Acórdão nº 956/14.6TBVRL-T.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

A ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO SITO NA RUA ……, lugar da …….., ……., instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa, com forma ordinária, contra MASSA INSOLVENTE DE SUNSEE IMOBILIÁRIA, LDA.

Apresentou como título executivo várias actas de assembleias de condóminos, pretendendo cobrar a quantia global de € 71.147,37, sendo a quantia de 44.472,19€, referente a quotizações de Agosto de 2014 a 30 de Março de 2019, a quantia de 2.612,06 €, referente a juros liquidados, a quantia de 23.542,12 €, referente a penalizações por accionamento e o restante referente a certidões (275,00 €) e honorários de advogado (246,00 €).

A executada apresentou embargos que vieram a ser rejeitados por intempestividade. Veio, já em requerimento autónomo remetido à execução, invocar várias excepções, entre elas a da falta de título executivo, tendo o exequente pugnado pela inadmissibilidade de tal arguição e pela sua improcedência.

Foi proferido despacho no qual se decidiu: “Assim sendo, o exequente não dispõe de título executivo em relação a essas quantias para custear despesas de contencioso, motivo pelo qual não as pode exigir à executada deste modo, tendo que recorrer à apresentação da respectiva nota ao abrigo do disposto nos arts. 25º e segs., do Regulamento das Custas Processuais, o que leva à consequente extinção da execução nesta parte; determinando-se o prosseguimento da execução relativamente ao demais.

” Foi interposto recurso de apelação desta decisão, tendo a Relação decidido: Julga-se a presente apelação parcialmente procedente e em consequência declara-se a execução extinta também quanto à quantia de 23.542,12 € (vinte e três mil, quinhentos e quarenta e dois euros e doze cêntimos), a par das já excluídas despesas de contencioso, prosseguindo no mais tal como foi instaurada.

Inconformada, a exequente vem pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões: I. Inconforma-se o ora recorrente com o segmento decisório do douto Acórdão recorrido e que corresponde ao ponto sexto do respectivo sumário, onde se denega força executiva à previsão decorrente de plúrimas deliberações (exaradas em acta, e assim corporizadas) onde se aplicação de 50% do valor em dívida, em caso de sustentada inadimplência e concomitante accionamento judicial, que é obrigatório para a administração do condomínio, conforme deliberado.

  1. Tal entendimento faz uma errada aplicação do Direito, e incorre nos vícios a que aludem os nºs 1 e 2 do art. 674º do CPC.

  2. A questão em crise prende-se com a adequada interpretação do art. 6º nº 1 do DL 268/94 IV. Não aceita o recorrente como certa a interpretação sufragada pelo douto acórdão recorrido, segundo a qual se nega força executiva às (sucessivas) deliberações da assembleia de condóminos, que prescrevem a aplicação de uma penalização (sanção pecuniária), assim consignada em sucessivas actas, de harmonia com a matéria de facto dada por provada: «ao condómino que der causa à ação judicial será aplicada uma pena pecuniária no montante de 50% do valor da dívida».

  3. O douto acórdão não põe em causa a validade substantiva da pena, mas não se enquadra no que seja o "montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio".

  4. Se tais penalizações se enquadram ou não no "âmbito executivo" previsto pelo artigo 6º, nº 1 do DL 268/94 , é coisa que não tem recebido - até ao momento- resposta unívoca dos tribunais superiores, existindo uma orientação (doutrinária e jurisprudencial) , mais abrangente, que responde afirmativamente cfr. PASSINHAS, Sandra "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", 2. edição, 2. reimpressão, AImedina, Coimbra, 2006, pág. 274-275; a título de exemplo, Tribunal da Rel. de Lisboa de 08-07-2008, processo 9276/2007-7; Acórdão da Rel. de Lisboa, de 30-04-2019, no processo 286/18.4T8SNT.L1-7; Acórdão da Rel. do Porto, de 20-06-2011, processo 1975/08.7TBPRD-B.Pl; Acórdão da Rel. do Porto, de 03-03-2008, processo 0850758; Acórdão do Tribunal da Rel. de Guimarães de 02-03-2017, no processo nº 2154/16.5T8VCT-A.G1; de 06-02-2020, no processo 261/18.9T8AVV-B.G1 - todos em http://www.dgsi.pt, à excepção do último, disponível em http://www.direitoemdia.pt, e outra, mais restritiva, que o nega (Cfr, a título de exemplo, Acórdão da Rel. de Lisboa de 11-12-2018, processo 112636/14.3T8OER-A.L1-6, de 07/11/2019 no processo 7503/16.3T8FNC-A.L1, disponíveis em http://www.dgsi.pt; da Rel. de Guimarães, de 05/30/2019, no processo 3256/18.9T8VNF.B. G1, disponível em http://blook.pt; da Rel. de Coimbra, de 21-10-2013, no processo 3513/12.8TBVIS.C1, disponível em http://www.joaoicoelho.pt). (…) X. O douto acórdão recorrido incorre em violação de lei, ao sustentar que o art. 6º, nº 1 do DL 268/94 não atribui força executiva às deliberações que imponham penas aos condóminos relapsos.

