Acórdão nº 111/21 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 111/2021

Processo n.º 12/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, foi apresentada reclamação para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), ainda que sob invocação de regime diverso, da decisão prolatada, em 24 de novembro de 2020, pelo Juiz Desembargador Relator, que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão prolatado por aquele Tribunal em 14 de outubro de 2020, aresto que, entre o mais, julgou improcedentes as impugnações da decisão da matéria de facto e negou provimento ao recurso da decisão final interposto pelo ora reclamante, confirmando, assim, a sua condenação pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de roubo agravado, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.

2. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor:

«A. , Arguido nos epigrafados autos, e ali já com os devidos sinais, notificado do Acórdão proferido a 14/10/2020, por esta Relação do Porto , a qual manteve a decisão proferida pela 1 ª Instância , e não se conformando com tal Acórdão, e dado que suscitou questões de inconstitucionalidade no ser recurso , vem nos termos e para os efeitos dos art.º 280 da C.R.P , art.ºs 70 n º 1 alíneas b ) f ) n º 2 , 72 n º 1 e 2 , 75 e 75- A todos da Lei 28/82 de 15/11 INTERPOR RECURSO, com pedido de Apoio Judiciário , o qual tem efeito suspensivo e com subida nos próprios autos , juntando para tanto:

REQUERIMENTO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

DOS CONSIDERANDOS

Ao arguido A. foi-lhes aplicada em cúmulo jurídico a pena única de 5 anos e 4 meses de prisão efetiva, por alegadamente ter incorrido na prática, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.º 203 e 204 n º alíneas e), f) e g) todos do Cód. Penal e um crime de roubo agravado , p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 210 n º 1 e n º 2 alínea b) por referência ao art.º 204 n º 2 alíneas f ) e g ) todos do Cód. Penal , ainda que seja referida que na aplicação concreta da pena o Tribunal tivesse em consideração a ausência de antecedentes criminais e a situação social e profissional do Arguido. Acontece que,

não se tendo o Arguido conformado com aquela, aliás, douta, decisão, dela interpôs o competente recurso, no qual alegou e demonstrou a existência de vícios na prolação da mesma, e sobretudo, alegou e demonstrou que a sua pena foi demasiado excessiva. Acontece que,

este Tribunal da Relação do Porto, proferiu Acórdão a considerar improcedente o recurso interposto pelo Arguido, o qual não se conformando com tal decisão, vem dela interpor o presente recurso, já que, nas suas Alegações e Motivações de recurso interposto para a Relação do Porto invoca a existência de ilegalidades e inconstitucionalidades.

Posto isto,

1. reque-se a inconstitucionalidade do artigo 127.º do CPP, quando interpretado no sentido de que a livre apreciação da prova dispensa o cumprimento do previsto no art.º 187 n º 7, e não configura nulidade prevista no art.º 122 do C.P.P, quando identificação do Arguido para o processo em que foi condenado tenha sido obtido mediante interceções telefónicas de outro processo, que não tem relação com o processo em julgamento, porquanto viola os artigos 32.º e 34 da CRP.

Pois, há que analisar o relevo criminal ou o valor (direto ou indireto) dos factos que constam das transcrições das escutas, pois, é certo que na generalidade dos casos, as escutas apenas demonstram o contacto telefónico e o teor deste, não podendo isoladamente comprovar o facto ilícito, constituindo apenas um elemento indiciário da sua realização, que deverá ser conjugado com outros elementos probatórios.

Na verdade, ouvido o depoimento da inspetora B. verifica-se que esta relata factos que não visualizou presencialmente, mas, que tomou conhecimento das transcrições de escutas, as quais obtidas na investigação de outro processo e para visualização das imagens, em que esta diz que pelas características físicas parece ser o Arguido. Porquanto,

atente-se e salienta-se que a Inspetora B., que dirigiu a investigação, no que ao Arguido A. diz respeito nada presenciou diretamente do que resulta provada nos pontos 18 a 23 da matéria do facto provado, sendo que, como ela referiu e está gravado, chegou à identificação deste Arguido pelas interceções telefónicas do Proc. n º 915/13.6JAPRT, constituído o Anexo A, no qual era investigado o Arguido C..

caberia ao Tribunal em respeito pelo art.º 127 do C.P.P. e do princípio in dúbio pro reo valorar que a identificação do Arguido foi obtida em interceção de outro processo, e não por uma identificação presencial de quem dirigia a investigação. A verdade é que,

Quando estão em causa conhecimentos obtidos noutro processo de forma acidental, porque extravasam o objeto da investigação e podem dar origem a outra investigação criminal, sobre diferente factualidade, a lei impõe que se proceda a um novo controlo judicial, para além do inicialmente efetuado no processo de origem do meio de prova.

