Acórdão nº 01291/20.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução05 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: E.

veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 12.12.2020, que julgou totalmente procedente a acção intentada pelo Ministério Público para perda do actual mandato de Presidente da Câmara Municipal (…) exercido pelo ora Recorrente.

O Recorrido contra-alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: § 2.º QUESTÕES PRÉVIAS.

§ 2.1. Da decisão de indeferimento da produção de prova requerida pelo Demandado.

  1. Entre o saneamento processual e o conhecimento do mérito da causa, a sentença recorrida integra, na sua página 21, uma decisão de indeferimento da prestação de depoimento pelo ora Recorrente e da produção de prova testemunhal por este requerida.

  2. Essa decisão não apresenta qualquer razão para considerar “claramente desnecessária” tal produção de prova, pelo que é nula nos termos do artigo 90.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativo, do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, e 154.º, 613.º, n.º 3 e 615º, n.º 1, alínea b), do Código e Processo Civil.

  3. Ainda que assim não fosse – o que não se concede –, a produção de prova requerida pelo Demandado era essencial à boa decisão da causa, uma vez que existiam factos em relação aos quais se impunha que tivesse sido produzida a referida prova – o que sucede inclusivamente quanto aos factos alegados nos artigos 21.º a 46.º da petição inicial, absolutamente essenciais para a realização do tipo objectivo, que a sentença, na sua fundamentação, repetidamente apresenta como constituindo a descrição dos alegados incumprimentos do Demandado (cfr., p. ex., páginas 90, 105, 111-112) – os quais foram especificamente impugnados pelo Demandado (cfr. artigos 197.º, 198.º e 328.º da Contestação).

  4. Sendo a matéria controvertida, isso impunha a realização da instrução (cfr. n.º 1 do artigo 90.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 410.º, 411.º e 413.º do Código de Processo Civil), tendo sido violado o direito à prova do Demandado e, bem assim, o princípio do contraditório (cfr. n.º 3 do artigo 3.º e artigo 415.º do Código de Processo Civil), enquanto dimensão de um processo jurisdicional equitativo (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, artigo 2.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem) – tendo por isso sido violadas essas disposições legais e constitucionais.

  5. O que resulta reforçado numa acção (administrativa para perda de mandato) que possui cariz sancionatório – assim o confirmam unanimemente todos os nossos Tribunais superiores –, razão pela qual o artigo 32.º, n.ºs 2 e 10, da Constituição garante ao visado os direitos de audiência e defesa.

  6. Impõe-se no caso concreto a revogação da decisão de indeferimento da produção e prova, a realização da instrução e, em especial, a produção da prova requerida pelo Demandado, anulando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tanto em termos consequenciais como por força das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, ex vi n.º 3 do artigo 140.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  7. A interpretação dos artigos 15.º, n.º 1, da Lei da Tutela Administrativa, e 90.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no sentido de que é admissível a condenação na sanção de perda de mandato em saneador- sentença, indeferindo a produção de prova requerida pelo Demandado, é inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência e dos direitos de audiência e defesa (n.ºs 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição, aplicáveis à acção administrativa para perda de mandato) e, bem assim, do direito a um processo jurisdicional equitativo (cfr. n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, n.º 1 do artigo 2.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

  8. A interpretação dos artigos 15.º, n.º 1, da Lei da Tutela Administrativa, e 90.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no sentido de que é admissível a condenação na sanção de perda de mandato em saneador- sentença, indeferindo o requerimento de prestação de declarações do Demandado, é inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência e dos direitos de audiência e defesa (n.ºs 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição, aplicáveis à acção para perda de mandato) e, bem assim, do direito a um processo jurisdicional equitativo (cfr. artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, artigo 2.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).

    § 2.2. Da nulidade da sentença por falta de fundamentação.

  9. A sentença recorrida padece de vício de nulidade por falta de indicação dos factos que o Tribunal a quo entendeu não estarem provados, nos termos do artigo 94.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e dos artigos 607.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

  10. A interpretação do artigo 94.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e dos artigos 607.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, no sentido de que a sentença não tem que especificar os factos julgados como não provados, nem proceder à respetiva fundamentação, é inconstitucional por violação do direito ao acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efectiva, estabelecido no artigo 20.º da Constituição.

