal da Relação do Porto, in Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Proc. Nº 11/19.2GBSTSA.P1, JUSTO IMPEDIMENTO, RP2019102311/19.2GBSTS-A.P1. Data do acórdão: 23-10-2019 Votação: UNANIMIDADE.”); 2 - a falta de junção de cópia e/ou certidão com nota de trânsito em julgado, bem assim como a improcedência da argumentação da recorrente. Termina formulando pedido de ampliação do objecto do recurso, se o mesmo vier a ser admitido.

  5. O recurso de revista deu entrada via citius a 11/03/2020, já no prazo de 3 dias posterior ao prazo de recurso, com pagamento da multa; o Acórdão recorrido foi proferido a 04/02/2020 e havia sido devidamente notificado.

  6. Procedendo a uma análise dos requisitos gerais de admissibilidade da revista, a relatora considerou que não se afigurava existirem obstáculos à admissão do recurso de revista no que respeita aos pressupostos gerais: decisão recorrível, prazo do recurso, legitimidade, sucumbência-valor da causa.

    Mais disse: “Já quanto ao recurso de revista normal, que nem sequer veio requerido, a sua admissão estaria impedida pela existência de dupla conformidade decisória – art.º 671.º, n.º1 e 3 do CPC – o que justifica a opção do recorrente pela apresentação de requerimento de revista excepcional.

    A verificação da admissibilidade da revista excepcional integra a competência da formação a que se reporta o art.º 672.º do CPC, pelo que é apenas por essa formação que deve ser decidido se a revista excepcional é de admitir (quanto aos fundamentos invocados).

    Remeta-se à formação.

    ” 9.

    A formação veio a admitir o recurso de revista pela via excepcional, por acórdão de 2/12/2020.

    Veio a ser invocada a nulidade do acórdão da formação e pedida a sua aclaração, indeferida por novo aresto de 12/01/2021.

  7. Nas alegações da revista constam as seguintes conclusões (transcrição, sem correcções): “I – Salvo o devido respeito e melhor opinião a douto acórdão recorrido recorrida deve ser revogada e substituída por outra que declarando a violação de lei e nulidade reconheça o justo impedimento havido; II – A recorrida apresentou a petição inicial desta acção ref…., que foi enviada por carta registada a 6/2/2019 e descontados os 3 dias de correio, a contagem de prazo iniciou-se a 9/2/2019 e fundou a 11/3/2019 (sem multa art.º 138.º, 2 do CPC) e a 14/3/2019 com multa prevista na estatuição do n.º 3 do art.º 139.º do CPC, independentemente do justo impedimento, tendo a apelante passou procuração ao advogado signatário em 11/3/2019, como se pode ver para este contestar e dentro do prazo.

    III – Sucede que o advogado signatário a 12/2/2019 foi acometido de doença súbita e aguda, incapacitante para o trabalho e foi observado no Hospital …. de urgência, tendo ficado impedido de trabalhar por um período de 6 dias, tudo conforme Atestado Médico passado pelo Médico Cirurgião, Dr AA, em 12/3/2019, nos Serviços Clínicos do Hospital …. – …... Documento que se anexou e integralmente reproduziu para todos os efeitos legais e não foi nem impugnado nem objecto de qualquer apreciação pela Mma. Juiz.

    IV – Conclui-se que, só pode concluir-se que, a doença súbita, incapacitante e imprevisível, não deu hipótese de transferir a última hora para outro colega por ser impossível a qualquer advogado atenta a figura do bom pai de família se inteirar em 3 dias da complexidade da causa que já é continuação de outros 2 processos civis de despejo imediato que, a apelante já intentou contra a Apelada sem vencimento de causa.

    V – O justo impedimento é concedido às partes, quando razões estranhas e imprevisíveis ocorram, de forma que se revele adequada e equitativa a concessão de um prazo suplementar para a prática do acto. A parte que invoque o justo impedimento para a prática do acto processual em tempo deve arguir o incidente e praticar esse acto logo que cesse o justo impedimento o que se fez a 18/3/2019 e nos termos do n.º 4 e 5 do art.º 139.º do NCPC com pagamento da respectiva multa, bem assim nos termos do art.º 140.º do mesmo código.

    VI – No douto acórdão recorrido nunca o tribunal “ad quo” [sic] põe em causa que o impedimento não se verificou, nem coloca em causa a veracidade do atestado médico apresentado pelo mandatário da recorrente, limitou-se a aduzir que aquela não o pode invocar no âmbito do prazo estatuído no n.º 5 do art.º 139.º do CPC.

    VII – Os prazos peremptórios fixados na lei ou pelo juiz têm o seu último dia diferido para um dos três dias úteis subsequentes, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 5 e 6 do art.º 139.º do CPC e é possível a invocação do “justo impedimento” por factos ocorridos num dos três dias úteis previstos no n.º 5 do art.º 139.º, este é o entendimento que vem sendo sufragado em diversas decisões jurisprudenciais.

    Esta foi a posição assumida, entre outros, pelo ac. STJ de 25/10/2012, no qual, designadamente se salienta onde se defende este regime possibilita ainda às partes e aos seus mandatários a gestão do tempo disponível, de acordo com as respectivas conveniências, ponderando se compensa ou não dilatar o prazo mediante o pagamento da multa, mas não legitima qualquer juízo de censura em relação à parte (ou ao seu mandatário) que dele decide beneficiar pelo que é de concluir que, a solução adoptada no acórdão recorrido, além de contrariar o significado de alongamento dos prazos peremptórios em que o regime previsto no n.º5 do art.º145.º se traduz, conduz a soluções contrárias às exigências do princípio do processo equitativo, por implicar uma consequência desproporcionada à conduta adoptada e chama-se ainda à colação a argumentação, bastante válida e que aqui acompanhamos, utilizada no referido Ac. RL de 27/09/2017.

    Também a do TRP, in Ac. TRP proc. 11/19.2GBSTSA.P1, RP 2019102311/19.2 GBSTS-A.P1 VIII – Assim a douta acórdão recorrido violou as normas legais contidas nos art.ºs 139.º, n.º5, 140.º, 607.º e 662.º do NCPC, bem assim o art.º 20.º da CRP por não estar em causa determinar se pode ser invocado como justo impedimento para a prática de um acto processual um facto ocorrido num dos 3 dias previstos no n.º5 do art.º 139.º do CPC mas sim que “independentemente do justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos 3 primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do...

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