Assim, o juiz que recebe a escuta terá que declarar nos autos quais as razões concretas que o levam a concluir pela admissibilidade do meio de prova, e tal não se limitará certamente, a uma mera reprodução do texto legal.

Ora, tal não se verifica nos autos, já que no Acórdão em crise nada é dito a este respeito, o que conduz à nulidade do acórdão proferido, já que paralelamente se verifica a ausência de qualquer outro meio de prova que permita sustentar a condenação do recorrente, pelo que deverá o mesmo ser absolvido da prática dos ilícitos pelos quais foi acusado e condenado, tendo ocorrido a violação dos art. ºs 122° e 187.º, n.º 7 todos do Cód. Proc. Penal e art. ºs 32° e 34° da CRP.

2. requer-se a inconstitucionalidade dos art.º 188 n º 1 e 3 e 167 n º 1 ambos do C.P.P quando são interpretados no sentido de que as gravações obtidas num âmbito extra- processual, por particulares, e não intra processual, são consideradas válidas, ainda que obtidas sem consentimento do Arguido, em local público e com violação do seu direito à imagem, porquanto viola os art.º 17, 26 e 32 todos da C.R.P.

E sendo consabido que o direito processual penal é direito constitucional aplicado, sempre que no decurso do processo penal se verifique uma intromissão nos direitos fundamentais do Arguido, tem de ocorrer minuciosa regulamentação legal que não pode eliminar o núcleo do direito afetado (núcleo essencial). Assim,

descendo ao caso em apreço verifica-se que ocorreu uma intromissão quer nas conversas tidas entre o Arguido A. com o Arguido C. no proc. n º 915/13.6JAPRT, bem como, a intromissão na esfera particular deste ao ser filmado a sair da D..

Desta relação entre direito processual penal e direito constitucional decorre o princípio da proibição de provas obtidas com restrição de direitos fundamentais, consagrado nos artigos 32º, n.º 8, e 34º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e que foi transposto para o artigo 126º do Código de Processo Penal. Por sua vez,

ainda que as normas dos artigos 187º as 190º do Código de Processo Penal configurem uma exceção consentida pelo n.º 4 do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, o certo é que, para ocorrer tais exceções é necessária existir uma na articulação dos direitos fundamentais afetados com a escuta telefónica com o interesse processual de concretização de perseguição criminal, desde que se registe respeito pelo disposto no n.º 2 do artigo 18º da Lei Fundamental.

E como resulta do art.º 341 do Cód. Civil as Provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do Arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis. Na verdade,

os meios de prova são os elementos essências de que o julgador se deve servir para formar a sua convicção acerca de um facto, porém, de tais elementos de prova deve resulta com evidência que o Arguido praticou os factos pelos quais foi condenado. Por sua vez,

Meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova.

Por outro lado , atente-se que as imagens do Arguido a sir da D. foram obtidas também mediante a identificação que é feita do Arguido no processo 915/13.6JAPRT , tendo as mesma sido obtidas sem consentimento do mesmo – art.º 199.º do Cód, Penal ,já que , que os sistemas de captação de imagens não se encontram licenciados pela CNPD (Artigo 27.º e seguintes da Lei n.º 67/98, de 26 de outubro) e dessa forma ocorreu uma nulidade de tal meio de prova, por intromissão na vida privada e violação do direito à imagem Art.º 126.º, n.º 3 e 167.º do Cód. .Proc. .Penal .. Cumpre ainda referir que se, no caso, se verifica tal nulidade.

com já se disse o Art.º 341º do Cód. Civil estabelece que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, porém , as proibições de prova, emergentes da legislação constitucional e ordinária, impõem a procura de uma verdade, que por ter de ser processualmente válida, pode afastar-se, significativamente, da verdade absoluta ou ontológica – neste sentido, Dias, Jorge de Figueiredo e Andrade, Manuel da Costa, Criminologia, O Homem Delinquente e a Sociedade Criminógena, Coimbra Editora, 1997, pág. 506 seguintes – e, por conseguinte, a descoberta da verdade tem como limite os direitos fundamentais. De tal...

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