Acórdão nº 450/18.6PBCLD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelISABEL VALONGO
Data da Resolução10 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1 - Por sentença de 7 de Setembro de 2018, - cfr fls 58 e 59 - transitada em julgado em 07.05.2019 -, proferida nos presentes autos de processo comum singular, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo Local Criminal das Caldas da Rainha - Juiz 2, o arguido T., com os demais sinais nos autos, foi condenado: “a) (…) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; b) Nos termos dos artigos 50º, nºs 1,2,3,4 e 5, 51º, nºs 1,2 e 4, 52º, nº 1, alíneas b) e c), nºs 3 e 4, 53º, nºs 1 e 2, todos do C. Penal, foi decretada a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de um ano, a partir do trânsito em julgado da sentença, sendo essa suspensão condicionada e acompanhada de regime de prova e incluindo-se neste regime, para além do mais, a vinculação de arguido a um plano de intervenção com acompanhamento pela DGRSP, a comparência do arguido em acção dinamizada pela DGRSP, direccionada para a problemática criminal em causa e ainda, desde que obtida a prévia aceitação do arguido, a obrigação de comparência do mesmo a consulta para diagnóstico e eventual tratamento à problemática alcoólica e, caso seja esse o entendimento médico, o efectivo tratamento, que poderá incluir internamento, se necessário, à referida problemática alcoólica.

  1. (…) na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motorizados de qualquer categoria pelo período de 1 (um) ano, por aplicação do artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

* 2 - Por despacho de 2 de Setembro de 2020 foi revogada a suspensão da execução da pena de prisão e determinado o seu cumprimento.

* 3 - Inconformado com a decisão, recorreu o condenado, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões: “1- Face ao incumprimento do PRS foi designada data para audição do condenado, nos termos do artigo 495º, nº 2 do Código de Processo Penal, para o dia 16 de março de 2020.

2- Todavia, “Em virtude da pandemia e das medidas adoptadas pelos Tribunais de contenção da mesma, foi determinada a audição do arguido por escrito.” (cfr. Decisão de que se recorre).

3- Durante o estado de emergência, face à proliferação de casos registados de contágio de Covid-19, tornou-se exigível a aplicação de medidas extraordinárias, entre elas, e para o que aqui nos interessa, destacam-se as relativas à justiça.

4- Na verdade, por via da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, alterada pela Lei 4-A/2020, de 6 de abril, foi decretada a suspensão da maior parte dos prazos processuais, até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, embora com algumas exceções.

5- A maioria dos prazos processuais esteve suspensa desde o dia 9 de Março de 2020 e até que fosse indicada a data de cessação da suspensão, à excepção dos processos urgentes, os quais continuaram a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências, devendo estas últimas realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados.

6- Sendo que, caso assim não fosse possível, as mesmas poderiam realizar-se presencialmente apenas se estivesse em causa a vida, a integridade física, a saúde mental, a liberdade ou a subsistência imediata dos intervenientes e desde que não implicasse a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes.

7- Ainda assim, a lei determinou a aplicação aos processos urgentes do regime de suspensão previsto para os restantes processos caso não fosse possível, nem adequado, assegurar a prática de atos ou a realização de diligências nos processos urgentes.

8- A nosso ver, bem andou a Meritíssima Juiz em não efectuar, presencialmente tal diligência, face à epidemia e, ao estado de emergência decretado em Portugal.

9- Mas será, que tal diligência – Audição de Condenado - poderia ser, ainda que face às circunstâncias excepcionais atrás descritas, ser substituída pela forma escrita? 10-Estamos perante uma decisão – revogação da suspensão - que interfere com a liberdade do condenado, já que, se traduz no cumprimento da pena de prisão substituída.

11-O condenado tem direito ao contraditório em sede de audiência, tal como é assegurado, pelo artigo 495º, nº 2 do C.P.P., ou seja, mediante audição pessoal e presencial do arguido o que configura uma garantia de defesa constitucionalmente consagrada – artigo 32º, nº 5, 2ª parte CRP.

12-Ao assim não proceder o Tribunal a quo preteriu o direito de audição prévia como estabelecido naquele artigo, pelo que, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão constitui uma nulidade insanável cominada no artigo 119º, alínea c) do C.P.P., a qual deve ser declarada oficiosamente, em qualquer estado do processo.

13-Face ao exposto deverá ser declarada nula a decisão a quo, por preterição do direito de audição prévia nos termos determinados no artigo 495º, nº 2 do C.P.P., por constituir nulidade insanável cominada no artigo 119º, alínea c) do C.P.P.

