Acórdão nº 00323/20.2BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução05 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:* O Ministério Público interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, em acção administrativa urgente para perda de mandato intentada contra V.

(Sítio (…)), julgada improcedente.

O recorrente conclui: 1ª - Na sequência das últimas eleições autárquicas ocorridas em 01/10/2017, para o quadriénio de 2017 a 2021, o R. tomou posse, em reunião de 19/10/2017, como Presidente da Junta de Freguesia de (...), no concelho de (...), eleito como cidadão que encabeçava a lista mais votada para a Assembleia de Freguesia, pertencente ao Grupo Cidadãos Eleitos Independentes por (...) (cfr. doc. de fls. 9 e 10 do suporte físico do processo).

  1. - Como Presidente da Junta de Freguesia de (...) e em reunião de 20/10/2017, o R. tomou posse, por inerência, como membro da Assembleia Municipal de (...) (cfr. docs. de fls. 17 a 25 do suporte físico do processo).

  2. - O R. mantém atualmente, no exercício do seu mandato para 2017-2021, as suas funções enquanto Presidente da Junta de Freguesia de (...) e, por inerência, membro da Assembleia Municipal de (...) (acordo).

  3. - Por despacho da Presidente da Câmara Municipal de (...) de 02/09/2019, publicado em Diário da República, 2.ª Série, n.º 207, de 28/10/2019, sob o Aviso n.º 17285/2019, o R. foi designado para o cargo de Secretário do Gabinete de Apoio à Presidência da Câmara Municipal de (...), cargo que mantém atualmente (cfr. docs. de fls. 26 e 28 do suporte físico do processo).

  4. - No exercício do mandato do R. enquanto Presidente da Junta de Freguesia de (...), não foi atribuído o exercício das suas funções aos restantes membros da Junta de Freguesia (acordo e cfr. doc. de fls. 27 do suporte físico do processo).

  5. - O R. não aufere qualquer remuneração pelo exercício das funções de Presidente da Junta de Freguesia de (...), recebendo apenas uma compensação para encargos, durante 12 meses, em cada ano, a qual ascende ao valor mensal de € 275,58 (cfr. docs. de fls. 27 e 42 do suporte físico do processo).

  6. - Na petição inicial foi considerado que ocorre uma incompatibilidade das funções de membro autárquico Presidente da Junta de Freguesia de (...) com as funções de membro do Gabinete de Apoio à Presidência da Câmara Municipal de (...), uma vez que o R. desempenha o mandato de Presidente da Junta de Freguesia em regime de permanência, a tempo parcial ou a meio tempo, o que constitui uma atividade profissional pública para efeitos do art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/93, de 27/05.

  7. - Na sua contestação quer o Réu fazer crer que as funções de Presidente da Junta de Freguesia de (...) não são por si desempenhadas em regime de permanência, mas em regime de não permanência, já que nem sequer aufere qualquer tipo de remuneração pelo exercício dessas funções, mas apenas uma compensação mensal para encargos, apelando, por isso, que a sua a atividade exercida como eleito local não pode ser considerada uma atividade profissional pública para os efeitos do art.º 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 196/93, de 27/05, porquanto só o seria se exercesse essas funções em regime de permanência, a tempo inteiro ou a tempo parcial, o que não é, nem nunca foi, o caso, não ocorrendo, pois, qualquer incompatibilidade.

  8. - Resulta, portanto, do n.º 1 do art.º 3.º do EEL (Estatuto dos Eleitos Locais) que os eleitos locais, mesmo em regime de permanência, podem exercer outras atividades, públicas ou privadas, para além das que exercem como autarcas.

    O n.º 2 do mesmo preceito exceciona, porém, uma situação em que pode não ser permitida a referida acumulação, isto é, quando as funções a exercer correspondam a cargos ou atividades profissionais relativamente aos quais outras leis estabeleçam regimes de incompatibilidades ou impedimentos de acumulação com as referidas funções autárquicas (sublinhado nosso).

  9. - É o nos diz o Decreto-Lei n.º 196/93, de 27/05, que se manteve-se em vigor “quanto aos membros da Casa Civil e do Gabinete do Presidente da República, do gabinete do Presidente da Assembleia da República, dos gabinetes de apoio aos grupos parlamentares, dos gabinetes dos Representantes da República, dos gabinetes dos membros dos governos regionais, e dos gabinetes de apoio aos presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais”, por salvaguarda expressa do n.º 5 do art.º 22.º do referido Decreto-Lei n.º 11/2012, de 20/01 (sublinhado nosso).

  10. - Ora, prevê o art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 196/93, de 27/05, que “o disposto no presente diploma é aplicável: a) aos titulares dos cargos que compõem o Gabinete do Presidente da República e a respetiva Casa Civil, o Gabinete do Presidente da Assembleia da República e os gabinetes de apoio aos grupos parlamentares, o Gabinete do Primeiro-Ministro, os gabinetes de membros do Governo, os Gabinetes dos Ministros da República para as Regiões Autónomas, os gabinetes dos membros dos Governos Regionais, os gabinetes dos governadores e vice-governadores civis e os gabinetes de apoio aos presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais; b) aos titulares de cargos equiparados a qualquer dos referidos na alínea anterior”.

  11. - E o art.º 3.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Incompatibilidades e impedimentos”, estipula que “a titularidade dos cargos a que se refere o artigo anterior é incompatível: a) com o exercício de quaisquer outras atividades profissionais, públicas ou privadas, remuneradas ou não, salvo as que derivem do exercício do próprio cargo; (…)”. Acresce que “a violação do disposto no artigo 3.º ou no n.º 3 do artigo anterior determina a demissão do cargo em que o infrator esteja investido” (art.º 5.º, n.º 1) (sublinhado nosso).

  12. – Assim, os titulares dos cargos que compõem os gabinetes de apoio aos presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais não podem, por incompatibilidade, exercer quaisquer outras atividades profissionais, públicas ou privadas, remuneradas ou não, o que significa, no essencial, a consagração de uma regra de exclusividade para o exercício daqueles cargos.

  13. – Aqui chegados dúvidas não há que o R. é, por um lado, titular de um dos cargos que compõem os gabinetes de apoio aos presidentes e vereadores a tempo inteiro das câmaras municipais e, por outro lado, exerce funções enquanto Presidente da Junta de Freguesia de (...) e, por inerência, enquanto membro da Assembleia Municipal de (...), conforme vem mencionado na sentença.

  14. - A questão que se coloca é, pois, a de saber se o exercício de funções no cargo de Secretário do Gabinete de Apoio à Presidência da Câmara Municipal de (...) é incompatível com o exercício das funções de Presidente da Junta de Freguesia de (...), pelo facto de estas últimas funções (de Presidente da Junta de Freguesia de (...)) corresponderem ao exercício de “quaisquer outras atividades profissionais, públicas ou privadas”, na aceção da alínea a) do n.º 1 do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 196/93, de 27/05, sendo, por isso, incompatíveis com a titularidade do cargo de Secretário.

  15. - Veja-se o Parecer da PGR nº120/2005 e Ac do STA de 03/06/2003, proc. 0843/03 “De acordo com o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 3º do Decreto-Lei 196/93, de 27 de maio, há incompatibilidade entre o cargo de membro de gabinete de apoio de presidente ou vereador de câmara municipal e o “exercício de quaisquer outras atividades profissionais, públicas ou privadas, remuneradas ou não”.

  16. – Assim como a 3ª conclusão desse Parecer donde se retira que: “Constitui atividade profissional Públia, para efeitos de citada norma do Decreto-Lei 196/93, o exercício de funções como membro de junta de freguesia, desde que o respetivo mandato seja desempenhado em regime de permanência, quer a tempo inteiro, quer a tempo parcial – pelo que, nesse caso, ocorre a aludida incompatibilidade, cuja consequência será a demissão do cargo de membro de gabinete de apoio de presidente ou vereador de câmara municipal, nos termos do artigo 5º do mesmo diploma…” 18ª - Registe-se ainda, conforme Nuno da Silva Salgado que “teríamos como vereadores ´em regime de permanência´ aqueles que, em qualquer momento poderiam ser chamados, ainda que teoricamente, ao exercício das funções que lhe são inerentes, enquanto em ´regime de não permanência´ seriam todos os restantes, ou seja, aqueles que, normalmente só contribuem para a formação de vontade funcional e normativa do órgão de que são membros no seio das reuniões desse órgão ou nos casos concretamente determinados pelo mesmo órgão.

    ” 19ª - Note-se a este propósito que no caso em análise, o Réu, não seria chamado “ainda que teoricamente”, mas sim em concreto, a desempenhar as suas funções, sem as dividir ou reparti-las com outrem, conforme ficou provado na ação, não interessando que estivesse em regime de permanência a tempo inteiro ou a meio tempo, já que tal definição só terá a ver com a dimensão da freguesia em questão.

  17. - Continuando: “Por outro lado, seriam vereadores “a meio tempo” todos aqueles, em regime de permanência, que exerceriam as suas funções dentro de um período de tempo concretamente determinado e a “tempo inteiro” todos aqueles que as exerceriam sem limitação de tempo, devendo as funções de uns e outros ser exercidas no decurso do período de expediente público.

    ” 21ª - E, conclui o autor: “deste modo é inquestionável que, quer os vereadores “a meio tempo” quer os “a tempo inteiro”, seriam vereadores “em regime de permanência”.

  18. – Perante estes mesmos conceitos, sustento o Tribunal Constitucional (ver nota 31) que hoje são “fundamentalmente quatro as situações em que se podem encontrar os eleitos locais: a) em regime de permanência e exclusividade; b) em regime de permanência com acumulação de outras funções não remuneradas; c) em regime de permanência com acumulação de outras funções remuneradas, d) em regime de meio tempo”. E, acrescente-se, podem ainda encontrar-se em...

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