  11. A infracção imputada ao Demandado exige o dolo do agente (artigo 9.º, alínea i), da Lei da Tutela Administrativa, para o qual remete o artigo 11.º, n.º 1, da Lei n.º 43/2012); uma vez que a sentença recorrida se limita à afirmação desse dolo, acompanhada de uma definição genérica de dolo eventual (cfr. pág. 108), é nula a sentença, nos termos dos artigos 94.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 607.º, n.º 3, e 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

    § 2.3. Outras nulidades da sentença.

  12. Nos termos abaixo explicitados, por comodidade, a propósito da identificação dos erros de julgamento em matéria de Direito, a sentença é ainda nula: a) Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, por contradição dos fundamentos de facto descritos nos pontos 18 a 28 da matéria fáctica provada com a decisão de condenação do Demandado (cfr., infra, § 5.4.6).

    b) Por omissão de pronúncia sobre a questão da inaplicabilidade da sanção tutelar pressuposta pelo n.º 1 do artigo 11.º da Lei n.º 43/2012 nos casos em que os factos imputados ao Demandado consistem em alegadas violações dos artigos 12.º e 13.º do mesmo diploma, alegada pelo ora Recorrente nos artigos 521.º a 524.º da Contestação (cfr. § 5.7.2).

    § 2.4. Subsidiariamente: insuficiência da matéria de facto.

  13. A sentença recorrida considerou improcedente a arguição de nulidade da petição inicial, que o Demandado invocou em virtude de não constarem da petição inicial os elementos típicos essenciais da infracção, cuja verificação é indispensável por força do princípio da legalidade – e, dentro dele, de tipicidade –, como decorre do artigo 242.º, n.º 1, da Constituição, a saber: (I) os actos concretos, por acção ou omissão, imputáveis ao visado, (II) praticados de modo doloso, (III) especificamente executados para “fins alheios ao interesse público”, nos termos dos artigos 8.º, n.º 1, alínea d), e 9.º, alínea i), da Lei da Tutela Administrativa.

  14. A sentença padece igualmente de vício de insuficiência da matéria de facto para a condenação, mesmo que o julgamento (errado) da matéria de facto se mantenha inalterado e se considere matéria factual o descrito no Relatório da Inspecção-Geral de Finanças, transcrito no artigo 10.º da matéria de facto, o que não se concede.

  15. Com efeito, para aplicação da sanção de perda de mandato, é necessário que o titular do órgão tenha exercido uma determinada competência, por acção ou omissão, praticando o facto típico tutelar; ora, tal como acontece com a petição inicial, tão-pouco a sentença aponta factos suficientes em que se consubstanciasse o tipo objectivo de infracção.

  16. Por seu turno, quanto aos elementos subjectivos, não consta um único artigo na matéria de facto; não é possível compreender de onde o Tribunal a quo retira a conclusão de que a conduta (ativa e omissiva) é dolosa.

  17. Não existindo no processo qualquer presunção de culpa que permitisse ao Tribunal abster-se de identificar os factos reveladores da consciência e vontade do Demandado e os concretos meios de prova de onde tais factos se retirariam, a eventual aplicação da sanção de perda de mandato, tendo por base uma imputação realizada nestes moldes, representaria uma intolerável preterição do princípio da culpa; sem tais elementos factuais, não é possível aplicar o Direito e a consequente sanção (artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal).

  18. Ao não descrever concretamente na matéria de facto (provada ou não provada) factos essenciais para a condenação, a sentença revela-se incompleta, não tendo o Tribunal esgotado a indagação necessária aos “temas de prova” relevantes, nem sendo possível efetuar a subsunção ao tipo legal respetivo (607.º, n.º 3, in fine, do Código de Processo Civil), o que obriga à absolvição do Recorrente.

  19. A interpretação normativa dos artigos 8.º e 9.º da Lei da Tutela Administrativa segundo a qual a sentença, nas acções de perda de mandato, não tem de fornecer todos os elementos necessários para que o Demandado fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 32.º, n.ºs 1 e 10, 20.º e 205.º, n.º 1, da Constituição.

    § 3.º...

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