14-Foram assim violados os seguintes normativos: artigos 61º, nº 1, alínea b) e 495º, nº 2 ambos do C.P.P. e 32º, nº 5, 2ª parte da CRP.

15-Por outro lado, a suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição, a qual imprime a necessidade de evitar os efeitos das penas curtas de prisão, daí que, a lei tenha fixado limites apertados à revogação desta pena de substituição, o que se compreende, pois de modo algum elas promovem a ressocialização do agente na sociedade.

16-Resulta do artigo 56º do Código Penal que, a revogação da suspensão não opera de forma automática.

17-Cingindo-nos aqui à alínea a), subjacente ao caso em apreço somos de sublinhar que, a revogação só deve ter lugar quando, o incumprimento dos deveres, para além de ter que ser grosseiro ou repetido, revelar que, as finalidades (da punição) que estavam na base da suspensão já não podem ser alcançadas através dessa suspensão, ou seja, quando o comportamento do arguido já não é passível de um juízo de prognose favorável.

18-São assim, dois os pressupostos para aferir da revogação da suspensão resultantes da alínea a) nº 1 do artigo 56º do C. Penal: infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o PRS e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

19-Salvo o devido respeito, no nosso modesto entender, não concordamos com a verificação dos pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, tal como vêm definidos no artigo 56º, nº1, alínea a) do C. Penal.

20-De facto, é verdade que o arguido não cumpriu com o PRS elaborado, porém, tal incumprimento não reveste carácter grosseiro, não podendo por isso mesmo ser qualificado como tal, como passaremos a demonstrar factualmente.

21-Resulta dos autos que, o arguido, cfr. requerimento fls. 157 e 158, passou por um período conturbado na sua vida, donde resultaram vários processos movidos contra si, nomeadamente o do caso em apreço.

22-De facto, o arguido à data dos factos (2018) contava com 27 anos de idade, vivia com os pais, um jovem adulto sem prespectivas de trabalho, e com pouco juízo crítico e falta de responsabilidade relativamente aos seus comportamentos que deram azo aos vários processos que decorreram contra si.

23-Acontece porém que, na sequência desta condenação, a qual previa, uma pena de prisão efectiva, suspensa na sua execução, o arguido tomou consciência da gravidade do seu comportamento e da sua problemática com o álcool, e das consequências nefastas que poderiam advir para o seu futuro.

24-Perante essa ameaça de prisão, procurou desde logo dar um rumo a sua vida, pois: “Era para si importante afastar-se do meio onde vivia…porque com o afastamento ao seu meio natural poderia reestruturar a sua vida” - Requerimento acima citado fls. 157 e 158 25-Foi então que, em Outubro de 2018 o arguido, rumou a França “à procura de condições de empregabilidade, tendo usufruído do suporte de conhecidos já aí radicados para se inserir e adaptar ao novo contexto comunitário.” – Relatório da DGRSP datado de 25/11/2019, fls. 177 a 179.

26-O arguido esteve a trabalhar para a empresa “(…)”, onde exercia a actividade de armador de ferro e cuja compensação monetária era para si, bastante gratificante, conforme documentos juntos aos autos.

27-Nessa altura, exercia a sua profissão através de vínculos laborais de natureza temporária, os quais iam sendo renovados. Relatório DRSP datado de 25/11/2019, fls. 177 a 179.

28-Desde essa data que o arguido se encontra a trabalhar e a residir em França, mais concretamente na zona de Lyon.

29-Presentemente o arguido, já é detentor de uma relação jurídica de emprego por tempo indeterminado, com uma empresa representada por um português, o qual teve o seu início a 10 de Agosto de 2020. Doc. 1 30-A celebração do presente contrato deixou-o bastante orgulhoso e ainda mais motivado e confiante para dar continuidade à sua evolução pessoal, profissional e social, em pautar-se de acordo com as regras societárias.

31-Ora, como se pode constatar factualmente, o arguido afastou-se do seu meio natural, reestruturou a sua vida, tem um emprego, um rendimento gratificante, casa onde morar, não mais consumiu bebidas alcoólicas, encontrando-se nessa medida inserido social e profissionalmente.

32-Na verdade, o arguido teve sempre o cuidado em informar o Tribunal de todo o seu percurso, designadamente, dizendo onde estava, o que estava a fazer, juntando contratos de trabalho para o efeito, dando conhecimento das datas possíveis de estadia em Portugal na casa do agregado familiar dos pais, e da morada dos mesmos.

33-Sempre manifestou a sua inteira...

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