Acórdão nº 146/21 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Março de 2021

Data19 Março 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 146/2021

Processo n.º 529/2020

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., B., C. e D. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 17 de junho de 2020, que rejeitou o recurso para aí interposto pelos ora recorrentes.

2. Por acórdão proferido, no Juízo Central Criminal de Cascais, os recorrentes foram absolvidos da acusação da prática, em coautoria material, concurso real e na forma consumada, de seis crimes de corrupção passiva, previstos e punidos pelos artigos 373.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.

Inconformado, o Ministério Público recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão proferido em 23 de janeiro de 2020, condenou os ora recorrentes pela prática de quatro crimes de corrupção passiva, previstos e punidos pelos artigos 373.º, n.º 1 e 386.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, em penas únicas de prisão não superiores a cinco anos, suspensas na respetiva execução pelo período de cinco anos.

Inconformados, os arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso este admitido por despacho prolatado pelo Juiz Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, em 28 de fevereiro de 2020, mas rejeitado por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 17 de junho de 2020.

3. Deste acórdão foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade, através de requerimento com o seguinte teor:

«[…]

B., C., D. e A., recorrentes nos autos à margem identificados, vêm, ao abrigo das disposições conjugadas nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.°, na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 72.°, no n.º 1 do artigo 75.° e no artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 143/85, de 26 de novembro, 85/89, de 7 de setembro, 88/95, de 1 de setembro e 13-A/98, de 26 de fevereiro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do douto Acórdão de 17 de junho de 2020, proferido nos autos supra mencionados, o que fazem nos termos seguintes:

1.º

O recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional.

2.º

Os requerentes pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma constante na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.° do Código de Processo Penal, que determina a inadmissibilidade de recurso "De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.»

3.º

Esta pretensão dos recorrentes sustenta-se na violação das seguintes normas da Constituição: artigo 32.°, n.º 1, conjugado com o artigo 18.°, n.º 2.

4.º

No que respeita à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada pela primeira vez no requerimento do recurso interposto, pelos recorrentes, para o Supremo Tribunal de Justiça sobre o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.

5.º

Em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, por referência à alínea g) do n.º 1 do mesmo artigo, identificase o Acórdão n.º 31/2020 da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, prolatado em 16 de janeiro de 2020, no âmbito do processo n.º 258/19.

6.º

O presente recurso tem subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, ao abrigo do disposto nos artigos 406.°, 407.° e alínea a) do n.º 1 do artigo 4008.°, todos do CPP, por remissão do n.º 3 do artigo 78.° da Lei do Tribunal Constitucional.

Termos em que, se requer a V. Exa. que se digne a admitir o presente recurso, determinando a sua subida, com os efeitos legais, seguindo-se os demais termos previstos».

4. Determinado o prosseguimento dos autos, foram os sujeitos processuais notificados para os efeitos previstos no artigo 79.º da LTC e advertidos:

i) da possibilidade de não vir a ser conhecido o objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC pelo facto de o Acórdão n.º 31/20, para além de se ter pronunciado sobre norma diversa daquela que foi efetivamente aplicada no acórdão aqui recorrido, se encontrar pendente de recurso para o Plenário, não tendo por essa razão transitado em julgado;

ii) de que o objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é integrado pela norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena o arguido em pena de prisão não superior a cinco anos, suspensa na sua execução, constante do artigo 400.°, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal.

5. Os recorrentes apresentaram, então, alegações, argumentando o seguinte:

«I – Questão prévia: da cognoscibilidade do objeto do recurso

O presente recurso, interposto do douto Acórdão de 17 de junho de 2020, proferido pela 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça no processo n.º 748/13.0PFCSC.L1.S1, foi apresentado junto do Tribunal Constitucional ao abrigo das disposições conjugadas nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º, na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 72.º, no n.º 1 do artigo 75.º e no artigo 75.º-A da LTC.

Este douto acórdão recorrido concluiu que “… De harmonia com o disposto no art. 400º, nº 1, alínea e) do Código do Processo Penal «Não é admissível recurso: (…) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos»”. Pelo que “… o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa é irrecorrível, motivo pelo qual não pode ser admitido o recurso, nos termos dos arts. 414 º, nº 2 e 420 º, nº 1, al. b), do CPP, e terá que ser rejeitado, pois, o facto de ter sido admitido, não vincula o Tribunal Superior (art. 414 º, nº 3 do CPP).” Com este fundamento, decidiu pela “… procedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, em rejeitar o recurso nos termos dos arts. 414 º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), do CPP.”

Tendo em conta esta decisão, os recorrentes, através do presente recurso, pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma constante na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, que determina a inadmissibilidade de recurso “De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.”

Esta pretensão dos recorrentes fundamenta-se na violação do artigo 32.º, n.º 1, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.

No que respeita à alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada pela primeira vez no requerimento do recurso interposto, pelos recorrentes, para o Supremo Tribunal de Justiça sobre o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa prolatado no processo n.º 748/13.0PFCSC.L1.

No âmbito da alínea g) do n.º 1 do mesmo artigo, identificou-se no requerimento de interposição de recurso o Acórdão n.º 31/2020 da 2.ª Secção do Tribunal Constitucional, prolatado em 16 de janeiro de 2020, no âmbito do processo n.º 258/19.

Por douto despacho de 25 de setembro de 2020, foram os recorrentes informados pela Colenda Conselheira Relatora da possibilidade “de não vir a ser conhecido o objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC” e de que “o objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC é integrado pela norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente condena o arguido em pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução …”

Entendem os recorrentes, salvo o devido respeito, que o objeto do recurso deve ser conhecido. É verdade que o acórdão do Tribunal Constitucional que fundamenta o recurso ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC se pronuncia sobre a pretensa irrecorribilidade de acórdãos inovatórios da Relação que apliquem penas de multa. Todavia a dimensão normativa de tal acórdão abrange as situações em que tenham sido aplicadas penas cuja gravidade se não se compagine com a inadmissibilidade de recurso. Assim, numa interpretação orientada teleologicamente, o que se retira do acórdão é que outras penas para além da pena de prisão podem, dada a sua gravidade, admitir sempre a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ante uma condenação inovatória da Relação.

Dir-se-á ainda que não houve trânsito em julgado deste acórdão. Quanto a este aspeto, poder-se-ia dizer, desde logo, que a alínea g) do n-º1 do artigo 70.º da LTC não exige o trânsito em julgado e que tal exigência, numa situação em que a própria lei não faz distinções, contraria aspirações de celeridade e de justiça que estão indiscutivelmente presentes nos processos de fiscalização da constitucionalidade. Porém, para além disso, deverá reconhecer-se que a considerar-se exigível o trânsito em julgado, então deverá aguardar o juízo de constitucionalidade do presente processo pelo desfecho desse recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional, observando uma razoável “litispendência”, que permita decidir adequadamente a questão.

De todo o modo, mesmo que assim se não entenda, sempre se deverá concluir que o recurso é admissível ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Nessa perspetiva, não se vislumbra nenhum fundamento para não se conhecer o objeto do recurso...

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