Acórdão nº 123/17.T9CNT-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelELISA SALES
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - RELATÓRIO A arguida C. S.G.P.S., S.A.

veio interpor recurso do despacho, proferido em 24-9-2020, que indeferiu a suspensão dos presentes autos, requerida ao abrigo do disposto no artigo 47º, n.º 1, do RGIT.

* E, da motivação extraíram as seguintes conclusões: 1. Nos termos do artigo 47.º, n.º 1, do Regime Geral para as Infracções Tributárias, se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças.

  1. Assim, entende a recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, que é sempre muito, que uma vez verificada a situação objectiva referida na previsão da norma, ou seja, se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário - deve ser declarada a suspensão do processo penal fiscal.

  2. Donde resulta que a declaração de suspensão do processo penal, nas circunstâncias previstas no artigo 47.º, n.º 1, do referido RGIT, não é uma faculdade e não depende de critérios de oportunidade nem de análise dos pressupostos da impugnação judicial feitos pelo tribunal penal, sendo antes o reconhecimento da verificação de uma situação objectiva à qual a lei atribui efeitos no processado. É um efeito ope legis.

  3. Acresce ainda que o estabelecido no RGIT, enquanto norma especial, prevalece sobre as normas do Código de Processo Penal, nomeadamente sobre o disposto no artigo 7.º n.º 2 do CPP. Assim, a suspensão do processo não está na dependência da decisão do juiz do processo penal tributário.

  4. A paralisação do processo penal tributário é uma consequência da verificação da situação objectiva que fundamenta e determina a suspensão do processo.

  5. Assim, estando a correr impugnação judicial, ou oposição à execução, deveria o juiz do processo determinar a suspensão do mesmo e não determinar que o processo prossiga. Pois está obrigado a suspender o processo por efeito da lei.

  6. Até porque não há lugar à aplicação do disposto no artigo 7.º do CPP no processo penal tributário. Pois a norma ínsita no n.º 1 do artigo 47.º do RGIT, não sujeita a suspensão a qualquer limite, a não ser o do trânsito em julgado das sentenças a proferir na impugnação judicial, ou na execução.

  7. Acresce que o não cumprimento desse preceito legal faz o Estado português incorrer em responsabilidade civil extracontratual e levará à sua condenação no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo ainda factor de descredibilização da justiça e do Estado português.

  8. Com efeito, os autos foram instaurados por haver suspeita da prática de crime de abuso de confiança à Segurança Social, na forma continuada, por força dos artigos 7.º n.º 1 e 107.º n.º 1, todos do RGIT, bem como pelo art.º 11.º e 30.º n.º 2, ambos do Código Penal.

  9. Porém, a sociedade arguida, ora recorrente, impugnou judicialmente os factos que constituem objecto do presente processo.

  10. Ora, encontrando-se tal impugnação ainda no Tribunal Administrativo e Fiscal, o despacho proferido que determina a não suspensão do processo penal fiscal ao abrigo do estatuído no artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, impedindo os autos de aguardar a prolação e trânsito de decisões judiciais no âmbito da referida impugnação, é manifestamente ilegal.

  11. O efeito da suspensão do processo penal tributário decorre do teor do artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, pelo que não vale aqui o princípio da suficiência da acção penal consagrado no artigo 7.º do Código de Processo Penal.

  12. E decorre igualmente da citada disposição legal que a suspensão do processo penal fiscal prolonga-se até ao trânsito em julgado das decisões da impugnação judicial ou da oposição a execução.

  13. Pois a paralisação do processo até o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de impugnação judicial é uma consequência da verificação da situação objectiva que fundamenta e determina a suspensão do processo.

  14. O regime especial, previsto no art.º 47.º n.º 1, concretiza, na legislação ordinária, o preceito constitucional, ínsito no art.º 212.º, n.º 3, da Constituição, que comete à jurisdição administrativa e fiscal a dirimição dos litígios incidentes sobre relações jurídicas administrativas e fiscais - incluindo os casos em que estes se configuram como "prejudiciais" relativamente à matéria sobre que versa o processo criminal, necessariamente da competência dos tribunais judiciais.

  15. Determinar a continuidade do processo penal tributário, nos termos em que o tribunal a quo o fez, é violador das normas constitucionais.

  16. O regime previsto no processo penal comum acerca da verificação da existência de uma questão prejudicial – e, portanto, também de uma questão prejudicial de natureza administrativa ou fiscal – não determina a suspensão obrigatória do processo, tudo como determina o n.º 2 do artigo 7.º do CPP.

  17. O tribunal poderá suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente. Já a suspensão do processo penal tributário, nos casos previstos no artigo 47.º, n.º 1, do RGIT, é obrigatória.

  18. Esta especial norma tributária resulta de se pretender o conhecimento dos crimes tributários (cf. artigos 35.º e seguintes do RGIT), pelo que nele importa, desde logo, esclarecer se houve infracção de certas normas de natureza tributária (cf. o artigo 1.º do RGIT), o que constitui questão fiscal.

  19. E as questões prejudiciais de natureza fiscal são, por definição, questões cuja resolução se revela necessária para a definição criminal da questão principal - mas é quase inconcebível que num processo penal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT