Acórdão nº 499/16.3GABNV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução23 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO No âmbito do processo 499/16.3GABNV foi proferido o seguinte despacho, determinando a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, com o seguinte teor: “Da revogação da suspensão da pena Por sentença proferida nos presentes autos datada de 19 de Abril de 2017 (cf. referência Citius n.º 75110570), transitada em julgado em 14 de Setembro de 2017, foi o arguido P… condenado na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, sujeita a regime de prova a delinear pela DGRSP do qual conste os seguintes deveres, sujeito entre outros aos seguintes deveres: - Frequentar programa STOP; e, - Entregar aos Bombeiros Voluntários da área da residência a quantia de € 500,00 (quinhentos euros), pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal

Foi, ainda, condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículo motorizado pelo período de 8 (oito) meses que já foi declarada extinta pelo cumprimento

O arguido entregou a quantia de €500,00 aos Bombeiros Voluntários da sua área da residência, e, frequentou o programa STOP nas duas componentes, tendo integrado o curso “CVEE-Estratégias de Prevenção de Reincidência” nos dias 10 e 11 de abril tendo tido uma atitude participativa e adequada e frequentou o curso da Prevenção Rodoviária Portuguesa nos dias 23 e 30 de junho de 2018, tendo havido uma avaliação positiva da sua participação e reflexão sobre as temáticas em causa (cfr. relatório da DGRSP com a referência Citius n.º 5436693)

* Compulsado o teor do CRC do arguido junto a fls. 251 a 255 e da certidão da sentença e do acórdão proferidos no processo n.º 93/18.4PSLSB de fls. 168 a 214 resulta que o arguido, depois de ter sido condenado nestes autos voltou a ser condenado no âmbito do processo n.º 93/18.4PSLSB - por factos praticados em 15 de janeiro de 2018, ou seja após o trânsito em julgado da sentença proferida nestes autos – pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º nº 1 e 69º, nº 1, al a), ambos do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação e na pena de proibição de conduzir veículo motorizados pelo período de 18 (dezoito) meses

* O Ministério Público emitiu parecer no sentido da revogação da suspensão da execução da pena (cf. referência Citius n.º 81526698 e 84298087)

* Foi designado dia para a audição do arguido, nos termos do artigo 495.º, do Código de Processo Penal

* Ouvido o condenado este referiu, em sua defesa, que praticou o crime em que foi condenado no processo n.º 93/18.4PSLSB, estando arrependido, mas que conduziu o veículo automóvel por motivo de força maior, nomeadamente os seus filhos, D…, com a idade de 9 anos, e A…, que à data estavam na altura à guarda da mãe, e padecendo o D… de diabetes de tipo 1 (insulino-independente), o A… telefonou-lhe aflito e disse-lhe que não conseguia falar com a mãe e o D… estava com uma hipoglicémia, e como não conseguiu falar com a mãe dos filhos, apesar de o ter tentado, acabou por se deslocar a casa do D… para o tratar, para dar a bomba, dar o açúcar

Foi ainda ouvida a técnica da DGRSP que acompanha o arguido, tendo a mesma referido que o arguido frequentou o programa STOP em momento posterior à prática do crime em que foi condenado no processo n.º 93/18.4PSLSB e a avaliação foi muito positiva ao nível da consciência do que estava em causa e que em seu entender o arguido não padece de dependência de álcool

Mais referiu que considera que após a condenação sofrida pelo arguido no processo n.º 93/18.4PSLSB o arguido tomou plena consciência das possíveis consequências da prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez

* O Ministério Público promoveu a revogação da pena aplicada, referindo que arguido voltou a cometer ilícito criminal de igual natureza ao subjacente aos presentes autos, o que nos faz concluir, aliás à saciedade, que o incumprimento, por parte do arguido dos pressupostos dos quais dependia a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, não só é grave, culposo como grosseiro

* Por sua vez, o Defensor do arguido, pronunciou-se pela não revogação da suspensão da pena aplicada ao arguido, referindo para o efeito que os valores que se prendem com os menores, sobrepõe-se a quaisquer outros, uma vez que, tiveram por a preocupação e perigosidade da situação de saúde em que se encontrava o menor D…

* Foi solicitado à DGRSP a elaboração de relatório com vista ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, tendo o mesmo sido junto aos autos através da referência Citius n.º 7020850

* Cumpre decidir Estatui o artigo 56.º do Código Penal que: “1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.” Densificando o descrito critério legal, FIGUEIREDO DIAS – in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 357 – considera que a condenação pela prática de um crime no decurso do período de suspensão da execução da pena só implica a revogação da suspensão se a prática desse crime infirmar definitivamente o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, ou seja, a esperança fundada de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição

Neste sentido também o Acórdão da Relação do Porto, Processo n.º 0544153, de 11-01-2006, do relator Isabel Pais Martins

Na linha desse entendimento, também nós julgamos que a prática de um crime durante o período em que vigorava a suspensão da pena, só deve constituir causa de revogação dessa suspensão quando por ela se demonstre que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão

Impõe-se pois que nesses casos se apure, como o impõe o preceito, se “as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas”

O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da alínea b) do n.º 1 ("e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas") refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas

Saliente-se, ainda, que "as causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena" e que a revogação "só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito [o actual art. 55º] contém" - cf. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, I vol., 1995, pág. 481

Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstancialismos susceptíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adoptar

Revertendo ao caso concreto, temos que importa, ponderar se a prática, pelo arguido, durante o período da suspensão, dos referidos crimes, revelou que a mera ameaça de cumprimento da pena de prisão aplicada nestes autos não foi suficiente para realizar de forma adequada as finalidades da punição, de modo a que o arguido deixe de ser merecedor do voto de confiança que lhe foi dado pelo tribunal

Importa assim, apreciar se o cometimento dos crimes pelo qual o arguido foi condenado no âmbito do processo n.º 93/18.4PSLSB, que foram praticados no período da suspensão, é revelador de que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas

Ora, conforme resulta da sentença proferida nos presentes autos, o Tribunal optou pela suspensão da pena por entender que, no caso, a simples ameaça da pena de prisão seria suficiente para afastar o arguido da prática de futuros crimes, juízo que resultou claramente infirmado pelos factos que determinaram a condenação no referido processo 93/18.4PSLSB

Com efeito, os factos praticados no âmbito do processo n.º 93/18.4PSLSB ocorreram antes de decorrido um ano após a sentença proferida nestes autos, tratando-se além do mais de crime de idêntica natureza -, pelo que não podia o arguido deixar de ter consciência da gravidade da sua conduta, para a qual foi devidamente advertido pela condenação sofrida neste âmbito

Por outro lado, a justificação dada pelo arguido, não se afigura suficientemente bastante, sendo que, muito embora se entenda que o superior interesse das crianças terá sempre de ser acautelado, sempre se dirá que, tal não constitui elemento bastante, para que legitime a actuação do arguido, na medida em que, não tendo formação técnica, a situação poderia ser mais grave, e poderia ter accionado o 112, por forma a que a assistência fosse dada por profissionais de saúde

De resto, não pode ainda este Tribunal alhear-se da gravidade dos factos em apreço, os quais determinaram a aplicação de uma pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, pelo que naquela sede foi...

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