  5. A douta decisão estriba-se em três ordens de argumentos (o elemento literal; a desnecessidade de cobrança rápida de tais montantes, já que não estão umbilicalmente ligados à satisfação de nenhuma necessidade imediata do condomínio; a necessidade de controlo jurisdicional apertado, apenas propiciado pela via declarativa, dada a frequente desadequação ou desproporcionalidade das penas aplicadas, ferindo limites legais, e estatuídas em título executivo elaborado por terceiro, e no interesse do mesmo), cuja valência se disputa.

  6. No que respeita ao elemento literal, cite-se Ferreira, J.O Cardona (in "Guia de recursos em Processo civil, actualizado à luz do CPC de 2013, 6ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, a pág. 66): "... uma interpretação exclusivamente literal é tudo menos correcta hermenêutica jurídica".

  7. Não desmerecendo a letra, haverá que ter em conta, o disposto no art 9º, nº 1 do CC XIV. Não se podem olvidar as preocupações de eficiência e de simplificação que o preâmbulo do DL 268/94 anunciam, como escopo da intervenção legislativa XV. Revendo o referido diploma legal, percebe-se que as sucessivas disposições visam securizar e quase institucionalizar o condomínio, dotando-o obrigatoriamente de instrumentos (actas) onde se plasmam as deliberações dos condóminos (facilitando tanto a prova do que foi legalmente deliberado, como o oposto, para defesa dos próprios condóminos), obrigando a um repositório de documentos, a medidas obrigatórias de preservação da coisa (actualização obrigatória de seguro contra incêndios; fundo de reserva), meios céleres de cobrança, o reconhecimento da importância de uma administração sem hiatos, e obrigações informativas a quem lide com o condomínio (seja proprietário, ou não) XVI. As alterações legislativas referidas sublinham a concepção do condomínio como um quase património autónomo, detentor de uma vida própria que se não confunde com a dos condóminos - um centro de imputação de um interesse colectivo que se não confunde com a soma dos interesses parcelares de cada condómino.

  8. Tal regulação especial e complementar em relação ao que já existia de normado quanto à propriedade horizontal, evidenciando a existência de um interesse autónomo, colectivo e transcendente, mormente quanto à "dispensa" de accionamento declarativo - faz com que não se percebam verdadeiras razões para se disputar a inclusão de umas (contribuições condominiais), e de outras (penas) não, no âmbito executivo, já que se tratam, em ambos os casos, de obrigações pecuniárias, que tem por génese deliberação dos condóminos.

  9. Não colhe o argumento da excepcionalidade ou eventualidade das penas pecuniárias, face às (ordinárias) quotas de condomínio, já que excepcionais são também as quotizações extraordinárias para obras (muitas vezes necessárias, face à exiguidade dos fundos de reserva - cfr. o art. 4º, nº 2 do DL 268/94) - e ninguém duvida que as mesmas possam ser coercivamente cobradas, por recurso à acta da assembleia de condóminos que as tenha aprovado XIX. Não se pode aceitar, outrossim que a correcta interpretação do art 1424, nº 1 do CC (chamado, frequentemente, à interpretação do disposto no art. 6º nº 1 do DL 268/94) integre no seu âmago apenas as usuais "despesas de fanixeiro" (água, energia, elevadores, limpeza), atempadamente orçamentadas, dado que um condomínio não é uma empresa, ou sociedade, XX. Não sendo os montantes percepcionados pelo mesmo susceptíveis de divisão, à guisa de lucros, XXI. Antes sendo sempre aplicados - previsivelmente orçamentados; eventualmente resultantes da cobrança de penalizações - nas despesas comuns.

  10. É, pois, artificioso considerar que as quantias decorrentes de penalizações vão ter uma destinação que é em tudo adversa do cabimento dado às usuais quotas condominiais XXIII. De resto, mesmo as quotas condominiais representam sempre um exercício previsional de execução incerta, sendo que alocação do montante exigido a cada condómino à parcela da despesas que, de harmonia com a repartição por permilagem (ou por outro critério) lhe caberia, jamais é perfeita - e ninguém colocará como hipótese válida que se, por exemplo, o consumo expectado de electricidade, nas partes comuns, era de mil euros, tendo-se no entanto quedado efectivamente pelos seiscentos euros, algum condómino se possa recusar a pagar o deliberado, na proporção; ou que a acta que tenha deliberado a respectiva quota condominial não seja título executivo bastante, no que respeita a tal diferencial.

  11. Sendo o condomínio uma realidade que reclama uma administração comum em função do capital investido, o mesmo não se acha apto a distinguir entre a causa de cada atribuição patrimonial para distinguir a sua utilização - não sendo, pois, de admitir tal diferenciação, quando se trata de proceder à respectiva cobrança coerciva.

  12. Convirá, outrossim, não olvidar que, legalmente, se quis o condomínio estruturado através de dotações tendencialmente anuais, mediante exercícios...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT