Acórdão nº 00171/16.4BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO J., com residência em (…), S., com residência na Rua (…) e J., residente na Rua (…), instauraram ação administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., com sede na Rua (…), impugnando as decisões de indeferimento dos recursos hierárquicos por si interpostos relativamente aos atos praticados a 14/01/2015 e 15/01/2015, atos estes que consideraram existir incumprimento injustificado das condições que determinaram a aprovação de projeto de criação de emprego próprio e impuseram a restituição, pelos Autores, dos valores que reputaram indevidamente recebidos, respetivamente, as quantias de € 9.194,38, € 7.379,90 e € 9.982,00.

Por decisão proferida pelo TAF de Viseu foi julgada improcedente a acção e absolvido o Réu do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões: II.I MATÉRIA DE FACTO

  1. Foram deferidos pelo recorrido os requerimentos dos aqui recorrentes, b) Tendo-lhes sido atribuída a totalidade dos valores a que tinham direito a título de subsídio de desemprego, c) Foi atribuído o montante de 9.109,12 a J., por despacho proferido a 25/08/2014; d) Foi atribuído o montante de 7.379,90 a S., por despacho proferido a 25/08/2014; e) Foi atribuído o montante de 9.982,00 J., por despacho proferido a 25/08/2014.

    f) Posteriormente, a Janeiro de 2015, foi enviada a cada um dos aqui recorrentes uma “Notificação por incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego”, g) O réu, aqui recorrido, fundamentou tal decisão no facto dos autores estarem enquadrados como Membros dos Órgãos Estatutários numa outra entidade, a I., Lda., que não aquela que serviu de base ao projeto referido supra, h) No entanto, tal sucedeu apenas por dois dias, i) E os recorrentes não auferiram qualquer remuneração no exercício de tal função.

    j) Posto isto, os autores, aqui recorrentes, apresentaram, a Fevereiro de 2015, recurso hierárquico das decisões proferidas, k) A Fevereiro de 2016 foram todos notificados, pelo aqui recorrido, da decisão do indeferimento do recurso hierárquico.

    l) Vêm agora os autores recorrer, por não se conformarem com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou improcedente a ação anulação de ato administrativo emanado pelo réu, m) Ato esse que obrigava os autores a restituir os valores recebidos a título de subsídio de desemprego, no âmbito do “Projeto de criação de emprego próprio”, n) Baseado num alegado incumprimento dos requisitos exigíveis para o acesso ao mesmo.

    II.II MATÉRIA DE DIREITO

  2. A decisão do réu quanto à restituição dos montantes referidos supra, como já se disse, baseia-se num alegado incumprimento do número 9 do artigo 12.º da Portaria n.º 985/2009 de 4 de Setembro, assim como do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, com a redação dada pelo decreto-Lei n.º 64/2012 de 15 de Março.

    b) Quanto à Portaria 985/2009, com o devido respeito, não se vislumbra qualquer incumprimento por parte dos aqui recorrentes, c) Pois mantiveram a empresa em atividade, com os postos de trabalho preenchidos por estes, a tempo inteiro, d) Cumprindo estes e os demais requisitos para a manutenção do direito de antecipação das prestações de desemprego.

    e) A sentença de que se aqui recorre reconhece que os autores, aqui recorrentes, assumiram as funções de membros de órgãos estatutários de uma sociedade comercial terceira ao projeto em apenas DOIS DIAS, isto é, 23/09/2013 e 20/11/2014.

    f) Interpretando “exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada” numa perspetiva rígida e desproporcional g) Resumindo, o Tribunal a quo admite que os aqui recorrentes ocuparam os cargos apenas por dois dias, h) E que não auferiram qualquer quantia pelo exercício de tais funções.

    i) O que nos leva a entender que este pretende defender uma presunção inilidível do número 3 do artigo 34.º do Decreto-Lei 220/2006, j) Extraindo de um facto conhecido, um facto desconhecido, k) No entanto, a admitir-se a existência de uma presunção nesta norma, seria sempre uma presunção ilidível, l) Isto é, mediante prova em contrário, a presunção deixa de ser considerada (artigo 359.º/2 do Código Civil).

    m) Precisamente o que sucede in casu, tendo em conta que, não existiu qualquer remuneração decorrente da ocupação dos cargos estatutários da sociedade comercial terceira e que os aqui recorrentes ocuparam tais cargos durante dois dias.

    n) Da errada interpretação dos preceitos legais acima mencionados resultaram várias consequências jurídicas ilegais, que por sua vez feriram o ato que se impugna.

    o) “A violação de lei é um vício que consiste nas discrepâncias entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhes são aplicáveis” AMARAL, Diogo Freitas, in “Curso de Direito Administrativo”, vol. II, Almedina, Coimbra, pág.390.

    .

    p) E pode operar, igualmente, no exercício de poderes discricionários e verifica-se quando sejam infringidos princípios gerais que limitam ou condicionam, de forma genérica, a discricionariedade administrativa, mormente, os Princípios Constitucionais.

    q) O exercício de toda a actividade administrativa está adstrita à observância de princípios e regras.

    r) O réu, ao interpretar a lei da forma como interpretou e o tribunal “a quo” ao manter essa interpretação, sem qualquer consideração pela matéria factual que envolve a situação em apreço, desrespeitou vários Princípios que regem toda Administração Pública, assim como Princípios Constitucionais.

    s) A questão que aqui se discute é precisamente a desconsideração de factos essenciais para a justa decisão da causa, t) Pois não podia o réu, nem o Tribunal a quo, ignorar as circunstâncias do alegado incumprimento, assim como os argumentos dos autores, aqui recorrentes, u) Tal como defendeu o Tribunal Central Administrativo do Sul Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 13106/16, datado de 24/11/2016.

    em caso análogo: v) “Esta conclusão impunha-se ainda e impõe-se ao réu sob a égide da submáxima da necessidade em sede do postulado aplicativo da proporcionalidade administrativa; mas também à luz do sub-exame da proporcionalidade em sentido estrito: seria manifestamente excessivo, desequilibrado, irracional e injusto que o Decreto-Lei e a Portaria cits. pudessem tolerar, no juízo ponderativo ou opcional feito pelo legislador dentro da unidade racional do sistema jurídico, que a ora Autora tivesse (i) de encerrar a empresa criada ao abrigo daquela legislação e (ii) de viver sem bem-estar mínimo por causa da exclusividade exigida pela lei, precisamente por causa de tal empresa, onde a autora, aliás, não deixou de trabalhar.” w) E conclui: “Portanto, o réu errou, ajuizou mal, porque violou os princípios gerais da justiça e da proporcionalidade administrativa, ao qualificar esta factualidade como um “incumprimento injustificado”, isto é, ao concretizar o conceito jurídico-legal de “incumprimento injustificado” x) Dizendo ainda que se o réu “tivesse ponderado de facto e expressamente os argumentos invocados na audiência prévia pela autora, talvez o réu não tivesse feito esta incorreta concretização do cit. conceito jurídico indeterminado, concluindo que se tratou de um incumprimento justificado”.

  3. O Tribunal a quo, começa por dizer que na avaliação do incumprimento da proibição de acumulação do exercício de uma atividade normalmente remunerada e para se chegar a um juízo justificativo do mesmo “atuarão os princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da boa-fé”, por existir uma “margem de valoração própria da atividade administrativa”, z) Ora, in casu, diríamos que nem justificação seria necessária, pois, repete-se, provou-se que não existiu qualquer remuneração e que os nomes dos aqui recorrentes apenas constaram dos órgãos da sociedade comercial terceira durante dois dias, a

  4. Assim, considerar esta situação um incumprimento, é atentar contra princípios norteadores da Administração Pública, bb) Os mesmos que a sentença usou para justificar a sua decisão.

    cc) “O princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, expresso na não violação de direitos adquiridos ou frustração de expectativas legítimas, sem fundamento bastante, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R.Portuguesa).” Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, Processo n.º 171/15.1BELLE, datado de 21/06/2018.

    dd) Quanto a nós, dúvidas inexistem quanto à ilegalidade do ato administrativo impugnado, tendo em conta que, para além do referido supra, o mesmo frustrou as expetativas dos aqui recorrentes, ee) Isto é, mesmo estando os autores no exercício de uma função “normalmente remunerada” por apenas dois dias, e mesmo provando que não tinham sido remunerados para o efeito, manteve-se a decisão, ff) Sem existir qualquer justificação passível para infringir um direito adquirido e de frustrar as legítimas expetativas dos aqui recorrentes.

    gg) “O princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18º, n.º 2, 2ª parte, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 5º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, proíbe o sacrifício desadequado, inexigível ou excessivo dos direitos e interesses dos particulares” Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, Processo n.º 00275/08.7BEMDL, datado de 23/09/2015.

    hh) Ora, in casu, os recorrentes cumpriram todas as condições que a lei impunha para o exercício do direito – criaram a própria empresa, mantiveram os postos de trabalho, foram apenas remunerados por essa empresa e mais não receberam qualquer outra remuneração por qualquer outra empresa tendo assumido a posição de gerentes da sociedade comercial terceira por apenas dois dias, ii) Mas mesmo assim, entendeu-se que se deve punir por uma fraude que se comprovou inexistir, jj) Assim, devido às 48 horas em que os nomes dos...

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