Acórdão nº 0928/08.0BEALM 0205/13 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução24 de Março de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A……..., S.A., anteriormente designada B………., S.A. e antes disso C……………….., S.A., Recorrente nos autos à margem identificados, em que é Recorrido Município de Setúbal, notificada do Acórdão do TCA SUL, datado de 19 de novembro de 2020, que determinou a remessa do processo ao tribunal de primeira instância para ampliação da matéria de facto controvertida e repetição do julgamento no que concerne às questões de facto que aí não foram apreciadas, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e com ele não se conformando veio, ao abrigo do disposto nos artigos 279.º, n.º 1, alínea a), 282.º, n.ºs 1 e 2, 285.º, e 286.º do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, aplicável por força do disposto no artigo 13.º, n.º 1, alínea c), deste diploma, e do artigo 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, interpor recurso de revista para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

Alegou, tendo concluído: “A. O efeito do Acórdão recorrido não é aquele que a Recorrente pretendia obter e que é paradigmático do contencioso tributário – i.e., a anulação do ato de liquidação – mas sim a remessa dos autos para o tribunal de primeira instância em virtude de um suposto “défice instrutório” que aí teria de ser sanado com a repetição do julgamento e a ampliação da matéria de facto.

  1. A Recorrente, na linguagem tantas vezes utilizada pelos tribunais, “não obteve a decisão mais favorável aos seus interesses”, ou a decisão “não lhe [foi] tão favorável quanto possível”, ou “não conseguiu obter tudo quanto pediu” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra n.º 825/15.2T8LRA.C1, de 4 de abril de 2017; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5377/12.2T2AGD-A.P1.S1, de 28 de março de 2019; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 004466, de 13 de abril de 1988; JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., Vol. IV, p. 414).

  2. A pretensão anulatória da Recorrente não foi atendida, pelo que deve ser considerada parte vencida para efeitos de interposição de recurso (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 030343, de 30 de junho de 1992, e n.º 031185, de 9 de dezembro de 1992).

  3. O Tribunal Central Administrativo Sul ignorou indevidamente as disposições conjugadas do artigo 74.º, n.º 1, da LGT e do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT e o comando que deste último dispositivo legal resulta para anular a liquidação do tributo em caso de dúvida sobre a existência do facto gerador para, em vez disso, devolver os autos ao tribunal de primeira instância com vista à – desnecessária e ilegal – ampliação da matéria de facto.

  4. Aquilo que levou o Tribunal a quo a determinar a remessa dos autos ao tribunal de primeira instância em detrimento da anulação da liquidação da taxa pela realização, manutenção e reforço de infraestruturas urbanísticas (“TRIU”) prevista no Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município de Setúbal – anulação que foi o único pedido da Recorrente – foi um putativo “défice instrutório” no que concerne à “própria intervenção urbanística em causa [edificação de uma unidade industrial em propriedade privada localizada na península da Mitrena, em Setúbal] que permitam a esta instância recursiva pronunciar-se, em 1º lugar, quanto à existência do pretenso facto tributário que ora se analisa” (sublinhado da Recorrente).

  5. Relativamente ao facto gerador da TRIU, o Tribunal a quo reconhece que não foi possível sequer determinar se ocorreu, tão-pouco, a ter ocorrido, qual o respetivo conteúdo e alcance.

  6. É à Administração Tributária, noção que engloba as autarquias locais no exercício dos poderes tributários que lhes são atribuídos, e não ao contribuinte, que compete demonstrar os pressupostos do direito de tributar (cf. artigos 1.º, n.º 3, e 74.º, n.º 1, da LGT, bem como, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo n.º 060/13, de 3 de abril de 2013, e do Tribunal Central Administrativo Norte n.º 00911/07.2BEPRT, de 23 de novembro de 2017; JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES (Coord.), ob. cit., p. 816).

  7. Uma vez que sem o facto gerador não existe relação jurídica tributária e, por conseguinte, a liquidação de qualquer tributo é ilegal, essa demonstração deve integrar a fundamentação do ato de liquidação, algo que in casu manifestamente não sucedeu (cf. artigo 268.º, n.º 3, da Constituição, artigos 36.º, n.º 1, e 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, bem como a vasta jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo acerca da necessária anterioridade ou contemporaneidade da fundamentação em relação ao ato ou decisão a que diz respeito).

    I. In casu, basta olhar aos factos provados no Acórdão recorrido, designadamente aqueles que constam das alíneas b) e d), para constatar não foi nem indiciariamente demonstrado pelo Município de Setúbal em sede própria que o licenciamento da edificação da nova unidade precipitou o reforço, ampliação ou maior manutenção de infraestruturas urbanísticas e, por conseguinte, desencadeou maiores encargos públicos para a autarquia local que tinham de ser compensados pelo construtor com o pagamento da TRIU.

  8. O Município de Setúbal não logrou sequer provar ter a intenção de reforçar ou manter quaisquer infraestruturas urbanísticas no futuro em consequência da edificação da unidade industrial.

  9. No que concerne ao facto tributário ou gerador da TRIU, a doutrina não hesita em concluir, “com cristalina clareza, que é ao ML [município] que cabe demonstrar e fazer constar da fundamentação do ato de liquidação, ainda que de forma sumária, a identificação da prestação municipal que está na origem da liquidação da taxa, ou seja, quais são as infraestruturas que em concreto terá que realizar ou que necessitam de ampliação, reforço ou maior manutenção em consequência da operação urbanística (CLÁUDIA REIS DUARTE, MARIANA COENTRO RIBEIRO, ob. cit., p. 32).

    L. Mesmo que a liquidação da TRIU coincida com o licenciamento ou autorização da operação urbanística e preceda o reforço ou ampliação das infraestruturas pelo município, se esta prestação pública é apenas provável, e não real e efetiva, a taxa perde o seu indispensável caráter bilateral ou sinalagmático e torna-se ilegal (vide a esse respeito o Acórdão proferido nos autos pelo Supremo Tribunal...

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